quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Cólera

De repente, me deu uma vontade danada de escrever até as mãos rasgarem. Até meus pulsos deslocarem. Até dar LER na porra toda. Até os dedos racharem. Até que eu saiba que tudo, tudo isto é um grande desvario de gente louca. Que os céus se varram em tempestades e sequem as águas do mar e tudo o que nelas há. Escrever até um furacão me levar daqui e me deixar bem longe, onde nada disso importa, e tudo será um passado que eu não lembrarei mais.

Quero escrever até sair a minha alma do meu corpo. Quero me ver sentada, furiosa, séria, ignorante, BRUTA, no meio de todos os destroços que virará este lugar, ofendendo a quem se aproximar de mim, xingando até que todos despertem na madrugada e gritando, berrando, obliterando todo o ódio que carreguei no meu ser até hoje, desde e sempre e para sempre.

E que se dissolva corpo ser alma flor o de bom e o de ruim em palavras, porra! E que eu mande este medo, este anseio, este ardor para o quinto dos infernos, para o raio que o parta, para o diabo que te carregue, para a mais longíqua puta que nos pariu a nós todos.

Não quero. Não sei se quero escrever. O que eu quero é gritar as palavras infames que guardo nas caminhadas, que não saem, que me revoltam. Gritar pros infelizes dos carros pra tirarem aquelas merdas da calçada, que eu existo, caralho! Eu quero voltar na porra do tempo e entregar a merda dos cinquenta reais que tinham na minha bolsa pro cara que tava revirando o lixo logo na porra da porta do meu condomínio. 

Quero que se foda a quem quero que me foda com fúria e desejo, na minha cama, todos os dias, todos os respiros, todos os ais, em todos os toques que me dou, como se fosse matar esta tara permanente e ácida que já me enerva os sentidos, e que eu sei que não vai. Quero dizer que já não aguento mais, por favor, dê logo um jeito nisso. Cure isso. Enfia. Eu estou quase implorando, molhada, apertando as pernas por baixo da mesa.

Eu quero escrever até que não sobrem mais restos do que escrever. Até que o mundo se desintegre, que nossas partículas nos consumam e que nem vidas futuras, nem as passadas, existam. Que toda a História humana, do mundo, do tempo, não passe de uma partícula tão minúscula, mas tão minúscula, que seja chamada novamente de Universo.

Eu quero escrever até descer o sangue.