terça-feira, 4 de agosto de 2020

Gratidão e amor

Há alguns dias que eu queria falar de ti. Das coisas que a gente se diz pra fazer com que o outro tente entender qual a dimensão dos sentimentos. Queria falar do beijo consolador na nuca e do consequente abraço que vem quando minha respiração acelera, quando meu mar revolve. Queria falar das palavras que você me diz pra me acalmar, todas verdadeiras, bonitas, na sua voz grave e calma, me chamando de volta à realidade e ao que é palpável. Queria falar da sua enorme generosidade, que eu nunca vi igual em ninguém mais, que chega em mim e me compreende, em todos os sentidos dessa palavra.

Enquanto eu e meu passado nos deitamos no seu peito pra conseguirmos dormir, você me diz que o nosso amor é âncora, enquanto a mão acaricia minhas costas pra fazer relaxar e, quem sabe, dormir. A beleza dessa cena é que ela é feliz, apesar de eu estar triste. Mesmo na tristeza, esse amor me fala de vida e do quanto ela é pulsante.

Você escreve, apesar de não se achar escritor. Cada palavra falada, entra nos meus ouvidos e fica escrita na minha alma. Eu olho pro rosto lindo que você tem. Admirada, acaricio e te beijo o rosto, os seus olhos, os seus lábios, a têmpora, com tudo o que existe em mim, pra que você possa sentir todo o amor envolto em gratidão que é a sua mão em mim nesses momentos.

Neste mundo de homens que não cuidam, encontrar esse homem grande e forte que olha por mim, é como encontrar um oásis. E a mim, resta o desafio de buscar estar presente, nesta linha do tempo, neste momento do agora, vivendo essa felicidade que eu sempre sonhei e de te deixar sempre claro que afeto é esse que me engradece a vida.

Você é meu amor. Você é minha paz.

Obrigada por tudo.

“Pra renovar meu ser/

Faltava mesmo chegar você...”


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Oração

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.

Trecho da Oração de São Jorge.

Mesmo quando eu vivia em outro momento da minha vida, em que os medos eram grandes, lembro de ter me arrepiado lendo a oração de São Jorge pela primeira vez. Era absurdamente semelhante a uma oração que a minha vó fazia antes de dormir, que minha memória só consegue remontar alguns trechos. Era algo mais ou menos assim: "Me livre do laço do passarinheiro, da peste perniciosa, do homem sanguinário..." e continuava com um série de outras coisas perigosas. Era uma oração concisa, objetiva e forte, assim como a de São Jorge. A semelhança era absurda.

A oração de São Jorge sempre me faz lembrar outra oração testemunhada em um dia bonito. Alguns amigos recém conhecidos, meu amor e eu estávamos na beira do rio Parnaíba, em uma parte da periferia de Teresina em que ainda era possível o banho sem qualquer transtorno. Era uma tarde agradável e calorosa, com um céu anoitecendo.

Estávamos todos sentados em algumas pedras enormes que haviam na beira do rio, observando o movimento. Um homem que não estava no nosso grupo pescava alguma coisa. Eu ali, vivendo aquele momento novo, com aquelas pessoas novas e bem diferentes do que eu já tinha tido contato. Entre nós, um simpático homem de meia idade. Um cara excepcional. que tinha a poesia na fala, na vida. De repente, ele nadou mais ao fundo do rio, emergiu em um salto e se pôs de pé e declamou uma oração da alma, também extremamente parecida com a de São Jorge. Falou sobre seu orixá, seu guia, bateu com força o peito se entregando e pedindo a proteção divina. Aquele momento foi tão hipnotizante e tão marcante, que foi impossível resistir. Ali, na minha frente, mais um desses momentos inexplicáveis. Mais uma daquelas coisas que não se passa, se testemunha.

A fé e eu temos conversado nos últimos tempos. Nada como era antes, nada com amarras, nada com regras. O amor, por si só, seria uma espécie de fé? Não sei.

Eu, por minha vez, acredito no amor como força. Como qualquer sentimento absurdo, é tangível, é manifestável e os seus efeitos são vistos a olhos nus. Se a fé está no amor, ponto pra ela. Hoje, a oração de São Jorge tantas vezes compartilhada nesses momentos de incerteza e medo, me emocionou mais uma vez, por me lembrar que a vida é resiliente, que mesmo sendo ela própria absurda, está. Ou melhor: é. A vida é. E pra continuar em frente, me aproprio dos versos e faço também deles uma espécie de oração:

La muerte nunca nos venció
Porque todo lo que vive
Es porque alguna vez nasció.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Antes da fé, o amor.

