sexta-feira, 26 de junho de 2015

15 dias de palavras acumuladas

Pensei. Pensei não, tive a certeza. Iria me afogar num mar de palavras não jorradas. Eu nem sei direito desde quando estou com elas represadas, mas já aconteceu de TANTA coisa, que fica difícil até colocar pra fora e tentar organizá-las na ordem em que elas devem vir.
A mulher minha tão amada, o meu coração em outro corpo. Ela caiu, sangrou no banheiro da capital. Eu fiquei no escuro por dois dias, até que minha mãe chega com a notícia que me gela toda a espinha dorsal, sem clemência. Vou atrás de saber o que houve, sem muito sucesso. Fico com as parcas coisas que minha mãe também sabia. Escorregou não se sabe como, caiu no chão do banheiro frio, bateu com a testa em algo que eu não sei o que é, abriu o buraco na cabeça dela. 84 anos. Osteoporose. Era capaz de ter quebrado um osso importante, ou desimportante que fosse... Ia ser mais difícil. Disseram que teve momentos de confusão, que não reconheceu as pessoas por alguns momentos. Depois voltava à rotineira lucidez. O meu coração sentiu uma dor tardia e bem familiar, sentida alguns dias antes, quando ela estava doente nas minhas mãos. Dessa vez, o conforto da presença era impossível. O amor, no entanto, estava lá com ela e continua, enquanto se recupera firmemente, muito mais resistente do que todos nós imaginamos. Vai sair dessa, ela.

(Era uma quinta, ao meio dia, que ela me disse dela.)

