sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Bacabal...

Sim, terminando a palavra com reticências. Porque foi assim que eu passei boas horas do dia pronunciando essa palavra. Roubei a bicicleta do meu irmão por uns momentos e fui fazer uma das coisas que eu mais gosto de fazer quando estou aqui, que é andar numa bicicleta, por aí, sem qualquer direcionamento claro. Pôr em prática o verbo que eu aprendi em Teresina: "desopilar".
Pedalei, aproveitando que o tempo estava frio - ou melhor, não tão quente assim - e haviam algumas nuvens no céu, o que ainda não trazia o que seria mesmo a perfeição: o vento gelado de chuva, junto com as cores em sépia da realidade. Ainda hoje me lembro do melhor arco-íris que eu vi na minha vida, no quintal da casa da minha vó. Absolutamente tudo estava amarelo e mesmo as cores do arco-íris, se viam douradas. Eu fiquei o tempo que eu pude, olhando pro céu, mesmo com o pescoço doendo, porque sabia que seria uma imagem que ficaria pra sempre guardada. E é isso, ficou.
Parece que o ato "irresponsável" de sair sem rumo na cidade me despertaram sensações muito mais intensas do que costumam. Deve ser pelo estado da graça das alterações hormonais mensais, acrescidas de umas saudades terríveis de tanta coisa... Era saudade A por cima de saudade B por cima de saudade C. (C de Colômbia, no caso!). Parece que a minha vida agora é essa. A de sentir saudades de tudo o que me foi e me é bom. Talvez eu deva ver essa soma grandiosa de saudades como algo positivo, apesar de certa tormenta, por raciocinar que só podem ser resultado de muitas coisas boas que eu vivi/estou vivendo há um certo tempo. Eu sabia que o ano havia de ser grandioso, mas não tinha noção. Não se sabe até sentir.
A cidade estava como eu a deixei. As ruas esburacadas e outras não. O céu incrível. Um calor aceitável, pois era amenizado pelo vento, que sempre me traz boas recordações. Eu avançava os sinais e parecia que ia o peito explodir de recordações. Porque, à medida que eu via as ruas que percorri na minha infância, pra fazer tantos trajetos, ia lembrando de quem eu era e de quem agora sou. E imaginando se aquele detalhe daquela determinada lembrança não tivesse acontecido, o que seria de diferente. E percebendo, inquieta, que a menina que pedalava em outra bicicleta de fim desconhecido, com o nome mais legal que uma bicicleta monark infantil podia ter, tinha sido feliz, apesar das agruras, e que tinha até mais coração do que eu, por não ter sido picada ainda pelos escorpiões da vida.
Parei na praça que esteve tão lotada quanto não pôde, pra inauguração e que agora está ocupada por mendigos. Crianças ensaiavam numa pequena fanfarra pros desfiles de 7 de setembro, que se aproxima. O professor passava uma bronca aos dispersos e eu, parada, de longe, vendo tudo. Alguém percebeu que eu tirei duas fotos e se virou. rs Desculpa, criança. Continua aí que eu tô achando morto de lindo.
Andei pela rua da escola que eu estudei 11 anos. Andei pela rua da que estudei mais três. Andei pelas ruas dos cinco endereços diferentes que tive quando ainda morávamos de aluguel e constatei que era mais difícil andar por essas, porque sinto uma vergonha inexplicável dos vizinhos que ficaram por lá. Andei pelo centro, onde passava por fachadas com irresistíveis vidros espelhados que me atraíam pra minha própria imagem, desde quando eu não tinha feito as pazes com ela. Andei e vi rostos conhecidos, os familiares, os totalmente novos. Tracei trajetos pra coincidir o pôr-do-sol na avenida, onde é mais bonito de se ver, mas frustrei meus próprios planos com uma parada prolongada em outra pracinha, onde dois meninos brincavam de jogar uma bola de baleada um pro outro e outro andava de bicicleta tão indolentemente quanto eu.
A igreja da primeira praça, entrava uma velha de cabelos brancos. Passou também uma carroça, o homem em cima dela e o seu boi velho que carregava o peso dos dois. Aquelas pessoas eram tão reais, mas, ao mesmo, já tão inverossímeis pra mim. Tão meus e tão distantes. Os enterros nas casas, que presenciei no segundo dia que estava aqui, com uma placa na porta do finado que dizia "Família Enlutada", me pareceu algo de outro mundo. Tinha explicação: é pra que os carros de som das campanhas políticas vejam a placa e deixem as pessoas velarem seus mortos em paz.
Meu olhar sobre essa cidade era o olhar dos apaixonados. Se eu temia não achar mais beleza, depois de um mundo desconhecido de belezas que encontrei, me surpreendi por ver a beleza que talvez não veria, se não tivesse me distanciado. A beleza das crianças brincando na rua. A beleza das pessoas sentadas nas suas portas. O homem que dormia descangotado numa cadeira, em frente à sua casa. As mães buscando as crianças de rostos vermelhos, suados e uniformes sujos de tanto brincar. Aquela hora que aquele senhor que eu (acho que) não conheço, me deu "boa tarde", sem que houvesse malícia perceptível.
Não é à toa que eu sempre sonho comigo andando de bicicleta. Sempre foi um refúgio móvel pra alma.
Hospital Bom Pastor, com essa rua linda. Foi onde eu dei as caras ao mundo. hehe

Praça Sta Teresinha, com as crianças ensaiando pro 7 de setembro.


Uma palma bem florida.

Igreja de Santa Teresinha, onde a velha entrava.



Ai, não sei o nome dessa igrejinha.


Meu priminho de um aninho, realmente achando que tava muito escondido com essas mãozinhas tapando o rosto. Ownhhh!
Envolta por todo o carinho do mundo. ^^

Eu, desenhada por uma prima de cinco anos. Precisando malhar as pernas e os braços e dar um jeito nessa cara de zumbi. =(
O homem, a carroça e o boi velho.



Praça do Bom Pastor, onde eu era o próprio cão vestido de tanga (quando eu era criança). É aqui um dos lugares preferidos dos casais.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Desejo

Juntaram-se sabe-se lá como
Roeram seus passados com dentes afiados
Deram as mãos, de longe.

Não se tocavam.

Até que...
Abraçaram a sorte do destino
Enroscaram-se nas horas frias
E as aqueceram
Beijaram as fogueiras recíprocas
E encerraram-se num delírio mútuo.

E então e sempre,
Comeram a paz com bocas alegres
Beberam o viço das vidas vividas
Celebraram a sorte com sonos compartilhados.

Viveram o que não se pode conter.