quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Não eles

Eles eram novinhos demais e, puta que pariu! Era muito coração ali. Todo dia eram conversas de duas horas e metade dos planos do mundo. Eles eram o que ninguém conseguia deter. Eram vinte e tantos anos coléricos. Eles mochilariam a América do Sul no fim do ano. Eles abririam a própria empresa no ano seguinte. Eles mochilariam na Europa, naquele frio do caralho, no ano seguinte ao da empresa. Não precisa fazer sentido nada. Eles eram aqueles otários que sonharam tanto, que os sonhos verdadeiros já lhes pareciam sem graça. Eles eram os sósias do Michael Jackson. Eles passavam os batons das amigas e botavam saia e saíam caminhando pelo meio do povo, porque tinha que protestar sim contra esses machistas do caralho. Porra, eles dançavam até o suor pingar. Essa gente louca bebia até ser preciso jogar o fígado no mato, fumavam da prensada ou os caretas mais que a Caipora e nem se importavam se a galera da cama ao lado começasse a trepar.
Essa galera fez seus 38 e ainda tinha uma chama no coração deles. Mochilaram mesmo. Teve um que casou e tá aí, morto de feliz com a mulher e as três crias. A outra passou num doutorado, foi embora pra Amsterdã. Té hoje sonha em abrir um barzinho brasileiro por lá, que tenha essas coisas estereotipadas que gringo adora. Teve um que morreu atropelado por uma Ranger. Jesus Maria José, que tristeza que foi aquilo. Teve mais outra que, meu filho, ninguém sabe em que buraco se meteu. Eles acham que ela ficou podre de rica e não quer falar.
Mas era assim mesmo. Todo mundo se separou, um combatente caiu, mas ainda lembravam do outro com um carinho tão forte, sabe? E tinham um sentimento compartilhado sem saber, que era o mundo que tinha mudado demais, não eles.