***

Um dia depois, foi um dia ocupado. Mesmo com os pensamentos direcionados a ela, o coração estava ansioso pelo que eu estava esperando desde novembro do ano passado, quando, em um dos meus famosos rompantes, comprei as passagens na promoção. Só era pra março do ano seguinte, mas eu estava disposta a esperar. Não deu pra março, por que a vida não deixou. Seria pra maio, show do Buena Vista Social Club e meu aniversário no fim, antes da partida. Mas nem nas mais loucas das minhas alucinações, eu poderia prever o que estava prestes a acontecer. Por um descuido terrível, quem iria me abrigar nessa cidade fria, longe de casa e totalmente desconhecida pra mim, se esqueceu que iria fazê-lo. E o pior: viajou pra outra cidade no mesmo dia da minha chegada e sequer me deu opções, ou me ajudou a procurar um plano B. Eu acho que eu nunca escrevi um "Tá bom" tão cheio de decepção na minha vida. Apenas por um desencargo de consciência, poucas horas da viagem, eu pensei, no shopping: "Droga! Não passei pra ele o itinerário... Como é que ele vai me buscar sem saber que horas eu chego?". Pra, já na sala de embarque, depois de não ter mais volta, eu ver a mensagem de que nem sequer estaria aqui.
Felizmente, eles ainda não pesam as pessoas antes de embarcá-las. Eu não pagaria excesso de peso, por que eles nem deixariam eu entrar. Como o avião subiria ao ar, se só o meu coração pesava mais que ele próprio? Era um contrassenso físico, a minha presença ali. Com uma resiliência que eu jamais achei que fosse ter numa situação dessas, embarquei, sem ter a certeza se o plano b que eu procurara rapidamente, antes da confirmação de que não me receberia, realmente se concretizaria.
Se tem algo que é constante na minha vida, é que eu sou muito friorenta. Mas sempre aparece, do nada, um cobertor pras friagens. Numa coincidência incrível, uma conhecida embarcou também e pedimos pra sentar juntas. Aquela moça não sabe o bem que me fez, ao estar lá conversando comigo e não me deixando sozinha com meus próprios pensamentos, que eram difíceis demais na hora. Ao mesmo tempo em que também deitei ela no meu peito, acalmando, porque o seu medo das decolagens e aterrissagens eram de cortar o coração. Nos ajudamos e nos fizemos companhia. Conversamos muito e o tempo pôde passar mais rápido e, por alguns instantes, aquela lembrança de que algo estava errado, parava de me incomodar um pouco.
Felizmente, a mão amiga veio em socorro a tempo. Claro, não dormiria na rua, mesmo que não houvesse essa mão, mas iria ser mais complicado me manter durante 10 dias aqui, sem ter feito uma programação financeira que incluísse também a hospedagem. Ligações precisariam ser feitas e, claro, eu ia escutar muita, mas muita coisa nelas.
Durante muitas ocasiões na minha vida, eu deixei que coisas passassem batidas. E eu aprendi que uma porrada de revide tem o seu prazo de validade. Depois da oportunidade perdida, você pode até ainda querer dar, mas ela nunca terá o mesmo efeito. Parecia que não tava acontecendo, apenas. Que era algo inventado pela minha imaginação novelesca. Eu lia as mensagens que me mandava e quando falou que iríamos nos ver durante a semana, pensei em dizer "Não precisa... Deixa pra lá. Não vale mais à pena". E meus dedos ainda escreveram, pra depois apagarem, arrependidos. Não é assim. Não sou assim. Vim de tão longe pra vê-lo e eu sabia que merecia uma explicação pessoal. Que, se quisesse, se tivesse coragem de me enfrentar, eu estaria disposta a deixá-lo se explicar e, talvez, até perdoar.
Mas a grande verdade é que eu queria perdoar. Eu não entendi porque tinha agido tão displicentemente comigo. Parecia que tinha apenas aberto uma janelinha no seu cérebro e me jogado pra fora dele. Parecia que tinha pensado: "Não vou lidar com isso agora. Foda-se". Quando me pediu desculpas por mensagens, depois de uma pequena alfinetada minha, entendi que as barreiras linguísticas estavam presentes: aprendi na terrinha que não se pede desculpas pra coisas grandes. Desculpas são pras coisas pequenas. Pras coisas grandes, o que se pede é perdão. rs Também entendi que aquilo não condizia com o seu próprio caráter, que algo muito maior deveria estar acontecendo pra ter agido daquela forma. E, por mais que eu pensasse que é pelo muito afeto que nutro, que iria querer perdoar de qualquer forma, sabia que não estava enganada.
Desci as escadas do prédio do meu novo abrigo, com um coração que novamente não cabia em mim. Lá estava ele. O mesmo casaco vermelho que usava nas fotos de perfis. Não havia o que tirar nem pôr do que se mostrava. Nos sorrimos e nos abraçamos. E, já no abraço, eu senti aquele peso saindo todo das costas. Já no abraço, eu entendi que aquilo seria resolvido, de alguma forma, já que teve coragem de vir até mim, coisa que eu temi que talvez não tivesse. Coisa que eu, no passado, já não tive.
Caminhamos e eu fui escutando muitos pedidos de desculpas. Mas ainda precisava falar algumas coisas que ainda tinha. Do fundo do coração, o objetivo não era castigá-lo mais, - por que era visível o quanto estava derrotado pela culpa - mas deixá-lo ciente de possibilidades que eu acho que não lhe passaram. Antes de tudo, eu queria entender, pra perdoar direito, de coração, de todo.
Eu tremia de frio. Ele falava de coisas que eu não sabia e eu imediatamente reconheci naquela história, uma outra, bem longa e antiga, que já tinha sido minha há anos atrás e que ainda não tinha deixado totalmente de ser. Não foi preciso mais nada. Estava perdoado. Não tinha como compreender mais o que estava acontecendo. E se havia algum resquício de mágoa, também se foi. Voltou aquela vontade esmagadora de enchê-lo de beijos, de dizer que tava tudo bem, de abraçar, de cometer um atentado ao pudor naquela lanchonete. hahaha
Uma hora, depois de eu ter falado como se eu soubesse que perderia a voz no outro dia, ele me fez um elogio e eu parei o movimento pra colocar o casaco na cadeira bem no meio. Fui, com velocidade, dar o beijo que guardava na vontade há um tempo irracional. Segurava a mão dele, tentava me aquecer. Era o nervosismo, sei lá. Como era bom o beijo dele... E eu temia tanto de não dar certo, sabe? De não bater os santos beijoqueiros... Mas não. Se eu pudesse, passaria esses dez dias beijando e muitos outros mais.

