terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O texto entrosado

Ia escrever aqui, mas o texto se perdeu gritantemente. Enveredou-se pelo parapeito da janela do escritório, enquanto eu senti o cheiro da pipoca que fizeram, num segundo bobo de distração. Eu não lembro direito do que se tratava, mas já estava com todo ele pronto, na ponta dos dedos, bem na desdita hora em que me escapou. Observei atentamente por todos os cantos, para ver se tornava, mas apareceu outro, este que se escreve só, sem que haja um esforço real dessa cabeça que se transtorna. Texto idiota, entrosado, ridículo, impertinente, enchedor de saco, que não deveria estar aqui fazendo porra nenhuma! Era sobre o mundo que queria escrever. Da mulher baleada no pescoço pelo ex-marido que agora está paraplégica. Era do juiz que foi afastado do trabalho porque "soltava demais" gente pobre e preta que roubava valores irrisórios, como 6 reais ou dois salames num supermercado e de outro juiz que levou os carros do Eike Batista pra sua garagem. Mas não é sobre eles que estou escrevendo, é um texto totalmente diferente que sai. Já é do sonho que eu tive ontem, onde beijava como nunca alguém que quero há muito e, quando já tirávamos nossas roupas pra consumação de um desejo encrustado, a obra do condomínio me sacode às 6:40 da manhã, um pouco mais tarde do que a mulher do Chico sacode ele. Já é do sonho de hoje, que me jogou numa excursão com membros da minha ex-igreja num lugar montanhoso que mais parecia as fotos que a paixão me mandou, que depois me chamavam praquela conversa "de volta pra Jesus" mais uma vez. Eu dizia: "Gente, vocês não entendem mesmo, né?"
Esse texto vê coisas, está esquizofrênico. Ele imagina como será ou se não será mais a viagem que eu espero há quatro meses. Ele avança no tempo, pra volta, e, na cabeça dele, só existem duas realidades: ou saudade ou frustração. Mas vê também tranquilidade, qualquer que seja o cenário. Ele sabe disso, esse texto maluco. Ainda faltam quinze minutos pro fim do expediente e só o que o texto sabe é que ele poderia muito bem não estar sendo escrito. Que poderia sair em pequenas capsulas de 140 caracteres e que muito mais gente saberia do teor dele. Que o que foi pelo parapeito está ali, do lado de fora, me observando sentada em frente a um notebook escrevendo freneticamente, e me diz: "meu deus, que bom que eu fui embora".

Nenhum comentário: