domingo, 28 de dezembro de 2014

Dois perdões

Hoje eu estava atinando que eu sempre precisei de refúgios. São sempre coisas, pessoas, lugares, caminhos e atos. Pra uma garota que nunca viveu em um estado oficial de guerra, tive que ter refúgios demais. O corpo pedia, pra recuperar um Animus que andava perdido por aí e voltar à ativa. Esse ano foi tanta coisa, tanta Vida que correu, que eu ainda não tive coragem pra revisar. Dentre as coisas loucas que aconteceram, duas merecem destaque, por serem contrárias, mas iguais.

Esse ano eu perdoei e fui perdoada.

"O coração tem mais quartos que hotel de putas", disse o Gabriel. E o meu sempre foi um hotel grande, onde habitou muita gente. Algumas pessoas passaram pouco tempo, outras se apropriaram do quarto sem qualquer permissão. Continuam morando pelo usucapião. Tudo bem, deixa assim como está. O quarto que moram é diferente agora.

Duas histórias habitaram meu coração, em um lapso de alguns anos. Na primeira delas, eu ainda era o próprio medo. Machucada que estava, ainda não podia viver o que queria. Silenciei, escapei, fugi sem dar nenhuma explicação e carreguei esse arrependimento por muito tempo. Outras possibilidades de contato vieram e só acompanhava a vida de longe, alegrando com as conquistas, prestando atenção na vida e pensando comigo mesma: "O que teria acontecido se eu não tivesse fugido?" Sem respostas. Foram cinco anos de mutismo.

A segunda delas, era a realização. A tão esperada concretização dos meus desejos, vindo inesperada, quando eu pensei que aquelas coisas ainda estavam muito longe de acontecer. Dessa vez, foi a história que saiu de mim. Saiu em paz por um tempo, até que uma notícia abalou os meus nervos até a extensão mais longínqua deles. Foi difícil. Passei muito mais tempo do que eu queria admitir, dolorida. E sentia no ar o cheiro da injustiça que aquilo era contra mim. Não o ato que me despertou aquilo tudo, mas aquilo tudo. Por que EU tinha que sentir uma dor tão lancinante, durante tanto tempo e sem possibilidade de melhora? Claro, tentei seguir minha vida como pude, mas o que eu reprimia apagando qualquer resquício da história, vinha em sonhos, em mal-estares à mera menção do nome, ao choque terrível apenas com a visão da pessoa. Eu fui dor durante muito tempo, mesmo que não quisesse, mesmo que tentasse que não. Foi um ano assim.

Viajei. Conheci o que eu queria conhecer. Fiz o que eu achava que não seria capaz nunca de fazer e lá, naquele lugar que eu imaginei tanto, eu soube que podia saber da segunda história. Vi, com alguma melancolia, a história já com outra, a que lhe pertencia. Naquele momento, eu não senti raiva, eu não senti ódio, nem tristeza. Também não fui indiferente. Uma frase escreveu-se sozinha na cabeça: "Que seja feliz". Daí em diante, com esse perdão liberado quase sem querer, eu pude abrir essa espaço naquele hotel e deixar, verdadeiramente, aquilo ir. Foi uma libertação sem tamanho não reprimir mais as referências apenas temporais daquela época, usando o seu nome. Não deixar de contar coisas engraçadas que aconteceram. Pra ele, quando o vi, apenas entendi que não éramos e que não íamos. Compreendi suas limitações, suas inseguranças e perdoei. Parei de me culpar. Soube quem era eu e do meu caráter e, orgulhosa de mim, olhei pra frente.

Uns meses depois, quando estou explodindo de ódio, depois que li diversas manifestações xenofóbicas contra o Nordeste depois do primeiro turno das eleições, escrevi um desabafo ainda bem educado no Facebook. A primeira história se manifestou. Parece que lhe doeu que os seus pensassem assim e quis manifestar textualmente que não engrossava aquele coro. Um susto. Como quebrou um silêncio de cinco anos? Naquela mesma hora, conversamos longamente e eu, finalmente, pude pedir o perdão que estava entalado na garganta e travado entre os dedos durante tanto tempo. Aquilo refrescou a minha alma como um banho de chuva correndo, porque eu já tinha desistido de qualquer possibilidade de aproximação há muitos anos e aceitado que essa era uma das vergonhas que eu fiz e que tinha me custado um amigo, antes de qualquer coisa. Apesar de ter sofrido bastante por isso, à época, também já havia deixado de sofrer, porque entendi que não sumi do dia pra noite por ser alguém má. O que eu tinha era muito mais pesado e eu não pude dar conta desse peso. Uma coisa que eu me martirizei muito (porque, né? Eu não sou filha da puta), mas serviu pra nunca mais fazer isso de novo. Era melhor ser honesta e sentir um pequeno desconforto do que um mundo de sofrimento por uma mentira ou silenciamento.

Um amigo recuperado quando não se havia mais esperança e outro que ganhou o desejo de que seja feliz. Bagagem pesadas jogadas fora do meu coração, já tão cheio de coisa... Tá abarrotado ainda. Têm, ainda, monte de perdão pra dar, outros montes a receber. Vou deixando mais leve aqui, pra que fique cabendo só o que interessa. Desses perdões, indo e vindo de surpresa, eu só pude ser grata.

