terça-feira, 6 de outubro de 2015

"...Mas eu sei que alguma coisa aconteceu"

Eu não lembro mais de tudo, então pode ser que algumas coisas se completem com a imaginação. Eu sonhei que estava em Curitiba (a sensação de um frio do caralho era BEM real). Eu não lembro de como foi que eu fui parar lá, nem o porquê. Só sei que eu conseguia me infiltrar num show que tava tendo da Cássia Eller. Da mesma forma com que sonho com a galera que já morreu: todo mundo sabia que ela já tinha morrido, mas era completamente plausível que ela estivesse lá.

Cantou "Por enquanto" e eu me arrepio de novo, só pela lembrança de como essa música pareceu pra mim no sonho. Ela tava naquele mesmo visual hominho de sempre. Ela falava um monte de coisas massas, que eu não me lembro mais, por não ter anotado assim que acordei.

Por que eu estava em Curitiba? Já fazem tantos anos que eu fui lá e, apesar de ter amado aquela cidade linda, não sinto essa falta toda que outras viagens me fizeram sentir. Inclusive essa viagem foi uma das aventuras mais loucas que eu já me meti, mas isso fica pra outro post.

Hoje, com a lembrança dessa parte do sonho ainda bem nítida na minha cabeça (já são 21:33 e ainda tá, né?), passei o dia lacrimejando. Não é incomum que isso aconteça. Vem um sonho qualquer e PÁ, quebra minhas pernas, me deixando vulnerável e com tudo à flor da pele. Não acredito que meus sonhos tenham qualquer poder revelatório, mas acredito que eles sejam parâmetros pras fases novas da minha vida. A regra não teve exceção até hoje: só pude viver tranquilamente uma coisa, quando sonhei primeiro que a vivia.

Beijei na boca "tarde". Estudava num colégio evangélico e se tinha uma pessoa que andava na linha era eu. Por medo, por vaidade, por um monte de coisas. Quinze anos e nada. Até as mais quietinhas da minha sala já tinham dado seus beijinhos e eu, sem um pingo de puberdade que pudesse atrair os carinhas que eu queria, ficava lá só de butuca no mundo. Se as quietinhas já davam seus beijinhos, tu imagina as danadinhas, o quê que já não andavam fazendo... 

Minhas amigas entraram com um plano maligno de me fazer beijar na boca à fina força e nem que desse na canela. Acabaram bolando um plano, que era de sair me oferecendo pros rapazes que eu manifestasse o mínimo interesse e se eles topassem... Tudo feito. Sem que eu notasse, é claro. Havia um rapaz na rua, com o qual eu nunca tinha falado, nunca tinha notado, nunca nada. O contrário, sim. Minhas amigas me disseram que ele estava interessado, que ele já sabia que eu era bv e que ele adoraria ser o "primeiro". haha

Muito mais por pressão do que por vontade, fui ao encontro mais estranho da minha vida. A sala da casa onde dei meu primeiro beijo era a espécie de um sótão. Não tinha lâmpada e, mesmo de dia, estava muito escura. Eu não sabia o que fazer e abracei o rapaz! Assim, como quem abraça um amigo. Ele gentilmente me afastou pra que pudesse me beijar. Quando não ouviram mais barulho, minhas amigas começaram a gritar feito loucas, na outra sala, comemorando esse marco! 

E, olha, não soube classificar aquele beijo. Talvez hoje, tivessse aproveitado. Mas aquela língua entrando e rodando na minha boca foi pra mim uma coisa super anti-higiênica. Foi tão estranho que eu fiquei com vergonha e nunca mais falei com o rapaz. Nunca mais mesmo. Eu me mudei pra rua paralela à das minhas amigas e vejo esse rapaz toda hora. Olho pra ele e penso: "puta que pariu, foi meu primeiro beijo! Que louco!" e sigo reto, com uma vergonhazinha de ter partilhado um momento que eu sempre esperei que fosse mágico, com um completo estranho.

