Esse 2015 não tá de brincadeira comigo. Falei com uma amiga que ele estava sendo, talvez, o oposto exato do que me aconteceu em 2014. Aquele ano das realizações, do imprevisível, da cura, dos sonhos concretizados. Esse ano, mesmo que ele tivesse sido maravilhoso em todas as áreas da minha vida, fez a terrível falta de levar a pessoa que eu mais tinha conexão no mundo. Aí não precisa falar mais nada, basta ver meus dois últimos textos nesse blog pra saber o quanto foi algo devastador. E ao leitor assíduo, que creio não possuir (não por falsa modéstia), é só lembrar das várias menções que fiz à minha avó nesse tempo todo em que me derramei, nesse blog.
Nesse dia mau, na madrugada, tremia da cabeça aos pés, com celular na mão, tentando escrever alguma coisa, me informar melhor sobre o que tinha acontecido. Felizmente uma outra amiga dormia comigo e dizia aos amigos mais próximos sobre o ocorrido. Minha mãe tinha pedido a ela que perguntasse qual deles poderia me levar à minha cidade de carro. Já previa o quão doloroso seria a viagem, aquelas cinco horas inesquecíveis, dentro de um ônibus cheio de gente, aparentemente indiferentes aos meus choros abafados, aos gritos calados que eu dava, àquela dor lancinante que ia comigo. Quis me poupar, mais uma vez. Eu te entendo, mãe. Obrigada.
A minha amiga mais chegada, uma das irmãs que eu fiz aqui, me disse algo que eu vou demorar a esquecer, ainda durante a madrugada: "Escreve." Vaza a tua dor, menina. Enquanto eu ainda tremia, tentava comunicar aos meus amigos o que se passava. Inútil. Quando abri umas três conversas pra comunicar e gritar por socorro, nem a coordenação motora, nem as lágrimas me deixaram escrever algo que tivesse nexo. Sem conseguir dormir até a hora de viajar pra cidade e bem mais calma, mandei uma mensagem pra alguém que me importo muito. Foi só aí que eu consegui fazer o que minha amiga, que me conhece muito, me aconselhou. E nos dois dias que se passaram lá, vivendo um de meus piores pesadelos, quase sem forças físicas, era só pra essa pessoa que eu conseguia colocar pra fora. Obrigada. Serei grata pra sempre, tenha certeza.
A gente parece que tenta se enganar. A gente se repete umas coisas que tão se vendo que são mentiras, a gente só não quer admitir. "Nem sei porque tô te mandando isso". Mentira, clara mentira. Sabe sim, sempre sabe. Era pra pedir o socorro e ter o alento. Era pra dizer que algo muito mais importante tinha acontecido. Era pra deixar claro que, mais do que nunca, eu precisava do meu lado. E as pessoas que eu lembrei, foram as que eu queria ter ao meu lado. Que segurassem minha mão. Pelo horário do acontecido e pela distância e outras impossibilidades, os abraços dos queridos ficaram retidos por alguns dias.
Outra mentira que eu sustentava pra mim era a de que eu estava bem. Não estava. Passei um mês entre uma sensação de normalidade que me era (e ainda me é) estranha e a tristeza profunda, acompanhada de sonhos tristes em que acordava chorando. As coisas não se escondem. Se está em nós e nós calamos, vão sempre pra onde podem falar. E esse mês, falei, claro, mas muito pouco do que eu tenho a dizer. E me afundava em silêncios de dias inteiros, onde não abria a boca, mas o coração sangrava palavras e mais palavras que não se atreviam a ganhar forma. O meu novo estado veio à tona: a não-convicção do que está além desse plano me fazia olhar aquela situação de um modo incômodo. Incomodei-me com a violência simbólica que tinha perdido a sutilidade, justo naquela hora em que estava emocionalmente devastada. Tive que segurar a minha raiva pra não dizer grosserias a quem também estava sofrendo. Mas até que ponto era justo pra mim, ainda ter que passar por mais isso? Essa raiva ainda me persegue. Em sonhos, nas lembranças, nas menções. Sou pessoa difícil de deixar pra lá. Cheguei a sentir inveja da fé das pessoas. Quis, como quis, acreditar que ainda teria oportunidade de vê-la em mais outro lugar, assim como todas aquelas pessoas. Depois, mais calma, deixei de invejar aquela fé. Soube, do fundo do meu coração, que também teria consolo. A nossa história de vida regada de amor me curaria e que a existência dela tinha sido o mais importante, mais até do que seu fim, mais até do que qualquer expectativa sobre o futuro.
Ao chegar nessa cidade, um grande amigo me resgatou de casa e fomos passear, pra conversar. Ainda tinha que falar tanta coisa pra ele. Tinha acontecido tanto e a gente ainda não tinha tido tempo pra conversar direito sobre as coisas. E uma das conclusões da conversa, era a de que a fé era algo que ajuda muito as pessoas, mas, em compensação, seria um desserviço, caso outra morte ou algo trágico em outra ocasião acontecesse. A minha morte, por exemplo. Depois que a vida jogou todo o peso do mundo em minhas costas, ainda bem cedo, eu compreendi que eu estava sujeita a tudo. E não é mais impensável pra mim que a qualquer momento, por uma coisinha de nada, a minha vida se acabe. Infelizmente, eu tenho a sensação de que muitos dos que me amam, por causa da fé, cometeriam a injustiça de desconsiderar toda a minha vida, história e felicidade, apenas por que eu não me encaixo mais nas coisas que eles acreditam. Será se meu pai e minha mãe acreditam que eu iria diretamente pro inferno? Sim, muito provavelmente. Queria dizer a eles que não. Não pretendo morrer tão cedo, mas se acontecer, não, meus pais. Não, família. Eu vou apenas parar de existir e a minha existência foi boa, eu fui feliz. Alegrem-se por isso. Mas será um assunto que ainda manterei calado por um tempo. Coisa sensível demais pra pai e mãe.
Esse texto está triste demais, eu sei. É mais um daqueles escritos longos, de desabafo. Um dos motivos de eu não divulgar mais fortemente esse blog, já que quero mantê-lo como refúgio. Mas "a boca fala do que o coração está cheio". Ainda não consigo pôr só o que é e tem de bom pra fora. Ando muito triste com o rumo das coisas, em âmbitos muito maiores do que essa vidinha que eu levo que, colocando tudo na balança, é bem boa e confortável. O que me salva, talvez, é que eu sou uma criatura muito cheia de esperança. Enquanto eu tiver isso, vou conseguir olhar pra frente sem medo.