PS.: Que o moço tenha paz. Que o seu espírito descanse. Que ache refúgios pro coração pesado. Que pare de doer o que quer que esteja doendo. Que sinta o meu abraço apertado.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O antídoto



Engraçado como são as coisas. O lugar que me deixa mais em paz em Teresina foi justamente o que aconteceu o assalto. Eu sei que essas coisas acontecem em qualquer lugar e que, enfim... A gente não tinha como prever, mesmo sabendo que a vida é perigosa. Não foi violento como poderia ser, mas ainda assim tem uma coisinha me incomodando bastante. Eu consegui dormir depois de um bom tempo recitando, na minha cabeça, as frases que eu não posso me esquecer jamais: “Não vou deixar meu medo me dominar” e “Não vou deixar meu ódio me dominar”. Talvez esses dois sejam os sentimentos mais danosos pra mim, desde sempre. O medo é o pior, eu acho. Os dois são extremamente ruins, porque me tiram coisas das quais eu não posso viver sem. O medo me paralisa, o ódio me cega. Ação e visão são imprescindíveis e eu não vou me abster delas.

Ontem, quando eu e meu irmão fomos dormir num apartamento emprestado de um amigo, já que não tínhamos como abrir o meu, o sono e o cansaço já tinham chegado, mas quando eu fechava os olhos, as únicas coisas que vinham na minha cabeça eram pensamentos absurdos. Era eu imaginando vários outros desfechos pro episódio, mas não um que coisas piores aconteciam comigo, mas com os ladrões. Eu imaginava que tinha algum tipo de conhecimento enorme em artes marciais ou então que tinha alguma arma que pudesse fazer deles picadinho. Sim, isso mesmo. Eu imaginava que fatiava os caras com uma espada, tão facilmente como se corta uma banana, como se carne, ossos, órgãos, não fossem nada. A cólera me fazia palpitar o coração como um louco e dizer coisas enquanto tentava apagar. Estava cega. A única coisa que eu queria era ter ferido os dois assaltantes. Eu já havia sentido isso antes, por outras pessoas, que me fizeram um mal muito maior e muito mais durável do que o minuto que durou o assalto. 

Parece que veio essa parte sombria de mim novamente. Não me orgulho disso, não gosto disso, não acho isso legal. E mesmo pra alguém como eu, que teve que enfrentar vários desafios pra enganar a própria cabeça e sair da merda, ainda continua difícil desviar os pensamentos pra algo menos nocivo pra mim mesma. Não vou deixar meu medo me dominar. É o quarto assalto que eu sofro aqui em Teresina. Os prejuízos aconteceram, mas tudo pode ser recuperado. Da primeira vez, assim que cheguei na cidade, não conseguiram roubar nada, mas eu quebrei o pé, porque me assustei e corri. Tinha um declive na calçada e eu caí com tudo no chão. Não consegui me levantar. Olhei pra cima, o assaltante estava praticamente em cima de mim, pronto pra fazer qualquer coisa de muito mal e, dessa vez, eu não tinha como correr. Quando eu já me preparava pra, no mínimo, uma bofetada, ele saiu correndo. Quando eu olhei pra minha frente, entendi o porquê: na segunda pensão onde morei, todos os rapazes saíram pra jantar fora, de uma vez. Eles me viram e ainda tentaram pegar o cara, mas ele já tinha montado na moto e saído. Levaram-me pra dentro da pensão e eu achei que aquilo tinha sido só uma torção leve, que se colocasse bastante gelo, logo desincharia. No outro dia, pela manhã, tive que ir ao médico. Não era perto, mas eu não tinha dinheiro algum e fui caminhando por um caminho que eu tampouco conhecia. Não me lembro de ter me sentido mais desgraçada da minha sorte do que nesse dia. Eu tinha plano de saúde e o médico mandou colocar o gesso. Voltei caminhando, com o gesso ainda molhado, pelo mesmo caminho que eu fiz, sem muleta, sem nada. Parando a cada cinco minutos, porque foi metade do caminho pulando de um pé só e a outra metade, arrastando o gesso no chão. Não tinha como ligar, não tinha a quem pedir ajuda. Eu não sei nem porque eu tô escrevendo esse dia triste aqui. Talvez seja pra me lembrar que as coisas já foram bem mais difíceis e eu realizei muitos dos meus sonhos mesmo assim. Ainda tenho tantos outros a realizar... O tempo está só começando e eu tenho todo o resto da minha vida pela frente, enfrentando o que tiver que enfrentar, saltando obstáculos, dando o melhor de mim.

Não vou deixar meu ódio me dominar. Esses pensamentos que ainda estão aqui me incomodando, vão sair. Cedo ou tarde, eles vão, porque não há espaço pra eles. Não vou deixar meu ódio me dominar, porque ele já tomou muito mais de mim do que deveria e, dessa vez, não vou dar guarida.

