sábado, 12 de setembro de 2015

Sobre o "vai passar"

Há alguns dias, uma realidade me bateu. Bater no sentido de porrada mesmo. Passei uns dois dias sem conseguir desviar o pensamento, nem com o montante de trabalho enorme que eu tinha (tenho) pra fazer. Comecei a pensar na consequência dos meus atos. No que as minhas palavras impactam as pessoas, apesar da minha boa intenção. Eu estou falando dos meus amigos que estão doentes emocional ou fisicamente.

Pela manhã de um dia da semana passada, logo ao acordar, fiz o que faço sempre: tiro o celular do carregador e acesso minhas redes sociais. Além do vício em uma em específico, tem o fato de que é a única coisa que vai me impedir de ser tragada pelo sono novamente. Moro só e não tenho quem me acorde. Se não tem tu, vai tu mesmo. No Facebook, um querido havia postado o texto de um rapaz que tem depressão. Esse meu amigo está passando por isso e por outras coisas mais. Nós havíamos falado pelo whatsapp na noite anterior, sobre. Esse texto já tinha chegado a mim, mas eu ainda não o havia lido. Com os olhos fechando, resolvi lê-lo.

Basicamente, o texto é mais um que versa sobre o que é, como se sente e como agir com alguém que está passando por uma depressão. Na parte do "como agir", ou melhor, "como NÃO agir" foi que a porrada veio.

Confesso, envergonhada, que existe uma pretensão enorme de minha parte sobre a maneira como agir ou o que falar com pessoas que estão em sofrimento psíquico. Por já ter passado por um problema bem pauleira e ainda hoje, às vezes, me ver acometida por ele, tento, de coração, ajudar as pessoas. Isso não é errado, apesar da pretensão. Não é por isso que eu escrevo o texto. Não, não estou me elogiando com uma pseudo-crítica. A questão é: e quando eu não sou capaz?

Existe o tal do "exercício da imaginação". Cada transtorno emocional está dentro do espectro de sensações ou sintomas comuns. Inclusive é o que faz o problema x ser diagnosticado como problema "x", e não problema "y". Ainda assim, ele está dentro de um outro espectro muito mais importante, que é a individualidade das pessoas em que ele se manifesta. Por mais que nós sejamos empáticos com os problemas alheios, existem várias camadas em que somos incapazes de adentrar ou de entender, até pros profissionais de saúde mental. Não tem jeito, por mais que você se ponha no lugar de alguém, quem está no lugar de alguém é só o alguém mesmo. "Só quem calça o sapato é que sabe onde ele aperta", e é isso mesmo. Isso me frustrava muito, no começo. "Você está chorando por mim, mas não está sentindo o que eu estou".

Vários amigos queridos sofrem, no momento. Estão passando por dores lancinantes, diferentes das minhas e até as mais ou menos iguais. Isso me assusta. Impressionante o quanto todos nós estamos sendo tragados por um mundo que produz doentes em série. Por amá-los, me disponho a ajudá-los. E, apesar de ter a consciência de que é um processo desgastante, como sei ou como posso, lanço minhas palavras a eles. Nem sempre eu acerto. A porrada foi justamente nas comparações. Não é raro que eu converse com as pessoas e diga: "Eu também estive aí e já não estou mais". O sentido disso é: "É possível sair dessa situação escrota que você tá. Você vai, em algum momento."

Lendo o texto do rapaz, entendi que não cabe ficar comparando as situações. Minha história foi outra. Eu fui outra. As coisas que eu me apeguei pra melhorar podem não funcionar pra outras pessoas. Os incômodos foram muitos: comecei a lembrar de textos que escrevi, também pretensamente (como o da felicidade) ou de conversas em alta madrugada. Claro, já lidei com situações mais extremas, por mais de uma vez, de pessoas que me ligaram prestes a cometer suicídio ou com medidas já tomadas pra isso. Aí é lançar mão das coisas que você tem. E, às vezes, eu só tenho a minha história mesmo ou só consigo me lembrar dela. Sei que não há coisa mais poderosa pra influenciar as pessoas que o exemplo, mas em que medida eu estava usando isso? Não é nada legal estar na bad e vir alguém do diabo que o carregue te dizer: "Ah, também foi escroto comigo e eu não tô sofrendo mais." Alguém aí entende o que eu quero dizer? Posso usar o exemplo, mas corro o risco de parecer pedante ou de parecer que cobro uma atitude de alguém que, se está passando pelo que está, é por que ainda não conseguiu internalizar alguns conceitos que eu já (mais pedantismo, hã?).

Ainda há mais que isso. Sempre há. Até quando se pode desculpar alguém por sua condição? Há alguns dias, um amigo me fez mal. Fui posta em uma sinuca de bico terrível, por uma coisa que, em nosso grupo de amizade, sempre foi comum. Uma coisa que até nos define como amigos: conversamos, fazemos "cobrice" uns com os outros, mas nos amamos e estamos ali pro que der e vier. A maneira em que desenvolvemos a relação nesses cinco anos, foi revelando o que era permitido ou não e nós entendemos a dinâmica e a aceitamos. Bom, até aquele momento. O pacto foi quebrado. Fui posta em problemas. Fui a vilã, a má, a que teve seus atos comparados ao que havia de pior. Isso, óbvio, me deu muita raiva. E, desde então, estamos sem trocar palavra, mesmo já tendo nos encontrado por aí.

Estranho isso. Como alguém que foi tão íntimo, que sabia dos meus segredos, se tornou alguém que eu não reconheço mais? E aí a pergunta: em que conta eu devo colocar os atos? Os de antigamente e os de agora, depois que todos sabemos (e nos preocupamos) com o problema? O que eu devo fazer com a raiva que ainda me dá, quando lembro?

Não entendo. Simplesmente não entendo. Não dessa vez. Não já de outras vezes.

De novo a pergunta que me repito há um tempão: em que medida as pessoas podem ser perdoadas pelos seus atos, pelos problemas que passam? Já perdoei coisas fortes, mas que tinham ficado muito claras pra mim em que conta colocar. O problema é todo esse: agora não estão. E mesmo não sabendo nada de contas (pois de humanas), ainda assim, seria capaz de perdoar. Mas e quando não há pedido nenhum de perdão? E quando eu sinto o cheiro da injustiça?

Right in the feels. Há a culpa de me afastar de uma pessoa que me machucou, mesmo que eu a ame. Há a culpa de não saber associar direito os seus atos. Mas a há a consciência de que nem sempre eu posso. Nem sempre eu consigo, por mais que eu me importe e queira que essas dores passem. Não sei o que fazer, somente.

Tudo bem também. Vai passar.