Voltamos os dois, nervosos, de braços dados, no frio (pra mim). Nos abordou um cara pedindo moedas pra completar a passagem e eu não senti um pingo de medo. Chegando no meu prédio, não resisti: agarrei, puxei pra parede e ficamos lá, como dois adolescentes, dando amassos no muro do prédio perto de onde a moça estava.

(Era segunda à noite. 14º e eu usava luvas.)

***

Puta que pariu. Era show do Buena Vista Social Club. O único e o último que eu teria oportunidade de ver na vida, já que era a Adiós Tour, passando por algumas capitais brasileiras. Lembro de ter visto no feed de notícias, o moço confirmando a presença no evento e de ter planejado a viagem justamente pra coincidir com a data. Sem grana, deixei pra lá a oportunidade de comprar o ingresso pela internet e, quando eu fui atrás no sério, já tinham esgotado todos. Fiquei triste. Mas, por uma sorte sem fim, consegui comprar um dos últimos ingressos. Chorei, dancei, gritei, me acabei. Enchem os olhos só de lembrar. Tinha hora que eu ficava só lá, parada, embasbacada, contemplando. Absolutamente sem acreditar. Que noite linda. Que noite linda.

(Era uma quarta à noite.)

***

Carinhos, mãos, línguas e dedos. A própria pele. Mamilos, cabelos, saliva e até suor, mesmo no frio. Fluídos. Era inacreditável. Eu disse. Era nervosismo, ansiedade, era o novo, tão esperado. Foi descanso, foi carinho, foi orelha que não se aguentava, foi abraço, foi conversa. Foi tudo. Foi um. Foi pouco.

Foi muito.

(Era quinta, numa manhã de manifestos.)

***

Danei a falar. Mas é que passava tanto tempo calada ou conversando só comigo mesma, nas andanças intermináveis ao centro, que parecia que nunca mais eu iria ter esse poder de novo e tinha que aproveitar os últimos momentos. A estrada era tão linda. Vieram histórias, avós (a minha e a alheia, que eu aproveitei por uns dias), avôs e outras amenidades. Veio tanta coisa a ser lembrada. Não sei. Era como se não fosse dar tempo pra contar tudo o que eu tenho pra contar. É, eu estava certa. Não deu. Mas eu sei que nem se fosse um mês de contatos ininterruptos, também não daria. Devo ter enchido o saco de tanto falar, mas não conseguia me segurar. Talvez fosse de novo o nervosismo ou talvez me achasse muito à vontade ao seu lado. Uma mistura dos dois.
Pegamos a estrada pra uma viagem curta, bonita. No começo dela, as urgências, as provocações. Também não deu pra segurar. Não con-se-gui. Não estava em nenhuma prova de resistência... rs
Não fazia tanto frio como eu imaginei. Nenhum dos dois casacos pros diferentes frios foi necessário. Ficamos vendo as cidades que dava pra ver da Serra, depois de um almoço faraônico, onde eu pouco comi, com esse meu estômago de passarinho. O moço sentia dores físicas. Eu pouco podia ajudar.
Voltamos. Passamos pela cidade onde morou maior parte da vida. Pegamos a estrada de volta e só o que eu sabia era falar. Meu deus... Que perversidade. Que bom que, pelo menos, o moço disfarçou a encheção de saco que aquela falação toda se tornou. :D

Chegamos. Estava mal. Conversamos. Ia ficar tudo bem. Não precisa nem pedir pra compreender. Já estava compreendido há muito tempo, desde que eu soube.