Depois disso, demorou muito pra que eu beijasse de novo. O velho problema: ninguém se interessava declaradamente por mim. E, se eu percebesse que tinha um cara me dando mole, já começava a porra da ansiedade tomar conta. Evitava qualquer situação em que pudéssemos estar próximos. Evitava contato e se eu visse que o cabra tava determinado mesmo, cortava relações. Assim mesmo. Sem dó nem piedade. Meu medo era maior que qualquer consideração.

Fiz dezesseis e aí foi que o caldo entornou mesmo. Crises, infernos, melhoras, crises de novo. Acho que se você tá lendo esse blog, é porque eu não preciso mais explicar o que houve, né? Atalhando a história: só fui beijar de novo com dezoito anos, com um cara que me aperriou o tanto que ele pôde. Mandava recados pelos amigos em comum. Aparecia na Universidade que eu fazia lá na cidade, "do nada". O cara tava, como se diz por aqui, arriado. Esse cara mereceu o prêmio "Persistência 2008", por que meu amigo... Ali foi trabalho por um beijo, viu? E pôxa, esse eu gostei. Tinham sido três anos roubados, da flor da minha adolescência. Um hiato enorme em que eu fui impedida de viver o que todos estavam vivendo e vivendo e vivendo e vivendo. Eu era uma represa prestes a estourar. Mas nem o gostar do beijo me fez gostar do rapaz e muito menos querer beijá-lo de novo. Quando ele se reaproximava, começava o festival de vômito, de crise, de frio na espinha, de tudo o que não presta. Dei o fora rapidinho. Sumi de verdade. Até que um dia não deu e eu, sentindo o que se sente, expliquei pro rapaz que ou ele desistia, ou eu iria adoecer de verdade. O rapaz sumiu.

E eu fiz isso tantas vezes... Deixei pessoas maravilhosas irem. Deixei de viver paixões que eu sentia doerem dentro de mim, por não aguentar.

Até que eu sonhei.

Beijei o rapaz mais aleatório da turma do meu terceiro ano, nesse sonho. E foi quando não senti incômodos antes ou depois. Só o durante importou. Depois disso, beijos não foram mais problemas pra mim.

E a história do beijo, por mais bobinha que tenha sido, é só uma. Muitas outras barreiras precisaram ser superadas e algumas ainda estão aqui. Não sei porque sonho tanto ou se sonho tanto porque minha cabeça é de doido mesmo, mas confio no que meus sonhos têm a dizer. Só queria que a linguagem fosse mais literal. Que não houvessem tantas mensagens cifradas ou tamanho realismo neles. Que eu não sentisse tanto frio, nos frios sonhados, nem tanto calor, nos calores imaginados. Que os amores que sonho e os beijos que me beijo não me deixassem a pele dolorida, sedenta durante o dia. Que eu não falasse durante a noite. Que eu não chorasse, nos sonhos maus. Que eu não caminhasse, nem desse ataques de sonambulismo, principalmente quando durmo na casa dos pais. Deixa aí os sonhos engraçadinhos de contar, de quando eu faço o download de uma pessoa (!), ou me transformo em uma régua (!!), ou encontro a torre Eiffell em plena Bacabal (!!!). Deixa aí os sonhos que eu alço voo, mais alto que o super-homem, ou de quando eu simplesmente decido que vou levitar e sinto uma pressão enorme, uma espécie de energia, envolvendo meu corpo inteiro. 

De todas as minhas sinestesias oníricas, a que me mais me marcou foi a do dia que sonhei com o nada, na noite que a Terra explodiu. Tudo ficou tão escuro e vazio, que a sensação não pôde perdurar por muito tempo. A Terra teve que se reconstruir e eu via o começo das horas.

Lembrei também do que não se esconde. Lembrei do poder da comunicação, que o Galeano diz no livro dos abraços, com tantos exemplos. Lembrei que nada se esconde pra sempre. E o que a gente cala aqui, vai pra onde estamos proibidos de dizer não. E fala com voz forte e alta. Em resposta a uma pergunta que me foi feita há anos, por um amigo: Não. A mente não conserta o que o corpo deseja.