Há muito, muito tempo, eu não paro pra escrever algo que a alma chama. A dor que avança sobre o mundo parece ser infinita... Parece mostrar o avanço de nossa irresponsabilidade coletiva, dentro de uma escolha que fizemos lá atrás. A peste avança e o pior e o melhor das pessoas vêm à tona, absorvendo as nossas energias e nos mostrando que, tal qual a peste, também não há limite para o mau.

Tampouco há para o bem. Enquanto escrevo essas linhas chorosas, o homem que eu mais amei e amarei nesse mundo, trabalha num hospital que ainda não sente as dores. É como uma mulher que dá a luz: todos estão se preparando para o momento da dor e tentando fazer com que ela seja menor.

Vem o homem mau e pisa em cima da barriga da mulher prestes a dar a luz. Quer torturá-la, quer que sangre, quer que sucumba. Mas a mulher é forte e resiste, como sempre foi ensinada a fazer, como sempre precisou fazer pra manter-se viva.

Eu tenho dado minhas voltas com a fé. Aqui, sozinha neste lugar que se faz meu aos poucos, em uma intimidade forçada com o lar. Já conheço cada fresta, já conto cada tijolo das minhas paredes nuas. A fé vem, tentando minhas certezas, como se pudesse ainda mostrar outra parte de si que ainda não havia mostrado antes. Tentando fazer com que eu acredite, nesta situação-limite, sem a companhia da racionalidade que eu fiz minha há muitos anos atrás, quando o mundo também me maltratou.

Olho pra ela e, sem rumo, sigo. Sem dar o salto que ela exige, mas já caminhando para o ponto em que o pulo é exigido pra chegar até ela. Medito, canto mantras, vejo cartas de tarô, escuto a triste e esperançosa mensagem do Papa, escuto o que os espíritos têm a dizer. Falta, de fato, orar, hábito deixado de lado, por lembrar demais outros tempos doloridos.

Eu já não acredito que este momento veio para servir a qualquer propósito antes sabido. Mas que irá, irá. E espero que após este momento de desolação coletiva da qual a humanidade já conheceu mais e piores vezes, estejamos prontos para um amor fraternal tão transcendente, só visto pelas palavras de Jesus - a quem, dentro deste coração tolo, nunca questionei a existência, curiosamente.

Eu nunca mais vou desconhecer estes dias cheios de amor e ódio, vindos desse mesmo corpo, mente e coração. Eu nunca mais vou desconhecer estes dias cheios de rancor, ao mesmo tempo que de perdão. Eu nunca mais vou desconhecer esta sensação de desamparo coletiva, como fosse algo inédito da nossa raça.

Que encontremos o equilíbrio dentro deste caos. Que olhemos para o outro e nos poupemos da fome, do desespero, do desemparo. Que sejamos abrigo, mesmo que de longe. Que a fé, até mesmo a fé, nos acompanhe de modo que estejamos todos de olhos bem abertos. Mas antes da fé, o amor, que é a força mais poderosa que existe no mundo.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

O amor invencível

Eu acho que só publico aqui quando o sentimento é maior do que qualquer outra coisa. Quando eu sufoco, finalmente. Acredito que esse espaço ainda é livre, é meu, é pouco, é pequeno e sucinto pro que eu quero, sem dar margem pra gentes estranhas. Revelo, sem escancarar demais. E aí, confio.

Acabo de ler uma pequena declaração de um amigo que está passando por uma situação que eu não desejaria nem pros meus maiores inimigos: sua filha está numa situação de saúde delicada. Ele largou tudo na cidade em que mora e foi pra perto da filha, como qualquer ser humano decente no mundo faria.

Há pouco, postou uma foto dela numa dessas poses bonitas e infantis, com um breve texto sobre a sua falta de crença na espiritualidade, da ausência de fé, tão incentivada em momentos como esse. Tão arduamente defendida em situações extremas, onde o desespero é sedutor.

Acho que apagou a mensagem. Escrever é se expôr, bem sei. Antes, escrevi uma mensagem, que sequer sei se chegou a ver. De qualquer forma, aquilo me queimou os olhos.

