quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Eu sei, eu sei, eu sei..."

Quase seis meses e uma chama acesa o tempo inteiro.

Chama. Meu pensamento chama. Em um minuto, trago a história de novo pra dentro de mim e a faço renascer, como se nunca tivesse ido. Eu olho pra ti, Lulu. Sou perfeitamente capaz de escutar tua voz, é só lembrar. Eu consigo te captar no olhar. Sinto o teu tato. Sinto o carinho que tu fazia nos meus cabelos. A voz brigando, brincando, amando. Eu te sei.

Por ti, há uma paz. Não sei explicar. Se tudo estiver bagunçado, volto ao refúgio do teu colo e lá me embalo. As músicas de amor que falam de saudades da paixão, já não me tocam por ela, que resiste. Tocam-me por ti, que existe. "Só enquanto eu respirar, vou me lembrar de você". Ainda que o mundo se acabe. Ainda que se apaguem os teus registros. Ainda que a tatuagem com a tua letra se desmanche. Eu sempre vou lembrar de você, Lulu. E sempre vou sentir a falta mais terrível do teu amor, mas serei eternamente grata por ter podido desfrutar dele.

Caminha em lembrança comigo, Lulu. Tá muito difícil. O mundo é mau e eu me sinto só. Às vezes eu tenho medo que uma chama, que não é a tua, se apague. Que eu me deixe envolver pelas agruras da vida e pare de olhar pra frente.

Improvável que isso aconteça, eu sei. Eu só escrevo isso porque eu me sinto cansada e o caso é que eu me sinto cada vez mais. O soldado cansado também há de lutar. Ele não é fraco, ele está apenas cansado. Lutar cansa.

Já que lembro, volto. E como entendo, sigo. E já que sigo, vou. E dou-me o descanso das risadas, dos amigos, da alegria no peito, das caminhadas, das canções e dos abraços.

Enquanto isso, o coração parece que vergou de novo, coitado. Mas, também... Pudera. Tantas batidas, tanta inclemência, tanta responsabilidade em bater tanto, de maneira tão forte, em cima do pobre...

As coisas são impermanentes. Eu, como meu coração e tu, pelo teu coração. Mas se somos impermanentes, não somos inconstantes.

Como alguém pode estar tão triste e, ao mesmo tempo, em paz? Eu não sei. Mas é essa a mistura que eu consigo explicar. Sempre haverá o amor. Lembrar disso, afaga.

Segura na minha mão e vamos.


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Dias e dias depois

Esse post é pra me lembrar: você ainda pode. Coisas loucas estão à tua espera.

Tinha trabalhado. Era feriado, mas tinha trabalhado. Nessa de trocar plantão de novo, por causa da prova do ENEM, acabou que eu tô trabalhando naquele ritmo insano de novo, com mais dias ainda sem folga. Mas vai que, né? O imprevisível ainda é muito bonito também.

Tinha voltado do trabalho. Garganta inflamada, mas sem rouquidão, o que é estranho. Um calor imenso na parada, mais de uma hora de espera pro ônibus passar e uma sensação de estar sendo queimada em vida. Cheguei em casa cedo. Uma ligação de lá distante me acorda pra vida e diz: "Garota, e aí? Cadê aquele milheiro de planos que você tava aí na cabeça? Onde estão?", enquanto eu dou minhas desculpas dizendo: "Vão dar certo. Eu só não sei direito como, moça". Claro que quis dizer: "Estou cansada", mas a moça falava um português diferente do meu. Talvez não entenderia.

De tanto calor que entrou na minha cabeça, me empertiguei. Saí do quarto quente e fui tomar a única cerveja da geladeira na tão amada pracinha. Saí pensando nas possibilidades que sempre me passam quando vou pra lá: os medos acompanhantes. E eles me fazem lembrar que tenho que ir devagar com meu andor, que meu santo é de barro. Mas é lembrando mesmo que meu santo é de barro, que eu também me lembrei que ele sempre andou no sol quente. Barro no sol, endurece, fia.

