quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

"Não adiante seus relógios"

Um dia, não faz muito tempo, eu fui outra pessoa. Meu nome era Jamilinha, mocinha bem comportada e exemplar. Eu era bem mais nova e minhas relações virtuais eram até mais fortes do que são hoje. No finado Orkut, era a Livres-pensadores e as comunidades que orbitavam em volta dela, as comunidades-filhas. A Liga da Justiça LP foi das mais legais, um refúgio para a época em que a LP estava intransitável pra gente que tivesse o mínimo de bom senso. Acabamos construindo esse blog que eu, timidamente, pedi pra postar também. Nada que se aproveitasse, mas eu ainda continuo achando isso pros textos de agora, né? Deu que todo mundo perdeu o tesão pelo blog e eu esqueci dele por muito, muito tempo. Até que me vi sem minhas folhas pautadas e diárias e voltei pra ele, sozinha praticamente, pra não explodir pelas n razões que minha vintolescência tem, precisa nem dizer.

Agora, com a página inicial aberta, fui olhar o blog de um amigo que se tornou indispensável à minha própria felicidade. Sempre admirado pela escrita impecável, pelo cuidado que tinha com cada palavrinha, medida com balanças hiper precisas. Se fazia de judeu mão-de-vaca pra gente, que faltava morrer de rir com as tiradas hilárias, com os floreios que fazia pra que o português escrito fosse igual ao que pretendia representar. Muito tempo depois, quando ficamos íntimos, soube que já tinha sido ator, que cortava o Brasil em diversas apresentações, mas que largou tudo pra uma vida (e uma conta bancária) estável como bancário. Quem diria... 

Nesses tempos, eu ainda era a Jamilinha, lembra? 19 aninhos e caloura de pedagogia em Bacabal, onde gostava de imaginar que estava longe do bem e do mal. E deixava essa parte da minha vida virtual, que teve grandes impactos na minha vida offline, bem escondida de quem quer que fosse. Era o espaço sem filtros, onde ainda dava de falar aqueles pensamentos indiscretos e reprováveis que teimavam em aparecer. Era onde eu podia dizer, sem vergonha nenhuma, que sentia desejos, apesar da virgindade pretendida até o casório, que já era pra ter acontecido aos 24-quase-25 anos da Jamilinha. Dos pensamentos reprimidos sobre a religião sob a qual vivi minha vida toda.

Pulamos anos, uns dois ou três, não lembro direito, pra que todo o contato fosse recobrado com uma intensidade espantosa e uma constância quase religiosa. A diferença de idade de 22 anos simplesmente nunca importou, já que eram nossas mentes que conversavam, apesar de corpos às vezes se quererem implicitamente. Nada poderia se declarar naquela época, pois ainda havia muito de Jamilinha em mim. Mas aproveitamos as horas pras piadas internas, pras risadas, pra todas as besteiras que poderíamos. Uma vez li que mentes podem se encontrar em qualquer idade, ainda que existam as improbabilidades.

Um dia, ainda longe desse ano conversado, ele escreveu algo que postarei sem a autorização e sem dar os créditos, porque confio que não vai se zangar: 

"Domingo, 9 de agosto de 2009

A vida é um dia

Hoje, mais maduro, acho que compreendo o tempo. Imagino seu passar e percebo o meu. Ainda não sei se já é tarde ou noite, não sei da minha hora. Mal vejo meus minutos. Vejo segundos. Aprendi que tudo pode esperar, que mais importante é uma gentileza, que o que urge é o abraço, que o que se foi não se recupera mais. Aprendi também que, se o tempo foi perdido, há sempre de se consertá-lo, de outra maneira, atrasado, mas há de se consertá-lo, ainda que não se possa voltar atrás. Mas essas são as coisas de se pensar. O que se sentir não é tão simples assim.

Não tenho medo da meia-noite, mas já sinto saudades do meio-dia."

Pra mim, foi um alento ler isso, não sei bem dizer o porquê, já que fala de uma sensação ainda distante pra mim. É um texto, se não triste, bem melancólico. À época, ainda muito Jamilinha, falei que ainda esperava pela vida vir. Ainda ansiava pela sensação queimante pelas minhas veias de um meio-dia quente que não haveria de chegar naquele meu lugar, protegida do bem e do mal externo do mundo. Disse-me: "Para você, ainda é manhã, Jamilinha... Não adiante seus relógios..."

De fato, por mais dificultoso que fosse dar freio às ansiedades próprias e inventadas, olhei pro mundo. Sentei mais ao lado de minha avó de 79 anos na calçada e escutei os seus quase 80 anos de histórias. Colocar as coisas em perspectiva funcionou. Ainda teria tempo pra mim. Ainda melhorariam as coisas. O tempo ainda havia de ser grato, ainda que não houvesse nenhuma lógica que me garantisse isso. Fluiu, de fato. Veio uma saraivada de coisas boas e más e, mesmo assim, sigo mantendo-me em pé.

Hoje, especialmente hoje, "não adiantar meus relógios" foi o melhor conselho que alguém poderia ter me dado há cinco anos.

Aliás, que horas são? rs


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O texto entrosado

Ia escrever aqui, mas o texto se perdeu gritantemente. Enveredou-se pelo parapeito da janela do escritório, enquanto eu senti o cheiro da pipoca que fizeram, num segundo bobo de distração. Eu não lembro direito do que se tratava, mas já estava com todo ele pronto, na ponta dos dedos, bem na desdita hora em que me escapou. Observei atentamente por todos os cantos, para ver se tornava, mas apareceu outro, este que se escreve só, sem que haja um esforço real dessa cabeça que se transtorna. Texto idiota, entrosado, ridículo, impertinente, enchedor de saco, que não deveria estar aqui fazendo porra nenhuma! Era sobre o mundo que queria escrever. Da mulher baleada no pescoço pelo ex-marido que agora está paraplégica. Era do juiz que foi afastado do trabalho porque "soltava demais" gente pobre e preta que roubava valores irrisórios, como 6 reais ou dois salames num supermercado e de outro juiz que levou os carros do Eike Batista pra sua garagem. Mas não é sobre eles que estou escrevendo, é um texto totalmente diferente que sai. Já é do sonho que eu tive ontem, onde beijava como nunca alguém que quero há muito e, quando já tirávamos nossas roupas pra consumação de um desejo encrustado, a obra do condomínio me sacode às 6:40 da manhã, um pouco mais tarde do que a mulher do Chico sacode ele. Já é do sonho de hoje, que me jogou numa excursão com membros da minha ex-igreja num lugar montanhoso que mais parecia as fotos que a paixão me mandou, que depois me chamavam praquela conversa "de volta pra Jesus" mais uma vez. Eu dizia: "Gente, vocês não entendem mesmo, né?"
Esse texto vê coisas, está esquizofrênico. Ele imagina como será ou se não será mais a viagem que eu espero há quatro meses. Ele avança no tempo, pra volta, e, na cabeça dele, só existem duas realidades: ou saudade ou frustração. Mas vê também tranquilidade, qualquer que seja o cenário. Ele sabe disso, esse texto maluco. Ainda faltam quinze minutos pro fim do expediente e só o que o texto sabe é que ele poderia muito bem não estar sendo escrito. Que poderia sair em pequenas capsulas de 140 caracteres e que muito mais gente saberia do teor dele. Que o que foi pelo parapeito está ali, do lado de fora, me observando sentada em frente a um notebook escrevendo freneticamente, e me diz: "meu deus, que bom que eu fui embora".