Hoje é 17 de abril de 2014 e eu
estou digitando no primeiro computador onde escrevi meus parcos textos
digitais. Onde sangrei tantas vezes o meu coração, muito mais juvenil, em
linhas que não importavam na forma. Eu era tudo o que eu poderia ser, em uma época
em que feridas se abriam com mais facilidade e o fluxo de sangue que corria
pelas minhas mãos, era muito maior do que o corre hoje. Hoje é o aniversário de
Bacabal, minha cidade, 94 anos. Pouco o que comemorar. E hoje também morreu o
Gabriel García Márquez e é por isso que eu estou aqui, jorrando, sem saber qual
será o conteúdo da próxima linha.
Só o que me lembro é que, há
pouquíssimo tempo atrás, no seu último aniversário, me veio também a ânsia de
escrever pra ele, que eu disse ser um sentimento inevitável, de execução
igualmente inevitável. Disse que sabia que não era eterno, por isso era
necessário comemorar cada aniversário. Não escrevi, porque achei não ser de bom
tom, mas o juízo completava: “... porque cada aniversário bem que pode ser o
último”. E foi. Não é eterno, como eu
desejava, como toda a gente que hoje chora comigo, desejava.
Meu coração de fã estremeceu
quando soube que ele tinha sido internado. Como funcionam essas coisas, hein?
Porra, eu nem conhecia o cara. O cara mesmo é que nem me conhecia... E cá
estou, lacrimejando intermitentes instantes, desde a hora que soube da sua
morte. Lembro-me de como o conheci, já tardiamente - como sempre é a impressão
das coisas espetaculares que conhecemos e que poderíamos ter conhecido antes -
em 2008, época em que compramos esse mesmo computador que digitei meus parcos
textos digitais, como eu disse anteriormente. Eu fiz o caminho inverso. Assisti
“O amor nos tempos do cólera” e, quando vi aquela história daquele amor tão
perseverante, reconheci meu próprio coração no de Florentino Ariza, porque os
mesmos ardores e dores, eu também já havia vivido (menos comer pétalas de
rosas). Enlouqueci. Nas 24 horas que tive direito ao DVD do filme alugado,
assisti quantas vezes eu pude. Nos créditos do filme, vi que era baseado na
obra do Gabriel e pedi pra que me dessem o livro. Depois de muito tempo, o
livro chegou e eu afundava nas redes de minha mãe nas horas vagas em minha casa
e depois, na cama de minha avó, antes do ritual diário de escrever várias páginas
à mão, no meu caderno diário avulso e desprotegido.
Lá eu prendia a respiração a cada
palavra e a cada gesto. Entendia, com o olhar da própria vivência, aquele homem
que não achou cura para o seu coração aflito, que não soube sarar jamais aquele
sentimento. Tudo aquilo se refletia nas minhas escritas diárias, onde eu
faltava sublimar de tanto amor, como só os adolescentes conseguem. Naquela
mesma época, coloquei para sempre duas músicas na minha cabeça: “Hay amores” e
“La despedida”, ambas de outra colombiana que também me acompanhou de lá pra
cá, a Shakira. Foi aí o começo do meu amor por ela também, o que já é outra
história. E com a inclinação às renitências que herdei de meus pais, a primeira
música não se escapou dos meus sentidos mais nunca. Era insuportável até pra
mais paciente das almas me ouvir cantar mais e mais uma vez aquela música,
mesmo com as minhas traduções, adaptações e etc. Infernizei os ouvidos de quem
eu pude, na Universidade, cantando em qualquer ocasião em alto e bom som...
Quantas mesas foram subidas pra que fossem o palco dessa música? E até hoje me
faz lacrimejar, ouvir a parte que existem amores “que se vuelven resistentes a
los daños, como el vino que mejora con los años...”
Tudo se impregnou de forma
indelével. Ao terminar de ler o livro, com um sorriso na alma, sabia que
alguém, de muito muito longe, sem qualquer intenção, desvendou os pedaços
entrecortados de uma história longa que ainda não tinha sido contada, em mim. E
isso é só uma pequena parte das emoções que esse homem me despertou, tantas
vezes. Era por isso, Gabito, que comemorava os teus aniversários. Era-me caro.
Eu sabia que quando o teu dia chegasse, não choraria como se fosse um dos meus,
mas choraria como se fosse um desses nossos que abalaram as estruturas de tanta
gente, de milhares de garotas que talvez, como eu, estejam sentadas na frente
de computadores, escrevendo as declarações de seus corações à sua memória.
Chegou a mim. Sua vida ressoou em
mim. Aqui. Nessa cidade tão improvável, como Macondo. Num lugar tão distante
quanto as cidades-natal dos ciganos. Numa menina com o coração tão vagabundo
quanto o de qualquer Aureliano. Tua hora também chegou, o que era inevitável,
assim como o que o cheiro das amêndoas amargas despertavam, assim como os
sentimentos indeléveis, assim como este texto lacrimejado.
Vai com Deus, Gabo.
“Cuando álguien se va
El que se queda
Sufre más”
(La despedida - Shakira)