Outra coisa que eu senti bem forte foi falta dele. Eu não sei por que ele parou de falar comigo (ou se ele se pergunta a mesma coisa), mas senti uma vontade absurda de ter ele aqui, perto, comigo, pra me cuidar e me abraçar. Não tinha mais o seu número, mas queria ligar, ouvir a voz que ouvi poucas vezes, me confortar dizendo que ia ficar tudo bem. A “ida” dele da minha vida não está lancinante como eu achei que seria. Talvez eu tenha aprendido uma ou outra coisa com o decorrer do tempo e até as possibilidades que se abriram, não excluem a da não realização do que teríamos de pendente entre nós. Tudo isso frustra, entristece, mas tudo está bem. É preciso deixar voar quem quer voar, quem já voou. Afinal, se somos dois passarinhos que se conheceram em outras correntes de ar, essa é a nossa natureza. Queria que voássemos juntos, mas não há como deliberar quereres. A história do outro, ao outro pertence. Só quero não sentir essa falta tão forte assim, nem nesses momentos. Se o que já foi, não é mais, que eu sinta sim o amor que eu sinto, mas que fique só a parte da gratidão e carinho, “ojalá que el deseo se vaya trás de ti”. Assim, não há porque acabar o sentimento porque não haverá peso em levá-lo no meu coração.

“- Vamos - disse Monte-Cristo, arrancando com esforço um sorriso do peito opresso. - Vamos, basta de veneno, e agora que o meu coração está cheio dele, vamos procurar o antídoto.”

O Conde disse e é verdade: o coração está cheio de veneno, há que se procurar o antídoto. Vou revestir-me de paz.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A herança

Uma de minhas avós banhava os mortos das famílias dos vizinhos, quando os seus não tinham coragem. Não só deles, de quem mandasse chamar. A outra avó dizia que na casa da esquina da rua onde mora há mais de 40 anos, as cadeiras e outros móveis se batiam sozinhos e que esse era um fenômeno observável, mas que, de sua casa, só o seu marido teve coragem de olhar. O único bisavô que conheci, já muito velho, contava histórias inverossímeis de difícil compreensão por causa da dificuldade ao falar, dos seus tempos de moço no interior, do dia que o avião passou pela primeira vez em cima do vilarejo e todas as casas frágeis balançaram com o mover dos ares, o que fez com que uma vizinha confessasse ao marido que dos cinco filhos, apenas dois eram dele, pra depois desmentir tudo quando o avião passou e tudo se pôs no lugar. Outro bisavô, que morreu muito antes de eu nascer, tinha aversão à água. Sabia uma reza em que colocava um chapéu de palha na cabeça e ele e quem ele quisesse, não se molhavam, mesmo que estivessem debaixo de chuva grossa. Cresci escutando essas histórias e acreditando em cada uma delas, por que sempre tive um fraco por esses assuntos. Mesmo quando os questionamentos de várias ordens chegaram, elas ficaram guardadas no lugar do inquestionável, porque não interessava se eram verdadeiras ou não. Ontem, todo esse passado veio à memória de uma só vez, na madrugada quente, no infinito de um quarto, não me deixando dormir. E eu olhei pra elas, algumas histórias já centenárias que ainda chegaram a me alcançar, que foram feitas pelos meus antepassados e que também os fizeram, e tantas outras que não cito por não lembrar mais dos detalhes, outras por não saber como encaixá-las neste texto. E atinei que, desde os fundamentos, a vida da gente é um conglomerado extenso de improbabilidades que, de algum modo, se fazem possíveis.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

"Não há mais vida, não há..."



"No hay más vida, no hay
No hay más vida, no hay
No hay más lluvia, no hay
No hay más brisa, no hay
No hay más risa, no hay
No hay más llanto, no hay
No hay más miedo, no hay
No hay más canto, no hay (...)"


Não há mais nada. A morte levou tudo. O riso, a alegria, até o choro, a tristeza, o pranto. Essa música é da Shakira, feita pra trilha sonora do filme "O amor nos tempos do cólera", obra homônima do livro do Gabo.

Era segunda, já noite, nem tava tão tarde assim. Eu estava numa lanchonete perto de casa, revendo amigos que não via fazia muito, rindo das histórias e fazendo-os rir com outras. Deixa celular de mão, ele não é mais tão prazeroso assim... Mas quando olha, tá lá uma notificaçãozinha do grupo de amigos, dando uma notícia péssima: uma moça com a qual estudei no 1º período da Universidade, veio a falecer, depois da tentativa de suicídio, há um pouco mais de 40 dias.

Que fique claro: não éramos íntimas, os contatos que tínhamos eram apenas virtuais e muito esparsos. Não vou dizer que estou sentindo a sua morte como sentiria a de qualquer de meus amigos chegados, mas desde segunda estou com uma coisa estranha na garganta. Um marejar constante nos olhos, que eu reconheço de outras vezes em que outros que não eram ou já não eram tão meus assim, encontraram a inevitável. As especificidades desse caso, talvez, que me deixaram mais atenta. Era uma moça que eu me lembro de ser extremamente expansiva, efusiva, mais do que eu, até. Alguém que falava alto e tinha uma risada bonita. São poucas as lembranças, lamento. Mas ao ler os quatro posts enormes que ela escreveu antes da tentativa, às quatro da manhã de um outro dia de semana, doeu alguma coisa adormecida em mim. Era muita dor, não havia como não se abalar com aquilo. Uma mente que estava doente e que dava o último grito de socorro. Quem pode te julgar se não deu mais, querida?

