sábado, 3 de julho de 2010

O que é maior que dois

Num rompante, se despe por inteira. Não. Ainda não está por inteira. Ainda carrega no rosto sombra e um batom muito vermelho que faz com que seus lábios ressecados tenham um aspecto febril de que estão jorrando sangue. Tranca a porta com duas voltas na chave, ouve o barulho de um simples ventilador.

A noite está inesperadamente fria. O banho que tomou com água gelada faz com que todos os seus pêlos fiquem eretos. Ela não se enxuga, deixa a água correr e formar gotas que deslizarão suaves por suas curvas. Nota aí uma sensualidade que ninguém vê, é dela e apenas a ela pertence. Nesse momento, o desejo mostra-se e ela sente no seu secreto, uma ansiedade para o desconhecido.

O ventilador que é ligado no último grau quase fere o seu corpo. Enrijece-a e a quebra por dentro. E mesmo isso ela deseja. Vê nesse pequeno flagelo uma beleza. É para ela treinar seu corpo para pequenos invernos, resistir-se a si mesma, sentir a sensação do quase impossível na pele.

Segue a curva que é formada pelo seu seio, desce pela barriga e que se finda na virilha. Já não é ela mesma quem está ali, mas uma outra que se apossa e não tem medo de nada, nem de si mesma. Imagina a vastidão que se pode ter em tão delgado corpo e em suas falanges se encontram a passagem para a explosão ensaiada do êxtase.

O livro está aberto em uma página qualquer. Ela o nota e ri-se dessas travessuras que esse ser supremo lhe prega ao seu bel prazer. A vida, a quem não ensinaram os nãos, simplesmente atestara o seu estado: “(...) viver na verdade, não mentir nem a si próprio nem aos outros, só é possível se não houver público nenhum.”

Depois do riso, o ventilador pode então descansar. Olha o relógio e são três da madrugada. Lembra-se que na imensidão de uma noite são sempre três da madrugada.