(Sábado à noite. Fazia frio, mas o coração batia quente.)

***

Meu aniversário. Saí de casa com uma coisa tão boa nos sentidos. A cidade foi tão boa comigo esse dia, que eu mal acreditava na impossibilidade de estar ali, justo nessa data que eu gosto tanto. Fui, mais uma vez, direto ao centro. Mesmo num curto período de tempo, já sabia onde eram meus refúgios: o Mercado Público, a Casa de Cultura, o banco da praça e o próprio caminhar. Depois de umas confusões, peguei um barco pra cidadezinha do lado. Coisa mais fofa, aquela orla. O vento era frio, mas fazia sol e eu tinha a agradável sensação de estar sendo presenteada pelo tempo. Não foram poucos os pensamentos olhando praquele rio, nem poucos os sorrisos que meus amigos e familiares próximos, mesmo de longe, me provocaram. Estava tão sozinha, mas ao mesmo tempo, tão completa... Naquele momento, eu me bastei. Sentei num dos bancos de uma estrutura que havia e passei um tempo imprudente com aquela sensação, entregue a mim mesma, me sentindo feliz. Esqueci de tudo por não só um instante. Fechei os olhos e senti a leveza de estar, ser e continuar sozinha o resto da minha vida, no sentido mais primeiro da solidão, mas ser o suficiente.
Havia um restaurante pequeno, mas muito acolhedor na orla do rio. Entrei, me sentindo confiante. Era relativamente chique pros meus padrões, que não costumo frequentar esses lugares assim, pela simples ordem da vontade. Era meu dia, eu podia tudo! Alguém que parecia ser o dono ou o gerente do lugar me atendeu e anotou meu pedido. Eu expliquei como queria o ponto da carne e acho que devo ter falado demais, já que ele falou, já meio irritado: "Entendi, entendi!"
Logo após, um garçom muito amável me atendeu. Ria pra mim com um sorriso bonito, sincero. Fez-me sentir como alguém que era querida ali. E não, ele não estava dando em cima de mim. Estava tão somente me tratando bem, com amabilidade. Deve ser um bom anfitrião, esse senhor.
Voltei à cidade, no mesmo barquinho. Olhando para o rio (era rio mesmo?) e percebendo que eu tinha uma sorte danada de estar ali, onde eu queria estar, fazendo o que eu queria fazer.

Mas ainda não era o suficiente. Eu ainda o queria. Três encontros esparsos, poucos, que não me mataram uma vontade desgraçada que eu carregava pra onde eu ia. Tinha se tornado inerente, a vontade. Esperei, esperei, esperei... Nada. Queria o abraço esmagador que tinha me prometido, mas não só ele. Quis muito, acabei ficando sem nada. E o mais louco é que eu fui explorar a cidade à noite, mesmo com o meu medo provinciano. Vesti um vestido lindo, me pintei, botei o salto e saí no meio do mundo, atrás de alguma diversão no trecho boêmio da capital. Olhei praquele lugar, a única parte que me pareceu agradável foi uma livraria, onde me comprei um livro do Galeano. A atendente me indicou um barzinho legal, mas tava fechado... Acabei entrando num que, aparentemente, estava vazio. Não estava. Assim que sentei, o garçom veio me dizer que, nos fundos, estava tendo um grupo de samba sem couvert (sei lá como se escreve). Mais gente, mais animado. Já que tá no inferno, dá logo um abraço no capeta. Fui lá. Chamei a atenção. Talvez muito mais por ser uma mulher sozinha do que por quaisquer de meus atributos. Claro, tinha o fato de eu ser diferente de todas as mulheres que estavam por lá. Todas as poucas seguiam o padrão da mulher branca, loira e de olhos claros. À parte do resto, havia um grupo de umas dez pessoas que comemorava o aniversário de um deles, também. Inclusive, cantaram parabéns pra ele e eu lá, fazendo de conta que era pra mim, também. Sambava lá, só. Não me lembro de já ter feito isso. Estava estranhamente feliz. Era como se eu tivesse um segredo muito legal. Não estava bêbada, tampouco estava sóbria. Alguns chopps e eu, sabendo da minha pouca resistência, resolvi parar. Afinal, ainda era cidade desconhecida, eu ainda estava sozinha, ainda teria que voltar pra casa em um estado apresentável.
Até que se manifestou e eu, depois da raiva inicial, entendi. Falei isso: entendia. Entendia. Puta que pariu, como que eu poderia não entender? Queria ter lhe dado um abraço naquela hora. Não o mesmo, das outras vontades.
Foi quando eu joguei logo a farofa no ventilador, disse que amava mesmo, tava nem aí. Mas que também sabia o que era aquilo. E eu tinha plena consciência, mesmo ébria, que tudo o que foi possível viver ali, teria sido impossível se dependesse de mim, se estivesse ainda acometida. Por isso sabia que ele era corajoso. Por isso disse que tudo estava bem, porque realmente estava. Por isso que sabia que precisava dar um freio à paixão, mas não ao amor.

Quem tem pressa é a paixão.

(Era segunda, foi dia e noite. Completava meu primeiro quarto de século.)

***

Pela manhã, depois da noite parcialmente dormida, decidi não sair de casa. Tinha a mala pra organizar e não lembrava de ter algo que eu realmente gostaria de fazer, que ainda não tinha feito, na cidade. Se sobrou, fica pra próxima. O voo seria à tardezinha, no crepúsculo. Lembrei que ele nem sabia e me despedi, sem pensar que ainda haveria qualquer possibilidade de encontro naquele dia. Saio hora tal, chego hora tal. Beijo. A gente ainda vai se ver... Etc. O susto quando disse que daria tempo. Eu não criaria expectativa, já que dependia de outros fatores, como o transporte intermunicipal. Se desse, seria ótimo. Se não desse, tudo bem.

Deu. Ainda bem que deu. Eu já tinha estourado o horário do embarque. Já tinha despachado mala, feito check-in, tudo no mundo. Mas aquela viagem ainda me devia um beijo de despedida. Meu coração batia descompassado. Ao mesmo tempo que queria demais vê-lo, se eu perdesse o voo, eu estaria só com as roupas do corpo numa cidade de frio insalubre pra mim. Chegou e eu tive que segurar minha onda. Beijei, mesmo com todo aquele papo de deixar paixão pra lá. Eu sou uma sem palavra mesmo! E não foi só um, foram vários! Hahahaha
Subi no avião da volta com uma sensação que poderia ser considerada oposta completa da da ida. Se o coração estava pesado, voltou leve. Voltou feliz. Voltou sabendo que fez o que tinha que fazer.

(Terça, dia do pôr-do-sol mais lindo da vida.)

***

Esse escrito já é de muito tempo, dado a tudo o que já aconteceu depois. A mulher dos primeiros parágrafos, se foi. Esperou que eu chegasse, pra não atrapalhar essa viagem, eu acho. Olho todos os dias pra ela, em uma fotinha mental e me declaro como sempre, como sei. Quanto ao moço, sua mão estava longe quando tudo isso aconteceu, mas senti ela segurando a minha, como várias outras que seguraram também de longe.

Não tinha intenção de publicar esse escrito. Tem demais. Poderia deixá-lo guardado, pra mim, em algum lugar secreto. Mas esse lugar é um dos meus lugares-abrigos. Sempre me senti livre aqui, neste blog. Não queria fugir à regra logo agora, depois que coisas importantes me foram negadas, como a presença. rs Acabaram entrando muito mais do que 15 dias de palavras acumuladas, eu sei. Mas mantenho o título original, escrito ainda no frio, quando tentava colocar pra fora toda a minha perplexidade diante de tudo. E não é que tudo terminou bem?

Sou eu aqui, mas não definitiva. E que venha o melhor!

(Quinta. Sentindo o calor que eu não costumo sentir, na minha terra, no meu aconchego.)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A repetição


Interessante. Eu estou pra morrer de palavras há mais de mês. Por um infortúnio dos diabos, acabei ficando sem um dos meus únicos derrames sérios: este blog, por conta de uma queda que eu dei no meu notebook, há um tempinho, já. Sem perceber, fui escrevendo muito na cabeça. Fazia, todas as noites, como que para copiar aquela época sabida, um ritual de sentar numa cadeira de plástico (que eu não tenho), em frente a uma penteadeira que servisse de escrivaninha (que também não possuo) e despejar letras e letras no caderno de número 6, que foi onde interrompeu-se a narrativa bruscamente.
Interessante porque me demorou a sair esse primeiro parágrafo. E não há texto meu que pode conter o tanto de vida que tenho vivido de maio pra cá. Infelizmente, não só o bom. Houve o choque, a incerteza, a angústia, a dor terrível, o mutismo, a preocupação. Mas também houve a sorte, o acolhimento, a felicidade, o êxtase, as saudades boas, amigos e muito amor. Não. Nenhum texto pode me contar. Nenhuma escrita, por mais fidedigna que seja, não me cabe. Os dias passam e parece que expando em três, mas nem essas duas moças extras dão conta da quantidade absurda de alma que está aqui.

Mas a necessidade obriga.

Ontem, uma conta ruim se fez: um mês sem ela. Estou aqui na minha cidade e fiz o que seria impossível se ela estivesse aqui. Já é o terceiro dia que eu estou e ainda não pisei na casa dela. Ainda não fui lá. Não sei direito. Dói, né, porra? Dói que avimaria. Desmantela mesmo. Como, por tudo quanto for sagrado, eu vou entrar naquela casa sem gritar uma esculhambação pra ela, que me receberia dando um pulo da cadeira, bem alto, dizendo: "Ah, vaca prenha..."?

Quando eu escrevo sobre ela, parece que eu estou me repetindo. Parece que eu estou gritando aos quatro cantos o quanto eu a amo, sendo que isso é sabido e notório até por quem me conhece superficialmente. E não só para quem porventura me lê. Por estar escrevendo na cabeça freneticamente, quase sem me dar descanso, tenho a impressão de estar me repetindo nas linhas, nas ideias, nas comparações. Parece que eu já sonhei chorando e, se eu chorar na realidade, não seria o choro original.

Além de tudo, estou temerosa pelos meus planos. Confusa, na verdade. E sei que já está mais do que na hora de trabalhar pra alcançá-los verdadeiramente e não ficar apenas na divagação que, segundo um amigo, é coisa que eu faço demais. Uma coisa inesperada nesse âmbito já me aconteceu que me fez acreditar um pouco mais. Apesar do meu temperamento, muito mais resiliente do que nunca antes, estou evitando algumas coisas. Pode ser que seja só o luto. Pode ser que eu tenha envelhecido um pouquinho mais, sem que tenha sido só pelo meu aniversário. Sofrimento verga a gente mesmo, né?

Dentro em pouco, talvez eu tenha que passar por mais uma coisa que eu juro: não queria. Ter conviver com alguém que eu amo demais, mas que é uma fonte de estresse e de descompasso pro equilíbrio que eu alcancei na minha vida fora de casa, em cidade estranha. É mexer numa logística já muito bem acertada e, pelas condições ainda adversas pra mim, me privar de algo que prezo como quase inegociável: minha liberdade.

Sei que ainda a tenho e que o meu poder de decisões ainda está aqui. Não foi e nunca será tirado de mim. Minha felicidade, certamente, não vai ser menor por isso, porque eu não vou deixar. Vamos atrás das respostas pras novas perguntas. Vamos sonhar mais e ir atrás. Vamos arrancar toda a medida que ainda me paira.