Lembrei, é claro, dos dias maus. Mas em favor da minha própria saúde mental, coloquei esse assunto numa pastinha oculta do meu cérebro e toquei a vida em frente. A família conseguiu o acesso ao perfil e por lá eu sabia alguma coisa aqui, acolá. Não avançava. Continuava internada em coma na UTI, apenas estável. Faleceu. Por mais que eu esteja evitando pensar nisso, é algo que está pertinente na minha cabeça. "Mas, moça, você nem tinha mais contato com ela!". Eu sei! Por isso não me permito entrar em tristezas maiores.

Outras coisas também têm me tomado o juízo nesses últimos dias. Preocupações próprias da vida adulta, projetos novos, sonhos antigos, pressões e expectativas sobre o futuro... E a espera. Nem sempre é fácil e nem eu acho que tenha mesmo que ser. Sair da menoridade dói. E na  tempestade em copo de pensamentos etéreis, chega o recado bem dado, reafirmado tantas vezes, de que ainda não inventaram coisa mais necessária que a paz de espírito.

Eu sei que é só uma dessas coincidências sem sentido, mas estou quase pra terminar o livro do Gabo de novo. Já o li há não sei quantas vezes e as músicas do filme vão me acompanhando durante a leitura. "La despedida" é uma delas, das mais tristes que eu tenho na memória. E parece que não há maneira: todas as vezes que alguém se vai, ela me vem. Acho que por causa da certeza de que a tristeza da despedida, ainda que nós nos neguemos a ela, é traduzida perfeitamente nos versos: 

"Cuándo álguien se va/
El que se queda/
Sufre más..."

Que haja paz, pra que ainda haja vida.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

eu queria ser um passarinho e avuá
avuá numa corrente só
até as asa congelar no teu ním
pro teu abraço esquentar ar bichinha
e fazer as póbe avuar de novo
e chegar inté no céu
cuma quem num quer nada
e ficar lá avuano
inté tu chegar de novo
pra modi eu atinar
que as asinha que eu tinha
num avuava inté no céu
e de que foi teus assopro
que me dero asinha nova

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"Senti sua falta hoje..."



Senti sua falta hoje. Esse tipo de relação é coisa esquisita, porque nunca esteve aqui perto. E, no entanto, eu sinto a falta. A gente parece que se apega num “oi”, num like, num comentário, num “boa noite”, mesmo que seja só isso. Quando o contato é vedado, essas são as únicas provas concretas que temos de que ainda estamos ali, de alguma forma, importando. Haha Eu sei, é assustador, mas sei que você me entende. É claro que as nuvens são as palavras que não podem ser trocadas em outros meios em que haja espectadores. As confissões feitas, com o coração balançando pra cá e pra lá como se não houvesse escapatória de uma morte muito próxima. Os desamparos achados na materialização da imaginação e o transporte imediato pra um lugar comum em que não faz nem frio, nem calor. Ele é perfeito pra nós.

É bom dizer as coisas que não diria antes. Sabe, é muito bom não ter medo. Meu Deus, muito bom mesmo.  Dizer das vontades, das loucuras... Falar as besteiras que eu não consigo me furtar de falar, ainda que isso signifique tirar onda comigo, com o nosso estado. Foi bom ter assumido que estava apaixonada. Ainda dá uma pontinha de medo, as implicações disso, mas não posso fazer muita coisa se isso é uma verdade. Ah, e eu te amo também. É. Falei. E, por favor, não ache que isso é pesado, porque a afirmação não vem com um contrato implícito pra você assinar. Olha, eu nem estou esperando que diga nada de volta. Inclusive não poder contar isso diretamente pra você, de boa, por não saber a sua reação, me faz odiar as pessoas que fizeram isso com outras. Não deveria ser pesado dizer da existência de um sentimento bom pra alguém, nem pra quem diz, nem pra quem escuta. Não é leviandade, já que tenho certeza. Meu coração não me engana assim, pelo contrário. E ele sabe que, independente até do nosso “resultado”, ele não deixará de sentir o que sente por você. Se ainda haverá paixão, isso é que eu não sei, já que o futuro é algo “escritível” (acabei de inventar), é certo, mas me parece que alguns sentimentos são muito bem não deliberáveis. Mas amor... Mudei o que eu pensava sobre ele. Tudo está mais generoso depois de alguns anos e sei que sempre haverá espaço pra você aqui dentro, talvez pela gratidão pelo muito bem que está fazendo.

A única coisa que eu queria era teu beijo e o teu afago, que se fazem cada vez mais e mais urgentes. Sejamos sinceros, já vivemos isso antes, não é difícil perceber. Se aconteceu a tão sonhada concretude é que não sei. No meu caso, o medo sempre vinha bater na porta de uma maneira que era difícil demais, porque ele sempre conseguia forçar essa entrada, mesmo que eu ficasse à postos. A diferença, agora, é que não vejo mais essa porta. E se um dia o medo vier fazer alguma visita, eu já posso dizer que já fui muito mais longe do que jamais havia ido. Ele vai embora.

Muitas vezes olhei pra minha vida e a vi tão distante da tua... Muito mais do que a geografia continental que já nos separa. Vi a tua vida estabilizada que eu tanto almejo, tuas viagens pelo mundo, teu conhecimento sobre coisas que eu não vivi. Sua própria idade, uma vantagem insuperável. Enquanto vejo em mim a garota que sonha muito mais do que realmente faz e ainda faz sangrar os dedões das mãos, de rasgar, quando alguma ansiedade vem mais profunda. Olho pra esse apartamento pequeno que vivo e nem sei se poderia te receber apropriadamente, sem carro, nessa cama de solteiro (apesar de saber que te queria nela do mesmo jeito), nesse calor, sem muita estrutura e conforto, nesse lar sem cadeiras e de paredes sujas.

Calma, eu sei que tu vai pensar nas minhas qualidades e até ralhar comigo mentalmente por eu ter me colocado em um “patamar menor”. Não, tô bem longe da baixa autoestima, mas sei ver a realidade quando ela se apresenta pra mim. E eu também entendo que, além de tudo isso, és também um homem, sujeito às falhas e aos esfriamentos do coração. Sim, eu racionalizo isso, ainda que internalizar, de fato, seja toda outra história. Ainda não conheci tuas manias, como te comportas quando tá com raiva, se o teu coração é constante ou não. E isso eu lamento, porque são coisas que eu também quero conhecer além do teu cheiro, do teu beijo, do teu sexo, do teu abraço, dos teus braços, das pernas, da tua voz no meu ouvido.

Ainda bem que te encontrei, rapaz. Improvavelmente, como tudo na minha vida, mas te encontrei. O teu senso de vida, tua moral admirável... Penso que vi seu caráter bom. E me apaixonei mesmo, porque aí já não tinha escapatória pra esse meu pobre coração. É claro que o teu rosto lindo, a tua barba pretinha, teus olhos assustados e teu corpo de homem tiveram uma participação terrível nesse processo. rs (Esse perfil só trabalha com vdds vddrssms!). Ainda estou sentindo a falta de ti que me fez começar esse texto quase madrugador, enquanto o vizinho me torra a paciência novamente com o barulho de uma rede. Eu, vítima do meu próprio orgulho, acabo por me privar de ti do que escolher te chamar, porque não quero passar a impressão de estar apaixonada demais (olha!). No entanto, olha aqui o tamanho do texto. Tsc tsc tsc

Sei lá, perdão. Desde o aniversário do Fagner, estou com Fanatismo na cabeça. E aquela voz se rasgando, naquela poesia sofrida, me fez achar que me rasgar não teria tanto problema. Fica com esta outra também, que não sai da mais da cabeça:



Boa noite e espero que tenha os melhores sonhos. 


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Lembrei de coisas

Nesse dia espreguiçado, deitada no chão frio do quarto quente, passei o dia lembrando coisas. Até um minuto atrás foi o dia das crianças e aí, amigo, dá jeito não. Lembro mesmo. Logo eu que sou um poço de nostalgias por cima de nostalgias. As histórias marcam por tempos indeterminados demais.

Lembrei do dia em que minha mãe apareceu no primeiro colégio cristão, pra me levar pra ver a esquadrilha da fumaça. Uma loja muito grande da cidade a trouxe, em ocasião do seu aniversário. Era quando eu já estudava à tarde e o evento ia ser às quatro. Eu não tinha esperança de ir. Mary Jane, a bicicleta mais sensacional do Universo, não me levaria àquela distância em tempo hábil e mesmo que levasse, eu só sairia da aula já quase dando seis da noite. Mamãe apareceu de carro com o meu primo. Não tenho o meu irmão nessa lembrança. Com uma felicidade que não cabia em mim, fui ver, perto do aeroporto de Bacabal, aqueles aviões pequenos, fazendo tudo o que queriam no céu azul. Fiquei louca. Botei na minha cabeça que eu ia porque ia ser pilota da aeronáutica. A Jamila de agora ri que se acaba daquela menina, por ser tão inocente a ponto de acreditar que iria conseguir enfrentar qualquer curso que fosse de Exatas. Tadinha, gente. Quando fizeram a minha festa de 15 anos, naquela hora da entrada da debutante, a irmã da Igreja que era a cerimonialista ia dizendo todas as minhas características: evangélica, carinhosa, excelente aluna e que o meu sonho era fazer parte da aeronáutica. Ô, meu Deus... Como eu mudei!

Escrevendo sobre a Mary Jane, aí que lembrei de coisa mesmo. Jesus! Eu era um perigo naquela bicicletinha. Um terror mesmo, porque em primeiro lugar, ela nunca tinha freio. Eu a ganhei de uma amiga, depois que ajudei ela a se recuperar de terem roubado a sua bicicleta novinha, durante uma aula de educação física, no clube que tinha perto da minha casa. Eu tinha 9 anos e disso eu lembro bem, porque estava na 4ª série. A Mary Jane era uma bicicletinha rosa, Monark, daquelas sem o círculo no meio. Meus pais nem queriam aceitar, porque não queriam que eu recebesse caridade. Eu tinha visto a Mary na casa da minha amiga uma semana antes, quando a gente fez um trabalho em dupla. Ela tava esquecida em um quarto velho e eu vi e pedi pra dar umas voltas pela rua. Ainda não tinha tido nenhuma bicicletinha, mas tinha aprendido aos seis, na do meu primo. Foi uma tarde feliz. Nós terminamos o trabalho rapidão pra poder andar alternadamente naquela que seria minha companheira até os meus, acredite se quiser, 16 anos. E aí, a mãe dela comprou uma de gente grande pra ela, que roubaram justo no dia da estreia, no clube. As meninas da física ficaram consternadas, mas todo mundo foi fazer a sua atividade física normal. Eu fiquei lá com ela, levei pra minha casa, dei água com açúcar - o método infalível pra acalmar e matar de diabetes qualquer um. Enfim, ajudei. Eu juro que eu não queria nada, só imaginei o tamanho da surra que eu levaria se eu saísse de casa com uma bicicleta novinha e, por descuido, voltasse sem. 

