sábado, 10 de dezembro de 2016

Hoje

Escuto uma playlist de músicas cubanas na casa do namorado. Estou vestindo uma camisa colorida que comprei de amigos, só de calcinha, só eu estou na casa. Todos os outros viajaram. Ele foi ao trabalho, que já está pra terminar. Vai voltar, vai me ver aqui nessa situação, vai me dar um cheiro no pescoço e vai falar alguma gracinha dessas nossas, eu sei. É bonita e boa esta paz que agora sinto.

Acordei hoje às 4 da manhã como nos sonhos intranquilos de Kafka. Mas não estava transformando em nenhum bicho. Novamente, sensações ruins se agarraram em mim e já não queriam desagarrar. A respiração se ofegava. O rapaz me abraçou, apertou e beijou, quando percebeu o meu desassossego. Eu me concentrei, mas o aperto no peito teimava em ir embora. Resolvi fazer como das primeiras vezes: desistir de dormir e ocupar minha cabeça com algo produtivo, pra que não se perdesse nas ondas ruins de seu próprio mar.

Levantei. Vesti esta mesma blusa colorida, que não quero mais sair de dentro, vesti a calcinha, e sentei no sofá da sala. Já estava amanhecendo. Peguei o celular, tuitei alguma coisa, li alguns textos, mas o que eu queria mesmo era escrever. Ainda tentei achar algum papel, alguma caneta, alguma coisa. Era de papel que eu precisava. Era rasgar meus pulsos que eu necessitava. Não achei, afinal. O meu bem sentiu minha falta e levantou pra saber o que estava acontecendo. Viu a mim deitada no sofá e foi lá me dar um abraço. Depois me deu a sugestão bem humorada: "Amor, aguar as plantinhas é bem terapêutico". Eu fui lá. Acho que molhei mais a mim mesma do que as plantas, coitadas.

Li um livrinho didático de espanhol da prateleira antiga e aprendi mais uns verbos irregulares. Voltei pra sala, deitei. Aí, meu coração já não pesava mais. Já consegui dormir o melhor sono do dia que amanhece. A empregada da casa chega e me vê nessa situação: dormindo de calcinha e blusa no sofá, junto com a cachorra que dormia no outro sofá, roncando que era uma beleza.

Voltei pra onde meu amor. Abracei, beijei e apertei. Aí, demos fim às urgências surgidas destes acarinhamentos. Ele saiu pra trabalhar e daqui a pouco volta com o meu cheiro do pescoço encomendado. Hoje eu escapei, no final das contas. Hoje deu certo. Hoje já é bom novamente. Hoje eu vou continuar em paz, pode ter certeza.