quarta-feira, 4 de junho de 2008
EROS E PSIQUÉ
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada...
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem....
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera....
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém....
Mas cada um cumpre o Destino
- Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada...
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora...
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
(Fernando Pessoa)
A PORTA ESPELHADA
Engraçado como aquilo aconteceu! Pôxa vida, um casamento causado por uma mania por espelhos!
Vou explicar melhor: Ele fazia um cursinho, já tinha 26 anos e estava se preparando pro seu 12º vestibular, já havia passado em três – de História, Jornalismo e outro de Artes Cênicas – mas parou no meio dos três, acho que não era aquilo que ele estava buscando. Era um cara tranquilão, trancado e só se achava legal, só se achava um cara bonito quando se via em algum espelho.
Já Marcela, era uma típica maranhense, quer dizer, sua fala não tinha sotaque, assistia BBB, bebia Guaraná Jesus, ia todo o final de semana pra praia e odiava os governantes, todos – os atuais, os antigos e até mesmo os que ainda estavam por vir! – se bem que essa descrição que se fez do Maranhense é quase igual a de todos os brasileiros. (Menos a parte do Guaraná Jesus e da fala sem sotaque.) Tinha 23 anos e aquele emprego no Cursinho era o primeiro que arranjara.
Juliano, o cara dos espelhos, passava todos os dias pela secretaria e como a porta era toda espelhada, o rapaz não resistia, era sacanagem demais, golpe baixo aquele espelhão dando mole pra ele daquele jeito.
E o moço ficava sentado no banco paralelo à porta, no outro lado, fazendo cara de sedutor apaixonado, fazendo cara de quem queria conquistar uma pessoa pelo olhar...
Tornou-se um hábito, todas as noites, nos intervalos para a troca de professores, Juliano ia lá pro seu banquinho se admirar e se acontecia de alguém sentar-se ao seu lado, sairia chateado, pois Juliano só respondia com “ahans” e “é mesmos!”
Marcela ficava lá, na sua mesa dando pra porta da secretaria e que no lado de dentro não era espelhada. Doce ilusão, pensou que o rapaz estava tentando conquistá-la; até que nos primeiros dias tentou ignorar aqueles olhares sedutores, ficava no seu computador, digitando alguma planilha, mas de vez em quando dava suas olhadinhas de soslaio...
Do 15º dia em diante, já não conseguia mais ignorar, passou a sentir raiva daquilo. Aquele garoto não tem que fazer não? Ele tinha, ficar lá admirando-a mesmo depois dela ter mostrado a língua, o dedo, feito cara de mau e até puxado uma folha A4 e escrito em letras garrafais: VAI PROCURAR TUA TURMA, SEU CHATO! Mas o moço não ia...
Aquilo foi de uma persistência que a comoveu, procurou saber o nome do rapaz, a idade, se tinha antecedentes criminais, estava melhor que James Bond no quesito serviço secreto, e depois de ter analisado todo o histórico do rapaz, acho que seria uma coisa boa pra se investir, afinal, se ele estava ali num Cursinho, algo de bom na vida ele queria ser!
Mas um dia aconteceu um incidente: outra funcionária que veio de casa estressada não mediu a força que empregou na hora de fechar a porta espelhada e a mesma se quebrou, se partiu em vários pedacinhos, mas não se partiu tanto quanto o coração de Marcela...
No outro dia quando chegou no serviço – o episódio aconteceu depois que ela já tinha ido pra casa, ela só trabalhava meio turno – a porta já havia sido substituída por outra de vidro, só vidro, nada de espelhos e naquele dia também, Juliano passou direto pelo banquinho sem nem dar uma olhadinha pra Marcela.
Pobre coração dos apaixonados, a moça ficou tão atordoada com aquilo, ela poderia ter imaginado várias coisas, mas preferiu imaginar a pior: que ele de repente perdeu o interesse nela, e havia se interessado por outra moça, talvez da sala de aula, quem sabe e descartou Marcela como se fosse uma injeção mal dada na testa.
Ah, mas aquilo foi o fim, a secretária foi para o banheiro e lá derramou duas lágrimas afoitas, foram apenas duas, tão intensas quanto mil, recolocou a maquiagem e voltou com um sorriso mais que forçado. Decidiu que ia tomar uma atitude, não se trata assim o coração de uma mulher, não se ilude e depois se solta uma bomba nele, POMBAS!
Quando Juliano, alheio a tudo, estava sentado na mesa da lanchonete recapitulando alguma coisa da aula, ela veio por trás, passou a mão nos cabelos dele, inclinou a cabeça e deu um beijo – nossa! Mas que beijo! Parecia coisa de novela! - No momento em que descolaram os lábios ela simplesmente marcou sua mão na cara dele! E que força tinha aquela mulher, ficaram as marcas vermelhas no rosto dele e ela disse: Eu precisava desse beijo porque eu te amo, mas eu precisava te dar esse tapa pelo que você fez comigo!
Naquela noite, nenhum dos dois dormiu, ela chorando e cogitando seriamente a possibilidade de largar o emprego, a cidade, o país, tudo! E o pobre coitado na sua cama suspirando e pensando que aquela doida só podia estar confundindo ele com outra pessoa! Só pode! Mas aquele beijo ele não poderia esquecer... Que beijo... Levaria mais três tapas dela só pra mais um daqueles... O bichinho do amor o mordeu também!
No outro dia, ele chamou-a pra pedir explicações, ela falou logo que ele era um cínico, passava dias tentando conquistá-la e de uma hora pra outra a ignorou como se ela fosse algo descartável? Não precisou dizer mais nada, nesse exato momento Juliano compreendeu tudo! Percebeu que Marcela pensava que os olhares eram pra ela, entendeu logo que ela achava que seus olhares fatais de conquistador inveterado eram pra ela. Mas não quis estragar aquilo tudo revelando a verdade, aproveitou a oportunidade para dizer que apenas naquele dia não foi vê-la porque estava preparando algo pra falar, estava ensaiando a sua declaração de amor. Marcela já ia dar outro tapa nele por achar que era tudo mentira deslavada, mas não teve tempo, ele segurou o seu braço e deu outro beijo... Como beijava bem aquele mentiroso...
Ela acreditou (ou fingiu que acreditou) naquilo tudo e eles começaram a namorar. O tempo passou, ele passou no vestibular pra Medicina e ela tinha se tornado a Diretora do Cursinho. Resolveram se casar.
Um dia antes do casamento ele disse que precisava falar uma coisa pra ela! Marcela esperava tudo menos aquilo! Ficou pasma, achou que ele ia dizer que era gay ou que estava a traindo com outra, quando escutou a história do espelho da porta ficou estática e dois minutos depois soltou a melhor de suas gargalhadas, que contrastavam com a cara de choro que Juliano estava fazendo diante da tensão da revelação!
Hoje, são casados; ele é um médico com uma clínica recém-montada e Marcela abriu um Cursinho pra si. Fez questão de colocar um banquinho oposto a uma porta de vidro espelhado e a mesa da secretária de frente pra porta, vai que alguém mais tinha essa sorte?
Mês passado nasceram os dois filhos do casal, gêmeos, mas como eles preferem dizer: espelhados!
domingo, 1 de junho de 2008
LENDO E APRENDENDO ALGUMA COISA
« C.S. Lewis »