A Mary foi feita pra ser minha. Por duas vezes eu a deixei dormindo na rua. Até na delegacia de Bacabal, meu pai teve que ir buscar e só devolveram porque ele falou com um policial vizinho da minha avó, porta de quem eu deixei a pobre Mary só. O vigia da rua viu e, ao invés de bater na porta da casa da Lulu, ligou pra polícia e eles levaram. Ô agonia grande, essa. Da primeira vez que eu a abandonei, eu fui pra um culto de rua perto da minha casa e a deixei, também, na calçada de um desconhecido. Terminou o culto e eu fui andando pra casa. Quando acordei no dia seguinte pra ir pro colégio, onde estava MJ? Eu nem acreditava no que estava acontecendo. Cheguei da escola e, com o coração na mão, fui no lugar. Na esquina, pedi pra Deus me dar minha bicicleta de volta. Eu leria a Bíblia toda em um ano. Ele cumpriu a parte, eu não. Ainda li até Provérbios, eu acho. A questão é, não importa o que acontecesse comigo, aquela bicicletinha rosa estava por perto. E nela eu rodei toda a Bacabal, muito mais do que os meus pais sequer podem imaginar. Eu não considerava ela realmente como um simples objeto, inclusive eu nem deixava que as pessoas a chamassem desse nome tão... Ordinário. Era Mary Jane e pronto e acabou-se, porque eu reconheço que eu sou chata em relação aos apelidos que eu quero que peguem. Foi uma grande amiga, que já não sei do paradeiro, por um descuido que eu ainda não consegui perdoar.

Uma vez, resolvemos eu e um grupo de amigas, sair pra explorar Bacabal. Por uma loucura dessas que dá na cabeça de menino, a gente decidiu andar na Avenida João Alberto, que é o lugar que o pessoal se reúne agora pra fazer caminhadas, à tardinha. Bom, nessa época isso ainda não era tão popular assim. Saímos de um lugar longe da Avenida até ela e resolvemos percorrê-la toda, chegar na BR e voltar pela Cohab. Meu Deus, eu não sei nem contar quantos quilômetros isso dá. Só sei que é circundar Bacabal por fora. Não tinha acostamento que prestasse e, quando bateu a sede e o cansaço daquele terror de sol quente, me bateu também o desespero e a certeza de que eu ia morrer atropelada por um daqueles caminhões gigantes que bozinavam pra nós, o que nos fazia morrer de medo. Quis chorar, quis voltar, mas não dava mais. Quando finalmente me vi na Cohab, ainda longe demais de casa, mas dentro da cidade em si, com casas ao meu redor e sem qualquer risco à minha integridade física, o alívio soçobrou qualquer cansaço do meu corpinho e pedalei, motivada pela sede, até em casa. Passei dois dias com o bumbum dolorido, as costas, as pernas que deram câimbras, sem que ninguém lá em casa tivesse percebido nada. Sim, a MJ também estava sem freio nessa época. Sim, pedalei horas em uma rodovia interestadual em uma bicicleta infantil sem freio. Raras eram as vezes que tinha, porque eu mandava colocar e algum mecanismo que estava além de qualquer conserto, quebrava novamente os freios novos. Nesses anos todos, a pobre Mary também nunca viu uma corrente ou cadeado, porque eu acreditava piamente que as coisas que eu me importava de tomar muito cuidado, se extraviavam mais facilmente.

E quando me apaixonei? O currículo de amores platônicos começou a ser preenchido desde cedo, com uma paixão sem fim por um colega de classe que sempre me demonstrou desprezo, quando muito, uma amizade sem tônus, mas o suficiente pra me fazer passar noites em claro. Isso começou, sei lá, desde a 2ª série, eu suponho. Negócio bizarro mesmo. Era o tempo do amor puro e desavergonhado, porque eu não tinha pudores de mandar cartas e mais cartas de amor, mandar presentes, dar toda e qualquer bandeira de que eu queria aquele menino pra mim. Até o dia definitivo em que eu soube que ele era apaixonado por uma amigona minha. Veio a 5ª série, ele foi estudar na capital e acabou o amor. Amém! Mas vieram outros. Eu tinha a mania mais horrorosa do mundo de me apaixonar por professores. Dois, que isso aconteceu. Sendo que um desses amores não concretizados da infância (que, afinal, nem podia mesmo, né?) me acompanhou durante muitos e muitos anos. Dez, pra ser mais precisa. Outros amores, outras paixões vieram, mas esse amor cristalizado não me largava. Altos e baixos, mas estava ali presente. Até o dia não tão remoto em que sonhei e acordei chorando, porque algo dentro de mim me falou: "Moça, deixe isso ir". E eu deixei, com dor, mas deixei. Quando penso a respeito desse sonho, me pergunto se não foi uma forma do meu subconsciente me dizer, de forma bem mais explícita do que se pode esperar da mensagem contida em um, que aquele sentimento deveria dar lugar a qualquer outra coisa, mas que não havia mais lugar para ele, não daquela mesma forma, que tampouco era a original, mas mesmo em suas permutações, ainda o entendia como amor e ainda sofria por ele. Hoje, é apenas gratidão. Olhar pra trás e ser grata por uma amizade que eu pensei que não pudesse existir entre pessoas em que tudo era tão diferente. Idade, status, hierarquias, tudo. Nas épocas complicadas demais, ter aquele sentimento a qual me aferrei com o que pude, mesmo com o contato encerrado havia anos, foi uma forma de ter "vivido" alguma coisa na minha adolescência interrompida. As boas e velhas compensações que o meu coração e cérebro me faziam ter, por tanto sofrimento. Hoje, depois de tanto tempo, sei que não conseguiria alimentar amores platônicos dessa mesma forma. De perto ou de longe, eu preciso saber que há reciprocidade, pra que possa entregar meus sentimentos e tudo o mais que vem no pacote.

