terça-feira, 19 de julho de 2016

A dança da solidão

Esse negócio de amar e ser amada... Senhor! Que coisa!

Um belo dia, um grande amigo sentenciou: - Jamila, tu tem espírito de solteira! - Aí, claro, me encabulei. Como assim eu tenho um espírito de solteira? Nem cabe mais alma aqui, ora. Num já tem demais não? Será que ele achou esse absurdo porque eu estava absolutamente habituada a morar só, mesmo que a alimentação fosse frugal? Ou será se era por não esperar que meus amigos dissessem sim pro convite ao cinema? Ou será se era porque eu poderia muito bem ir a um bar e beber sozinha, sem me sentir desconfortável? Aliás, o desconforto era mais por não poder ficar sem ser incomodada por algum otário que achava que eu jamais poderia estar ali pra curtir minha própria companhia.

Pensando bem... É, de fato, eu tenho o espírito de solteira mesmo. E agora que estou numa relação, me pergunto se eu sei estar numa relação. Eu quero dar as mãos, mas caminho à frente do cidadão, com passo apressado. Eu me esqueço de convidar pra coisas. Tem horas que é como se eu ainda estivesse 'sozinha'. Um sozinha que, na verdade, nunca fui. A família que fiz aqui é grande, e tem muitos braços de amor. Mas é diferente... Por uma só ocasião tive alguém inserido na minha rotina e o hiato foi de longos quatro anos, que eu esqueci como era ter aquilo, mesmo que aquilo nunca tenha sido mesmo. Quando o moço chegou, eu apenas me deixei levar por uma onda boa, leve, bonita, como são as coisas naturais. Era e é incrível. Eu estava bem relaxada em relação à Vida. Não queria me meter em "confusões". Não achei que o coração estivesse pronto pra qualquer envolvimento. Fechei por um momento os olhos pra flutuar, estava na beira da praia. Poderia ficar de pé e voltar à superfície a qualquer momento. Relaxei e descuidei um pouquinho... Quando abri os olhos e dei por mim, já estava em alto mar, de mão dada com o moço que também se descuidou logo no mar.

Sempre soube dizer não graciosamente. Eu sou tão profissional em dizer não, que eu dava uma negativa e o sujeito me agradecia pela honestidade, por não ficar enrolando, por saber o que eu quero. De fato, eu sei o que eu quero e o que eu não quero. Até mais do que não quero do que quero. Quando o rapaz apareceu, eu só embarquei porque era bom, e a verdade era que não era nada mais que isso. Meus instintos protetivos ficaram em riste, buscando evitar algo que, a bem da verdade, estava se vendo que era inevitável. Os santos bateram, como diz o cabôco. Aí não se teve muito o que fazer, a não ser aceitar a sorte - depois de tantos azares - que a vida deu.

Eu fiquei muito tempo só. Eu me acostumei a isso. E é verdade: minha felicidade já era completa naquela solidão. E eu agradeço à solidão, à habilidade primeira de estar só e de me amar, pelo que está acontecendo agora. Por saber que me basto. Então só fica se soma, nunca se diminui. Eu sei dizer não. Se eu digo sim, é porque pode, é porque eu quero, é porque eu amo.

Vou aprendendo como é, vivendo. A dormir de conchinha, quando só dormia de bruços. A ter um cheiro impregnado no nariz o tempo todo e a não resistir em ficar cheirando o seu rosto quando, na verdade, eu já teria que ter me levantado pra me arrumar pro trabalho. Como é demorar uns cinco segundos pra cair a ficha que é a mim a quem está se referindo quando fala da namorada, um nome que eu nunca fui. Como é poder contar com alguém, dizer das feridas, dizer dos sonhos e medos, antes ou depois do amor. Vou sabendo o que é uma relação bonita, intensa mas leve, como eu sempre soube que seria, ao amor que tivesse coragem de me abraçar, mesmo com o enorme peso da alma que carrego, inclusive do tal 'espírito de solteira', que já se prova em cheque.

Bom mesmo é ser liberdade acompanhada.