sábado, 21 de março de 2015

O lugar indomável

"Costumava haver sempre um pouco mais de mim aqui (e em outros lugares adorados). Eu olhava pra isso e percebia um monte de possibilidades que nenhum outro poderia já ter me dado outro dia. Eu entendia os preços que eu poderia pagar, mas haviam as horas derramadas, sempre muito gratas, onde eu poderia conversar de absolutamente tudo. Elas valeram a pena. Parecia um território de sonho, porque a não ser pelas limitações práticas, eu não conseguia ensinar àquele lugar a palavra não. Mesmo que ensinasse, não aprenderia. Era de natureza bastante selvagem. Vinha de partes não exploradas antes, que ainda estavam se acostumando à exposição. Era o avesso do avesso, o que acontecia. Foi o derrame que me curou."


(Eu mesma, não sei quando, não sei nem onde, mas sei sobre o quê.)

segunda-feira, 16 de março de 2015

O quê que dá

Já escrevi bastante sobre a possibilidade de deixar pra lá. Cogitada, buscada, solicitada. Como, mesmo com todos os esforços, isso não aconteceu, procurei ficar em paz com o querer. Querer é querer e eu acho que é daquelas forças muito mais fortes que quaisquer racionalizações. Apesar de saber que sentimentos podem ser gerados e influenciados, ainda há uma grande parte de mim que acredita na não-deliberação, pelo menos plena, deles. Lembrei do trecho de um dos livros da Isabel Allende, que eu não lembro qual, que dizia que o amor era um mal renitente. Alguém havia deixado a janela do quarto aberta e ele entrou com o vento. Depois disso, não havia cura que remisse do mal - palavras da autora. Essa é a impressão que eu tenho sobre alguns sentimentos: que se pode provocar, mas não se pode retirar. Parecem entidades, espíritos que tomam o corpo, que só vão embora quando querem, geralmente depois de terem feito muito estrago.

Hoje em dia, olho pra irracionalidade desse próprio querer. Como, depois de tanto afastamento, distâncias geográficas, problemas e tempo, ele ainda sobrevive e não dá sinais de recuo? Explica-se: eu sou mesmo assim. As constâncias fizeram história, seja pros sentimentos bons ou ruins. O que explica também o fato de eu ser muitíssimo grata e muitíssimo rancorosa. Aquele que tem o meu bom grado, não o deixará de ter. Aquele que me fez mal, dificilmente vai ter um perdão voluntário, apesar da lida empreendida pra tirar alguns pesos que trago no coração que acabam por fazer mal só a mim, que sinto.

Sei que deixar aberto em algum lugar, por mais escondido que seja, a confissão que o querer que tinha lá no começo ainda é o mesmo, é ficar vulnerável. Aos medos, angústias e inseguranças que também podem estar acontecendo do lado de lá. Entender que existem, faz parte. Entender que nada está dado, também faz parte. Saber que deve haver bom senso da sua parte pra se proteger, é necessário. Isso não quer dizer ficar na defensiva, tampouco deixar de fazer os planos e tentar. Significa saber que não há obrigatoriedade. Que, se houver honestidade e a preocupação mútua com os sentimentos, que nos é devida, entre mortos e feridos, sairemos bem. Que a minha felicidade é responsabilidade só minha. Querer é apenas querer. Ponto. É um bichinho incômodo quando não se tem e quando se cogita que pode não se ter, mas ou é um bichinho que você convive com ele, ou ele lhe morde. Presta atenção, pode até devorar. Querer é um bichinho que é disputado diariamente por outros dois: a esperança e o medo. Parece até aqueles desenhos antigos do Tom e Jerry, com um diabinho e um anjinho falando em cada ouvido.

O diacho é só o que o psiquiatra (e hoje, amigo) disse e ficou ecoando na cabeça por ainda muito tempo: "Você precisa parar de pensar!". Foi quase um grito. Ele quis dizer: "Corra riscos. Faça. Voe.", mas também: "Deixe sua cabeça descansar. Apenas pare de ver e rever todas as hipóteses do jogo antes mesmo dele acontecer".

E a ironia desse texto que me fez lembrar desse conselho de cinco anos atrás, em uma situação totalmente diferente desta, é que, com ele, eu estou fazendo justamente o contrário. Hehehe

Certamente como eu teria me enfiado em muita enrascada na vida se eu não fosse assim. Mas tenho consciência do tanto que deixei de viver por ser. O medo levou os meus melhores anos e agora eu corro atrás deles. Sem as ilusões de adolescente, sem o medo infantil, sem o congelamento inicial da vida adulta. Nesse caso, o único que eu posso fazer com o meu querer é submetê-lo à mais essa prova do tempo, do não-palpável. Aquietar e ver no quê é que dá. :)