A vida, no momento, dá voltas. Retorna aos lugares de começo, meio e fim das histórias, por ganas de recontá-las. Deixando nas minhas mãos os desenlaces. Dando a oportunidade pra que eu, Jamila adulta, honre a criança determinada, atentada, pensativa, alegre e triste que eu fui.

Ps: Esse é o tipo de texto que a gente decide parar de escrever. De verdade, ele não tem fim.
Pps: Não revisado e sem qualquer pretensão de.
Ppps: A última linha foi escrita sem o consentimento da primeira. A mão estava solta e não era no que deu, que eu tinha pensado ao começar a escrever.

sábado, 6 de setembro de 2014

É quando.

Pensando muito bem, esse ano foi o marco das surpresas boas. Ainda não chegou no final, é claro, e só o que eu penso é no que ainda ele pode me trazer de bom. De ruim também, aliás, mas não me concentro nisso, por causa da esperança sem fim, ainda bem. Se alguns anos ficaram marcados pelos rótulos das surpresas boas e ruins que trouxeram, esse, talvez leve o rótulo do ano das realizações. 2003 ficou na memória como o mais feliz da vida. Dos tempos azuis, de um amor que perdurou muito mais do que aquela garota que percorria aquela cidade sem qualquer tipo de freios metafóricos e reais imaginou. Mas eu só tinha 13 anos e tudo o que existia, era cheio de impossibilidades.
2006 foi o ano da amargura. Dos sofrimentos infinitos que marcaram minha vida pra sempre. Do início de uma caminhada dura, íngreme. Onde as minhas mãos mais se feriram na tentativa de subir aquele poço profundo da miserabilidade humana em que eu cheguei. E saí.
2008 foi o começo do impossível. Entrei pra Universidade pra que fosse alguma coisa, enquanto ainda não podia ir atrás dos meus sonhos. Era bastante novo aquilo. Ainda assim, eu já me conformava com as velhas desculpas à consciência... "Não há problema passar a vida aqui, menina. Você não precisa ter tanta pressa assim. Não há fórmula pra ser feliz. E se você puder ser feliz aqui mesmo, qual é o problema?". Bom, eu estava certa. Se eu pudesse ser feliz lá, qual seria o problema?
Veio 2010, que ficou batizado como o ano improvável. Saí da minha cidade depois de tantas tentativas frustradas, de tantos sonhos abortados naquela gestação infindável. Estava nascendo. Não nasceu sem dor, no entanto. Mas tudo o que houve me deixou mais consciente dos meus movimentos, pelo menos. Nenhuma dessas dores foram necessárias, mas aconteceram. Não me restava o que fazer, a não ser o que fazia desde sempre. Continuar.
Chega 2014 e todos os seus marcos. Foi tanto, mas tanto... Esse ano foi inacreditável. Desses que se tem até medo de falar alguma coisa, porque vai que estraga, né? E mesmo que 2010, o ano das improbabilidades, tenha se passado há quase muito, as improbabilidades ainda me perseguem, porque é disso que é feita a minha existência. Uma sucessão terrível e maravilhosa delas, que se espraiam por toda a minha história. E uma em particular me vem alterando como eu pensei que não fosse mais ser possível pra esse tipo de coisa. Essa improbabilidade está fazendo com que eu passe por cima das minhas vergonhas, dos meus medos. Está fazendo que me desperte a vontade de passar frio, só pra que me esquente. De mudar ainda mais. De rir até a inconsciência. De não ter mais medidas. De transcender toda a distância dos extremos em um pulo e saltar por cima de duas décadas e poucos anos de incertezas, só pra dar o abraço que eu quero. Porque eu quero e não só quero, eu tenho.
E tudo ficou reduzido à simplicidade do "quando". Porque não é mais "se".

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Bacabal...