Dois rapazes estavam na pracinha conversando. Quando me aproximei, eles pararam o que estavam falando e me fitaram. Sentei no outro extremo da praça, como se não tivesse percebido. Lamentei que estivessem lá, mas dois minutos depois, esqueci que eles existiam. Daí a um pouco, passou um rapaz que eu conheço um pouco o rosto. No muro de uma casa frondosa, em frente à praça, havia uma pichação numa letra linda: "Já foi um sonho". Fazia sentido. O que já havia sido um sonho pra mim? Muitas coisas.

Não era a pichação completa no muro grande e frondoso. O rapaz, catando a oportunidade da praça "vazia", desviou o caminho rapidamente. Confiou em mim e nos rapazes, de que não faríamos nada pra impedí-lo. Bom, dito e feito. Na outra metade do muro pichou, de trás pra frente: "Tudo o que é real". Eu comecei a ler a frase toda e não acreditava muito no que via. Não é sempre que eu flagro uma pichação e muito menos uma que faça tanto sentido.

Ao terminar a obra, claro, o rapaz saiu quase correndo. Eu o observei atentamente, os outros dois rapazes também. Em menos de dez minutos, duas pessoas saem da casa. O muro pichado foi o lateral, não o frontal, mas mesmo assim eles estavam putos! Entendo essas pessoas, mas não seria assim se fosse comigo. Ficou uma coisa tão bonita, sabe? Eles estavam enfurecidos! Eu estava a 60 metros deles e ouvia claramente coisas como: "Tá gravado! Ele vai pagar! Ele vai pagar!". E o que o rapaz queria era dizer que sonhos ainda valem à pena. Que coisa.

Não demorou muito, uma mulher de meia-idade fazendo caminhada, passa por mim e solta: "Tu conhece aquele rapaz que tá na moto?" (Um dos rapazes da pracinha estava, de fato, com uma moto estacionada perto dele). Ao que eu respondo: "Não, não conheço". Ela me diz, simples e calmamente, que ele era muito lindo e que eu deveria ir lá conhecê-lo!

Foi aí que eu lembrei novamente das aleatoriedades da vida e dei um sorriso, já meio ébrio.

A confusão esfriou. Eu até olhei pro lado, pra ver se o rapaz da moto era bonito mesmo ou se era só a mulher querendo ser aquelas cupidas de novela. Não consegui virar todo o pescoço. Estanquei no meio. De alguma forma, preferi aqueles momentos de solidão arbitrária que estava vivendo ali. Preferi ver a pichação pronta, que foi pintada de branco dias depois, que dizia uma grande verdade: "Tudo o que é real já foi um sonho".

DIAS E DIAS DEPOIS DO COMEÇO DESSE TEXTO:

E hoje, dias e mais dias depois do começo desse texto, que eu já nem lembro quando comecei, eu preciso lembrar. Fazer os exercícios da memória já conhecidos. Agarrar-me à lembrança, que é o único que eu tenho.

Entre milhares de desafios, a vida volta e meia me aparece com mais novidades. É um coração danado, esse meu. Ou 'dañado', como dizem os hablantes.

E aí, lembrar é um dever. Dentre as opções, a opção. Mas lembrar de quê, menina?

Da viagem de volta. Ou melhor, do lugar da volta. A paz.

Ir da paz é ruim, mas nem sempre é possível ficar nela. O exercício de imaginação é tamanho. Imagine ter que imaginar algo que é abstrato, só que sem senti-lo? Estar fora da paz é o dissonante e ensurdecedor. Falar, às vezes, não adianta. A memória é o que me salva, eu acho.

Estar na paz é bom. Mas ainda que eu não tivesse nada do que eu 'tenho', a paz sempre será um estado. E me repito e repito e repito aquilo que escrevi no caderno número 3 ou 4: zelar pela paz, em primeiro lugar, dentre todas as coisas. Já que, dentre todas as coisas, é a que mais faz falta quando se vai.

"Tudo o que é real, já foi um sonho".

"Perder-se também é caminho".

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