É óbvio pra todo mundo que se cerca de mim que há um desejo pulsante, latente de ser mãe. De cuidar e amar de alguém. Já questionei minhas certezas, já me perguntei se não seria uma compulsoriedade da qual eu me apropriei há tempos e que quero ver efetivada. Mas, de verdade, existem coisas que me fazem pensar algumas vezes antes de concretizar o projeto.

A primeira é o mundo.

Não que já tivesse sido fácil pra ninguém, em qualquer tempo. Não que eu ache que o mundo antes era a grande quimera em que o tudo era maravilhoso e perfeito e que o mal não estava à solta, só porque a infância era brincada da porta da rua pra fora. Não. Mas o mundo me assusta.

Talvez sejam as maldades mais escancaradas do momento, em que eu estou aqui testemunhando tudo de olhos abertos. Talvez seja o furor do contra-ataque, veloz, furioso, calando vozes e derretendo mentes.

A segunda é a vida.

Muito se fala da ordem natural das coisas. De que os velhos amargam o dissabor do fim da existência primeiro e que os jovens aguardam a finitude pra quando for a sua vez de serem velhos. A questão é que à vida - essa que desrespeita todos os nãos -, não lhe interessa quem é velho ou novo. Coloca novos e velhos no mesmo balaio de sujeições daquilo que um ser humano é capaz de viver, para o bem ou para o mal.

E aí vemos que a justiça está na sorte, no puro acaso. Eu que, tal qual o amigo com a filha enferma, abdiquei das explicações do destino, tenho medo de um filho que eu tenho certeza de que vou amar mais que a mim mesma, seja o sujeito da vez das sujeitudes da vida.

Nada disso vai me impedir, eu sei. Só situações extremas me impediriam de verdade.

Cética, tento até rezar algumas palavras sobre a criança enferma. Nada sai. Mas dentro está o desejo profundo de que se recupere e siga a sua vida de criança em frente, linda, plena e feliz, como é reservado às crianças desse mundo.

E que seus pais acalmem o coração de toda a angústia da luta que só um amor invencível como esse pode lutar.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

A dor e a fé

Há muito tempo eu não escrevo.

Deixei doer tudo o que havia de doer bem calada, como que pra deixar acalmar o lanho de tantos dias maus, de tanta maldade solta, de tanta miséria escorrendo das mãos e das bocas das pessoas, se acalmar no meu coração, que já não aguenta mais de tanto que pesa.

Todos nós já sabíamos que seria ruim, mas eu não imaginava que seria tão horrível. Em meu coração, os vislumbres de esperança querem amainar, por mais que eu me chame de volta à razão e saiba que eu não estou só nesse lamaçal monstruoso.

Logo eu, que já me imaginei mais forte que tudo, que já pensei que já havia sentido toda a minha cota de dor da vida, olho para o lado e vejo o chão se quebrando debaixo dos meus pés. Com um medo que não sei descrever, tenho sonhos horríveis com um futuro tenebroso, em que não só eu, como os meus, mesmo os que hoje apoiam o fascismo, são alvejados e caem mortos aos meus pés, enquanto eu não posso fazer nada, apenas ver.

Escrevo hoje, talvez, pelo único motivo de ainda poder. Não sei até quando poderemos. Mas nós lutaremos. O meu medo, hoje, transformo em força pra tentar. Transformo em coragem para não deixar vacilar. Transformo em esperança por dias melhores. Transformo em fé - até fé - que a nossa vida seguirá, e seguirá bem.

Força!


quarta-feira, 30 de maio de 2018

O calor

Pode ser que seja o dia de hoje, pode ser que seja esse momento assustador, podem ter sido os sonhos distópicos que eu tive quando me recusava a acordar e deixava o tempo passar lentamente pela manhã. Não sei. Só sei que não me deixa a sensação de que a minha vida está se esvaindo, cada dia mais, pelas minhas mãos. Pode ser que seja a tamanha e drástica mudança e todas as preocupações periódicas sobre o que é possível. Pode ser que seja a pressa pra que o tempo me salve mais uma vez, sem que ele se manifeste. Está em silêncio. Pode ser que sejam muitas as causas, eu ainda estou descobrindo. Só sei que já não me frui a alegria de vida que eu sempre ostentei. Nem minha leveza diante das adversidades, nem minhas certezas de que o futuro há de ser melhor. Pelo contrário: eu só me assusto cada dia mais.

