sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A mão do Tempo

A vida é mesmo uma coisa estupenda. Nestes dias difíceis, de tanto trabalho, tanta pressão, tanta coisa por fazer, o amor significa não só a paixão que arde nos peitos. Significa o bálsamo pra dissipar e proteger a alma das coisas ruins que querem derrubar. Vem o amor, aquele amor bonito, leve, limpo, sendo só porque já era hora de ser. As mãos se seguram nos êxtases, naturalmente, mas a alma acalma só em saber que elas também estão ali para as horas das angústias.

As expectativas sobre os próximos dias me deixam sem saber que caminho trilhar. A vida têm sido difícil. São amigos que sucumbem ao que a gente acha que agora é normal. São pessoas próximas que não tiveram condições de continuarem esta caminhada inglória, que não paga ao espírito ou ao bolso, e que trazem louros que nem serão nossos, no final das contas.

Mas a vida é mesmo uma coisa estupenda, supracito.

Depois de uma noite sorrida, contemplada por bons ventos, com pessoas recém-conhecidas que te sorriem e se abrem, a notícia de que meu sobrinho colombiano nasceu me faz os olhos encherem d'água. Logo eu, que digo aos quatro cantos que sou pessoa dura de chorar, me vejo derramando lágrimas em pleno escritório gelado, entre os trabalhos que já têm a urgência de serem feitos.

A conexão com esta família sempre foi algo maravilhoso. Há um pouco mais de dois anos, chegava na Colômbia, depois de um frio intenso em Bogotá, na casa da família Rivaldo. Foi a Carmen que me recebeu. Uma moça negra, um pouco mais baixa que eu, e um pouco mais nova. Falamos em espanhol e eu ainda estava deslumbrada por conseguir me comunicar da maneira que eu queria, já que o meu nível nunca havia sido testado pra valer. Logo na primeira noite, saímos pra jantar um cachorro quente delicioso pertinho da casa. A cidade era bonita e eu pensei: "esse lugar é o Nordeste daqui. Tô em casa". Realmente estava.

A partir daí, a amizade só aumentou. Yesenia, a filha mais velha, era a que ia comigo pras festas dos intercambistas, quando dançávamos até o fechamento da casa. Rubys, uma mãe amorosa e calorosa. Mulher brava, que ainda chorava a morte do amado marido. Luis Manoel, o irmão mais velho que sabia que ser o homem da casa havia lhe trazido responsabilidades das quais não podia escapar, mas as desempenhava com amor. Manoel Rivaldo, o pai que já havia ido, mas que estava presente. Eu sentia, naquela casa, que a memória daquele homem era viva o tempo inteiro. Nas citações, nas canções, nos muitos retratos espalhados, no amor que não morreu com seu corpo. Saí de lá com a sensação de que eu havia sim conhecido o meu pai colombiano.

Yese me liga, há alguns meses, por um aplicativo do celular, pra me dizer que estava grávida. O namorado que havia conhecido justamente quando eu estava chegando lá, era o pai do bebê. A notícia não veio como um baque, como um peso ou qualquer outra coisa do tipo. Yesenia estava feliz por ser mãe. Todos estavam felizes pelo sobrinho que ia nascer. Eu estava exultante aqui no Brasil, sem acreditar que ia ser tia de um bebê, que se saísse à mãe, ia ser a coisa mais linda do mundo.

Ontem, a expectativa que eu nem falei pra ninguém. Há alguns dias, Yese me manda uma mensagem dizendo que Manoel Julian já estava pra vir ao mundo, em terceira pessoa, como se ele mesmo estivesse escrevendo. Ela, que não mostrava barriga até os três meses, ostentava um barrigão enorme, desses bem feitinhos, com toda a beleza e iluminação que aquela grávida poderia mostrar. Estava linda, minha irmã.

Hoje, recebo a foto do pequenino. É lindo, como eu já sabia que seria, apesar de ainda ser um bebêzinho recém-saído do quentinho que estava o ventre de sua mãe. E aí, não pude evitar as tais das lágrimas difíceis, nem o quente em meu próprio coração. Por fim, não pude evitar que uma vibração atingisse meu corpo, numa onda de arrepios, me fazendo perceber que aquilo era, nada mais, nada menos, que uma overdose de amor.

Que seja muito, muito, muito feliz, Manoel, que também carrega o nome dos meus dois avôs. Que traga ainda mais felicidade àquela família que se fez minha e que ainda hoje me trata com um dos seus, mesmo com o passado do tempo. Que o amor sempre venha em doses cavalares pra todos nós, pra que nos lembremos que a vida é, como não canso de dizer, mesmo algo estupendo.

Que a mão do Tempo nos abençoe.