Hoje eu estava atinando que eu sempre precisei de refúgios. São sempre coisas, pessoas, lugares, caminhos e atos. Pra uma garota que nunca viveu em um estado oficial de guerra, tive que ter refúgios demais. O corpo pedia, pra recuperar um Animus que andava perdido por aí e voltar à ativa. Esse ano foi tanta coisa, tanta Vida que correu, que eu ainda não tive coragem pra revisar. Dentre as coisas loucas que aconteceram, duas merecem destaque, por serem contrárias, mas iguais.
Esse ano eu perdoei e fui perdoada.
"O coração tem mais quartos que hotel de putas", disse o Gabriel. E o meu sempre foi um hotel grande, onde habitou muita gente. Algumas pessoas passaram pouco tempo, outras se apropriaram do quarto sem qualquer permissão. Continuam morando pelo usucapião. Tudo bem, deixa assim como está. O quarto que moram é diferente agora.
Duas histórias habitaram meu coração, em um lapso de alguns anos. Na primeira delas, eu ainda era o próprio medo. Machucada que estava, ainda não podia viver o que queria. Silenciei, escapei, fugi sem dar nenhuma explicação e carreguei esse arrependimento por muito tempo. Outras possibilidades de contato vieram e só acompanhava a vida de longe, alegrando com as conquistas, prestando atenção na vida e pensando comigo mesma: "O que teria acontecido se eu não tivesse fugido?" Sem respostas. Foram cinco anos de mutismo.
A segunda delas, era a realização. A tão esperada concretização dos meus desejos, vindo inesperada, quando eu pensei que aquelas coisas ainda estavam muito longe de acontecer. Dessa vez, foi a história que saiu de mim. Saiu em paz por um tempo, até que uma notícia abalou os meus nervos até a extensão mais longínqua deles. Foi difícil. Passei muito mais tempo do que eu queria admitir, dolorida. E sentia no ar o cheiro da injustiça que aquilo era contra mim. Não o ato que me despertou aquilo tudo, mas aquilo tudo. Por que EU tinha que sentir uma dor tão lancinante, durante tanto tempo e sem possibilidade de melhora? Claro, tentei seguir minha vida como pude, mas o que eu reprimia apagando qualquer resquício da história, vinha em sonhos, em mal-estares à mera menção do nome, ao choque terrível apenas com a visão da pessoa. Eu fui dor durante muito tempo, mesmo que não quisesse, mesmo que tentasse que não. Foi um ano assim.
Viajei. Conheci o que eu queria conhecer. Fiz o que eu achava que não seria capaz nunca de fazer e lá, naquele lugar que eu imaginei tanto, eu soube que podia saber da segunda história. Vi, com alguma melancolia, a história já com outra, a que lhe pertencia. Naquele momento, eu não senti raiva, eu não senti ódio, nem tristeza. Também não fui indiferente. Uma frase escreveu-se sozinha na cabeça: "Que seja feliz". Daí em diante, com esse perdão liberado quase sem querer, eu pude abrir essa espaço naquele hotel e deixar, verdadeiramente, aquilo ir. Foi uma libertação sem tamanho não reprimir mais as referências apenas temporais daquela época, usando o seu nome. Não deixar de contar coisas engraçadas que aconteceram. Pra ele, quando o vi, apenas entendi que não éramos e que não íamos. Compreendi suas limitações, suas inseguranças e perdoei. Parei de me culpar. Soube quem era eu e do meu caráter e, orgulhosa de mim, olhei pra frente.
Uns meses depois, quando estou explodindo de ódio, depois que li diversas manifestações xenofóbicas contra o Nordeste depois do primeiro turno das eleições, escrevi um desabafo ainda bem educado no Facebook. A primeira história se manifestou. Parece que lhe doeu que os seus pensassem assim e quis manifestar textualmente que não engrossava aquele coro. Um susto. Como quebrou um silêncio de cinco anos? Naquela mesma hora, conversamos longamente e eu, finalmente, pude pedir o perdão que estava entalado na garganta e travado entre os dedos durante tanto tempo. Aquilo refrescou a minha alma como um banho de chuva correndo, porque eu já tinha desistido de qualquer possibilidade de aproximação há muitos anos e aceitado que essa era uma das vergonhas que eu fiz e que tinha me custado um amigo, antes de qualquer coisa. Apesar de ter sofrido bastante por isso, à época, também já havia deixado de sofrer, porque entendi que não sumi do dia pra noite por ser alguém má. O que eu tinha era muito mais pesado e eu não pude dar conta desse peso. Uma coisa que eu me martirizei muito (porque, né? Eu não sou filha da puta), mas serviu pra nunca mais fazer isso de novo. Era melhor ser honesta e sentir um pequeno desconforto do que um mundo de sofrimento por uma mentira ou silenciamento.
Um amigo recuperado quando não se havia mais esperança e outro que ganhou o desejo de que seja feliz. Bagagem pesadas jogadas fora do meu coração, já tão cheio de coisa... Tá abarrotado ainda. Têm, ainda, monte de perdão pra dar, outros montes a receber. Vou deixando mais leve aqui, pra que fique cabendo só o que interessa. Desses perdões, indo e vindo de surpresa, eu só pude ser grata.
PS.: Que o moço tenha paz. Que o seu espírito descanse. Que ache refúgios pro coração pesado. Que pare de doer o que quer que esteja doendo. Que sinta o meu abraço apertado.