Uma de minhas avós banhava os mortos das famílias dos vizinhos, quando
os seus não tinham coragem. Não só deles, de quem mandasse chamar. A
outra avó dizia que na casa da esquina da rua onde mora há mais de 40
anos, as cadeiras e outros móveis se batiam sozinhos e que esse era um
fenômeno observável, mas que, de sua casa, só o seu marido teve coragem
de olhar. O único bisavô que conheci, já muito velho, contava histórias
inverossímeis de difícil compreensão por causa da dificuldade
ao falar, dos seus tempos de moço no interior, do dia que o avião
passou pela primeira vez em cima do vilarejo e todas as casas frágeis
balançaram com o mover dos ares, o que fez com que uma vizinha
confessasse ao marido que dos cinco filhos, apenas dois eram dele, pra
depois desmentir tudo quando o avião passou e tudo se pôs no lugar.
Outro bisavô, que morreu muito antes de eu nascer, tinha aversão à água.
Sabia uma reza em que colocava um chapéu de palha na cabeça e ele e
quem ele quisesse, não se molhavam, mesmo que estivessem debaixo de
chuva grossa. Cresci escutando essas histórias e acreditando em cada uma
delas, por que sempre tive um fraco por esses assuntos. Mesmo quando os
questionamentos de várias ordens chegaram, elas ficaram guardadas no
lugar do inquestionável, porque não interessava se eram verdadeiras ou
não. Ontem, todo esse passado veio à memória de uma só vez, na madrugada
quente, no infinito de um quarto, não me deixando dormir. E eu olhei
pra elas, algumas histórias já centenárias que ainda chegaram a me
alcançar, que foram feitas pelos meus antepassados e que também os
fizeram, e tantas outras que não cito por não lembrar mais dos detalhes,
outras por não saber como encaixá-las neste texto. E atinei que, desde
os fundamentos, a vida da gente é um conglomerado extenso de
improbabilidades que, de algum modo, se fazem possíveis.