terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Medo também tem medo

Ontem foi mais um daqueles dias. Dia difícil, ruim, mau. Vim caminhando do trabalho pra casa com o coração muito, muito pesado.

Quando eu comecei meus diários, nos idos tempos de 2008, eu usava demais essa expressão. "Levo um coração pesado". O uso era frequente, já que o sentimento também. Eram tempos em que o sossego era só uma lembrança e qualquer manifestação do peso não era nenhum pouco "leve". Rs Contraditório, eu sei. Mas num dia de 2009, quando eu ainda mantinha os meus escritos religiosamente e a expressão continuava frequente, minha mãe me aparece com uma sacola onde eu via um pequeno tijolo. Quando eu vejo, é o livro da trilogia do Senhor dos Anéis em volume único. Com toda a disposição, li até que rapidamente. A saga do Frodo rumo à Mordor pra destruir algo que carregava consigo e que não poderia se livrar facilmente, era de identificação instantânea pra mim. Tolkien frequentemente dizia isso dos personagens: que estavam com o coração pesado.

Lembrei dessa identificação ao caminhar pra casa, coisa que sempre me traz paz. Ao mesmo tempo em que crescia uma frustração por não ter conseguido segurar antes que isto ganhasse força em mim, eu sentia raiva por ter me deixado abalar por motivos torpes. Coisas que não são problemas, muito menos meus, muito menos importantes. Mas veio. Talvez o que eu peguei foi uma carga de negatividade muito forte. Cora Ronai escreveu uma vez que Millôr, na época do Pasquim, recebia montes e montes de cartas, todas elas vivas, alegres, de agradecimento, de louvor. E as lia e agradecia, mesmo que internamente. Um dia, recebeu uma raivosa, com um ódio que não soube de onde vinha. Aquilo o abateu. E mesmo com as argumentações de que todo o resto das manifestações eram boas, Millôr não pôde evitar um dia de cabeça baixa, digerindo aquela carta. Procuro o texto original, que não acho. Mas, se não me falha a memória, disse que o ser humano é assim mesmo. Não é assim que a gente funciona.

É. O impacto negativo das coisas é maior que o positivo mesmo, infelizmente.

O 'estrago', que nunca foi culpa de alguém, ou que já não pertencia a um motivo específico, quase foi grande. Em épocas de suscetibilidades, o mal só quer uma desculpa. Convoco todas as minhas defesas, meus santos, meus patuás, meus budas, meus deuses e meus anjos da guarda pra estas horas, mesmo que não acredite em nenhum. Convoco até mesmo o deus que há em mim, num namastê individual, se é que isso é possível. O amor, claro, mais real do que nunca, vem em socorro, trazendo leveza e abrindo os meus caminhos para a paz. Momentos aliviados de respiros, conversas agradáveis de outros corações bons, os abraços, os risos e os beijos compartilhados e apaixonados. Tudo isso me trouxe 'de volta'. Se o impacto do que é negativo é grande, ele tampouco pode suportar a uma overdose de amor.

Lembrei da criança que disse que o Medo tem medo das coisas que você gosta. E com a lembrança, lembrei de novo do filme em que as crianças pequenas é que sabem os segredos do Universo.