Naquele corpo eu redescobria o sexo a cada movimento executado. Era uma languidez que me enfeitiçava, despertando a volúpia eventualmente adormecida em mim. A sensualidade ao se abrir e me chamar, os olhos transbordando de desejo, o sexo me convocando para dentro a cada latejar. Eu só precisava lançar um olhar cheio de apetite, para que aquela mulher começasse a arfar. Era uma respiração ofegante, em descompasso com o batimento acelerado do sangue em suas artérias. E nos fundíamos assim, cheias de paixão.
E era amor o que havia. A luz que clareava nossos caminhos era luz de amor, o cheiro dos ambientes pelos quais passávamos era cheiro de amor, os sons que ouvíamos mesmo no silêncio acolhedor eram sons de amor. Aquele gosto que sentíamos ao provar nossos corpos, e os alimentos deles derivados, era o gosto do amor. E ele era tangível, nós o tocávamos e éramos por ele tocadas. Amor que toca. A vontade era fundir aquele corpo no meu, ser um só. Dois indivíduos transfigurando-se em coisa una. Aquilo era soma, mas da soma surgiam novas substâncias, e éramos então transformadas em um novo objeto. Novidade. Um elemento satisfazendo o outro, em uma troca mútua de prazer, cuja meta era a unidade. Havia o meu olhar sobre ela, e aquele olhar sobre mim. E queríamos que permanecesse assim, sendo uma, mas descontinuamente apresentada em duas. Ela me ama, eu a amo.
Fazíamos planos como quem bebe água quando tem sede. Éramos arquitetas de uma vida dual. Nós nos bastávamos, como ao céu bastam as nuvens, como à fome basta o alimento. Tínhamos pressa em sonhar juntas a nossa odisséia, a aventura que iríamos viver até nosso último suspiro. Ao morrer, eu permaneceria viva dentro dela, ao morrer, ela permaneceria viva dentro de mim. Viveríamos mais, pois viveríamos juntas.
O que me impressionava era que meus sentidos estavam trocados. Eu era feita de multi-sentidos. Meus olhos acariciavam aquele corpo no lugar das minhas mãos, deslizando na pele morena daquela mulher que um dia chamei de amor. Meu olhar a despia de suas parcas roupas, que, pouco a pouco, iam colorindo o chão do quarto alumiado. Era o olhar como tato - o contato. Meus ouvidos a viam se aproximar, e, sua voz, aquela voz que soava como perfeita melodia, era acompanhada por um cheiro afável que invadia meus pulmões, fazendo com que eu exalasse contentamento. O cheiro de mulher que ela carregava, impregnava meus ouvidos com a certeza de que era ela que, um dia, me faria sofrer.
Era uma felicidade transitória, eu sabia. No entanto não havia em mim nenhuma vontade de me privar daquela efemeridade enferma chamada amor.
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