É difícil reconhecer que, muito provável, os teus fantasmas agora já sejam outros. A angústia se torna ainda mais crescente quando eu me percebo só, no sentido bastante literal da palavra. E apesar de saber que esta solidão é parcial e aplacada pelo demais amor de um companheiro leal, ela ainda é maior do que uma só pessoa poderia nutrir. Ela se quebra com os muitos bálsamos que entendi ter nessa vida: sejam as pessoas, sejam os lugares, sejam os hábitos. Meu coração sempre precisou de refúgios e era tão mais fácil acessá-los... Agora meus refúgios estão tão longe de mim! E muito me assusta que até os meus mais antigos prazeres já não me atiçam mais a alma, já não lhe coçam por fazê-los, já não me assanham o espírito pra que aconteçam, como sempre foi, apesar do colossal esforço.

Há muito mais de solidão nesse meu admirável mundo novo, que todo mundo acha bem melhor do que eu. Que todo mundo acha bem melhor, inclusive, do que ele realmente é.

Talvez seja parte do doloroso processo de sair, mais uma das muitas vezes que a vida me exigiu, de tudo o que me era confortável. Talvez esteja realmente sendo mais difícil dessa vez. Talvez seja o fator cultural bem mais crucial do que jamais foi, quando eu nunca estava suficientemente longe pra não considerar que aquilo também era meu, que aquilo também era eu, que também fazia parte da minha identidade e forma de ser. Sinto que perdi uma estabilidade calcada em muitos anos de árdua batalha, em que tudo que me era familiar ficou irremediavelmente no passado. Aquele caminho de todos os dias pra pegar o ônibus, aquele apartamento pequeno que mal me continha, aquelas paredes que sabiam mais da minha vida do que eu, como se fossem uma grande pasta de arquivo que sabia pra qual lado da parede eu sempre dormia, quais notas de meus sussurros eram de dor e quais eram de prazer. Tudo mudou e eu já estou quase sem reconhecer meu rosto, mesmo depois de tão menos sol que sempre fez de minha pele mais velha do que ela é.

E pra que nada se esvaia sem uma dose (mesmo artificial) de esperança, pra que as palavras lidas consigam me ajudar mais do que o que me ajuda minhas forças: tudo o que eu desejo da vida é que eu consiga, de novo e pra sempre - tantas vezes forem necessárias - conseguir encontrar o caminho da minha paz. E que ele sempre seja reconhecível como o calor.

terça-feira, 15 de maio de 2018

O contrassenso

Já não escrevo mais.

A voz interna que fala pra mim o que escrever parece que resolveu descansar um pouco, depois de tantos escritos, de tantas tentativas, de tantas ideias soltas cujas palavras sequer chegaram à capitular. Aquela ânsia tão premente, tão presente, tão sofrida, de me desmanchar em palavras se amainou. O coração, tão feliz, jura agora não ter mais motivos pra falar. E falar o quê? Se já não há nele dores de partidas, nem chegadas ansiadas: há só o oceano tranquilo de um amor sereno.

Ainda assim, ainda não seria o suficiente pra justificar o fato de não escrever mais. Seriam as paredes de madeira da casa pequena que moramos, ou o sol frio que faz nos cantos do sul do mundo? Não sei. Mas, se não sinto que preciso escrever, então algo parou de coçar na superfície da minha alma. Se nem ao menos a voz que fala dentro me dita os textos que se escrevem sozinhos, o que terá adormecido em mim?

Se a minha própria essência não me carrega pelos mares da minha própria imaginação, então, quem sou eu? Eu me pergunto qual foi o momento de ruptura desse hábito que sempre me trouxe paz. Se foi a água salobra do sertão ventilado. Se foi a água gelada da metrópole fria. Se são os sonhos que me completam, me chamando de volta pra um passado que jamais será novamente. O que será?

Termino este texto - ele mesmo um completo contrassenso - em que escrevo o não escrever, na tentativa de acender uma chama que sempre foi assustadoramente acesa, pra que eu ainda possa me resolver em infindáveis textos. E pra que, principalmente, não deixe mais escapar esta enorme quantidade de vida que vem, e sempre há de vir, por aí.