Sim, terminando a palavra com reticências. Porque foi assim que eu passei boas horas do dia pronunciando essa palavra. Roubei a bicicleta do meu irmão por uns momentos e fui fazer uma das coisas que eu mais gosto de fazer quando estou aqui, que é andar numa bicicleta, por aí, sem qualquer direcionamento claro. Pôr em prática o verbo que eu aprendi em Teresina: "desopilar".
Pedalei, aproveitando que o tempo estava frio - ou melhor, não tão quente assim - e haviam algumas nuvens no céu, o que ainda não trazia o que seria mesmo a perfeição: o vento gelado de chuva, junto com as cores em sépia da realidade. Ainda hoje me lembro do melhor arco-íris que eu vi na minha vida, no quintal da casa da minha vó. Absolutamente tudo estava amarelo e mesmo as cores do arco-íris, se viam douradas. Eu fiquei o tempo que eu pude, olhando pro céu, mesmo com o pescoço doendo, porque sabia que seria uma imagem que ficaria pra sempre guardada. E é isso, ficou.
Parece que o ato "irresponsável" de sair sem rumo na cidade me despertaram sensações muito mais intensas do que costumam. Deve ser pelo estado da graça das alterações hormonais mensais, acrescidas de umas saudades terríveis de tanta coisa... Era saudade A por cima de saudade B por cima de saudade C. (C de Colômbia, no caso!). Parece que a minha vida agora é essa. A de sentir saudades de tudo o que me foi e me é bom. Talvez eu deva ver essa soma grandiosa de saudades como algo positivo, apesar de certa tormenta, por raciocinar que só podem ser resultado de muitas coisas boas que eu vivi/estou vivendo há um certo tempo. Eu sabia que o ano havia de ser grandioso, mas não tinha noção. Não se sabe até sentir.
A cidade estava como eu a deixei. As ruas esburacadas e outras não. O céu incrível. Um calor aceitável, pois era amenizado pelo vento, que sempre me traz boas recordações. Eu avançava os sinais e parecia que ia o peito explodir de recordações. Porque, à medida que eu via as ruas que percorri na minha infância, pra fazer tantos trajetos, ia lembrando de quem eu era e de quem agora sou. E imaginando se aquele detalhe daquela determinada lembrança não tivesse acontecido, o que seria de diferente. E percebendo, inquieta, que a menina que pedalava em outra bicicleta de fim desconhecido, com o nome mais legal que uma bicicleta monark infantil podia ter, tinha sido feliz, apesar das agruras, e que tinha até mais coração do que eu, por não ter sido picada ainda pelos escorpiões da vida.
Parei na praça que esteve tão lotada quanto não pôde, pra inauguração e que agora está ocupada por mendigos. Crianças ensaiavam numa pequena fanfarra pros desfiles de 7 de setembro, que se aproxima. O professor passava uma bronca aos dispersos e eu, parada, de longe, vendo tudo. Alguém percebeu que eu tirei duas fotos e se virou. rs Desculpa, criança. Continua aí que eu tô achando morto de lindo.
Andei pela rua da escola que eu estudei 11 anos. Andei pela rua da que estudei mais três. Andei pelas ruas dos cinco endereços diferentes que tive quando ainda morávamos de aluguel e constatei que era mais difícil andar por essas, porque sinto uma vergonha inexplicável dos vizinhos que ficaram por lá. Andei pelo centro, onde passava por fachadas com irresistíveis vidros espelhados que me atraíam pra minha própria imagem, desde quando eu não tinha feito as pazes com ela. Andei e vi rostos conhecidos, os familiares, os totalmente novos. Tracei trajetos pra coincidir o pôr-do-sol na avenida, onde é mais bonito de se ver, mas frustrei meus próprios planos com uma parada prolongada em outra pracinha, onde dois meninos brincavam de jogar uma bola de baleada um pro outro e outro andava de bicicleta tão indolentemente quanto eu.
A igreja da primeira praça, entrava uma velha de cabelos brancos. Passou também uma carroça, o homem em cima dela e o seu boi velho que carregava o peso dos dois. Aquelas pessoas eram tão reais, mas, ao mesmo, já tão inverossímeis pra mim. Tão meus e tão distantes. Os enterros nas casas, que presenciei no segundo dia que estava aqui, com uma placa na porta do finado que dizia "Família Enlutada", me pareceu algo de outro mundo. Tinha explicação: é pra que os carros de som das campanhas políticas vejam a placa e deixem as pessoas velarem seus mortos em paz.
Meu olhar sobre essa cidade era o olhar dos apaixonados. Se eu temia não achar mais beleza, depois de um mundo desconhecido de belezas que encontrei, me surpreendi por ver a beleza que talvez não veria, se não tivesse me distanciado. A beleza das crianças brincando na rua. A beleza das pessoas sentadas nas suas portas. O homem que dormia descangotado numa cadeira, em frente à sua casa. As mães buscando as crianças de rostos vermelhos, suados e uniformes sujos de tanto brincar. Aquela hora que aquele senhor que eu (acho que) não conheço, me deu "boa tarde", sem que houvesse malícia perceptível.
Não é à toa que eu sempre sonho comigo andando de bicicleta. Sempre foi um refúgio móvel pra alma.
Hospital Bom Pastor, com essa rua linda. Foi onde eu dei as caras ao mundo. hehe

Praça Sta Teresinha, com as crianças ensaiando pro 7 de setembro.


Uma palma bem florida.

Igreja de Santa Teresinha, onde a velha entrava.



Ai, não sei o nome dessa igrejinha.


Meu priminho de um aninho, realmente achando que tava muito escondido com essas mãozinhas tapando o rosto. Ownhhh!
Envolta por todo o carinho do mundo. ^^

Eu, desenhada por uma prima de cinco anos. Precisando malhar as pernas e os braços e dar um jeito nessa cara de zumbi. =(
O homem, a carroça e o boi velho.



Praça do Bom Pastor, onde eu era o próprio cão vestido de tanga (quando eu era criança). É aqui um dos lugares preferidos dos casais.