terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O tal do diálogo

Uma das proposições do âmbito pessoal mais firmes que eu tomei para este ano, era de que eu me predisporia mais ao diálogo. Tanto nas minhas questões próprias, como nas minhas relações com os amigos, quanto nas diversas profissionais que adquiri na segunda metade do ano passado pra cá, o desafio diário é me manter serena, mas firme, quando algo conflitante vir à tona.

Meu temperamento é conciliatório. Mesmo. Não sei creditar se isso é algo da minha natureza, ou se é resultado de uma carga idiota de ansiedade que me vem quando estou em uma situação conflitante. Não só o conflito em si, mas quando eu sinto o cheiro da injustiça, seja em mim, seja nos outros. O desafio, quando sou forçada a enfrentar essas situações - e cada vez me surgem mais! - é me manter no eixo. Em um estado equilibrado em que eu posso ouvir e falar, escutar acusações e me defender, ou mesmo acusar e ouvir as defesas. A questão também vai além da minha individualidade. É cada vez mais difícil ouvir palavras alarmantes de gente que você ama e quer bem. Até porque levei bem à sério de que tudo o que me era tóxico deveria ser eliminado sumariamente da minha vida. Por um tempo, isso foi verdade. Mas o negócio é que o buraco é bem mais embaixo quando se é adulto e se tem novas responsabilidades, das quais você não pode esquivar.

De verdade, não tenho mais paciência pra gente babaca. Mas a outra verdade é que gente babaca está aí no mundo, pensando e produzindo babaquices à torto e à direita. Aos desonestos intelectuais, fascistas e idiotas pedantes que se acham a própria piroca do Kid Bengala: meu nojo, mas não a indiferença. Eu sei o quão é devastador o efeito que ocorre quando as excrescências abrem a boca. Essa merda é antiga e, por isso mesmo, muito mais fétida. Pra mim, essa galera que usa a mídia pra pregar o mal precisa é ser combatida. É você pegar um Bolsonaro desses de calças curtas, provando ponto por ponto, como o seu discurso é ignorante, como naquele vídeo que a Revista Nova Escola fez pra provar que ele mentia, nas redes sociais.

Talvez, por isso mesmo, resolvi me abrir verdadeiramente ao diálogo. Que seria tentar entender que as pessoas estão em processo de crescimento (todos nós!), e que muita gente nunca foi e dificilmente será apresentada a contrapontos de conceitos que já estão solidificados há trocentos zilhões de anos em suas cabeças. O diálogo não é calar diante das coisas. Claro, em alguma medida, precisa haver o silêncio para que se possa ouvir o que o outro tem a dizer e, principalmente, o que o leva a dizer aquilo.

Pra sair da divagação, um exemplo prático:

Estava no trabalho, na escala do plantão. Um rapaz que começou na empresa há pouco tempo falou daquelas coisas que vai no meio do juízo de qualquer feminista. Não lembro bem o porquê, mas toquei no assunto da violência doméstica. Ele disse, com a sua voz baixa, que "parece que tem mulher que faz é gostar de apanhar!".

Oxalá já seja ao leitor (?) bem clara, a obviedade do erro na frase. Mas entendi que, praquele rapaz, era muito lógico afirmar isso, já que, ora, como pode uma mesma mulher apanhar por anos a fio e "aceitar" calada àquela situação? Só pode é não achar tão ruim assim, não é mesmo?

Se fosse há um ano atrás, esse rapaz teria se arrependido da graça. A voadora ia ser bem no mêi dos peito, pra ele aprender. Não foi assim, no entanto. Fui explicar que não existe isso de mulher que gosta de sofrer violência doméstica. O que existem são mulheres que são pobres demais pra prescindir do sustento financeiro do companheiro, ou que são ameaçadas constantemente de coisas piores, ou mulheres que já estão tão arrasadas psicologicamente, que acham que realmente fizeram por merecer o castigo físico e psicológico que recebem. Ele disse, meio envergonhado: "É mesmo, né?". 

O caso é que ele iria aprender mesmo, se eu tivesse dado a voadora: a não expôr mais, talvez só na minha frente, o seu machismo, o seu senso comum. Identificar uma situação que pode ser didática sempre será melhor, pois pode refletir em um aprendizado real. E não, não estou cobrando paciência de ninguém. Cada um sabe de si e eu compreendo que existem situações muito mais difíceis e traumatizantes pras pessoas que passaram. Se eu já tivesse sofrido violência doméstica, não iria garantir tanta paciência assim, por exemplo. Mas sim, me sinto à vontade pra apontar que certas coisas não são estratégicas e que podem gerar muito mais atrito e separação do que o crescimento das pessoas envolvidas na situação. O caso do rapaz da empresa é bem diferente do taxista que falou as coisas mais horríveis sobre mulheres que têm vida sexual ativa, pra mim e pra duas colegas. Ali, realmente, foram necessárias respostas fortes, até pra ele pensar duas vezes em dizer de novo aquelas merdas por aí.

Repare bem: não estou dizendo aqui que discursos de ódio devem ser tolerados, nem tô passando paninho pros "frutos da sociedade" degenerados por aí. Isso daí, inclusive, tem que fazer é barulho mesmo, juntar forças, buscar reparação judicial, etc. O que eu digo é que é preciso saber diferenciar o joio do trigo. Eu estou realmente de muito saco cheio do binarismo, da briga esquerda x direita, dessa mania chata de se achar superior e achar que o outro é um completo babaca, se não pensa i-gual-zi-nho à você.

Sacar que o lugar de fala é importante não te faz complacente com nada, só te faz mais útil à qualquer causa que você apoie e também protege a sua sanidade mental. Se você tem argumentos, não precisa temer o diálogo com quem também se mostrou aberto a ele. Claro que outras questões também estão imersas. Por mais argumentos que eu tenha, talvez eu seja silenciada quando falar com alguém que tenha uma autoridade institucional maior que a minha. A vida é bem mais escrota mundo afora. Por isso mesmo, identificar o lugar de fala é imprescindível. Conhecer o lugar em que você está na ciranda, te faz enxergar tanto as suas suscetibilidades quanto os seus privilégios e te faz identificar onde você precisa se fortalecer.

Voltando ao começo do texto: tenho várias destas suscetibilidades. Já sofri por não poder me defender e vou ao último dos infernos todas as vezes que percebo que estou sendo feita de otária. Estou me fortalecendo para o diálogo mesmo, no sentido de também conseguir falar e expôr as minhas opiniões de maneira concatenada, como sei que consigo.

No mais, fica a dica™ de que o mundo não está tão dividido quanto a gente imagina. O cara que passou na televisão porque salvou o bebêzinho de morrer afogado é o mesmo que colocou veneno na carne e deu pro cachorro do vizinho, que latia demais. O cara conservador que disse, na sala de aula, que cotas pra negros é racismo reverso, foi o mesmo cara que decidiu sair do armário e assumir o namorado em uma família três vezes mais conservadora que ele. O mundo não é binário. Não somos duas massas amorfas guiadas por um pacote ideológico fechado, uma lutando contra a outra. As coisas e pessoas estão bem mais imbricadas do que é útil a quem não interessa o diálogo.

Como disse, esse é um propósito. Algo que estou trabalhando, aprendendo, mudando. Vejo os frutos graduais, como a melhora das relações com meus pais, só pra citar um dos exemplos. Olhar pra quem eu era há seis anos também me faz querer conversar mais. Quando eu puder, é claro. :)


Update: A ironia deste texto é que, no último, mandei até o povo tomar no cu. hahaha Mas tô chamando pro diálogo, não pra ser o Dalai Lama.