Diretor: John Cassavetes
Gênero: Drama
Duração: 82 minutos
País: EUA
Ano de Lançamento: 1959
Elenco: Ben Carruthers, Lelia Goldoni, Hugh Hurd, Anthony Ray, Dennis Sallas
Elenco: Ben Carruthers, Lelia Goldoni, Hugh Hurd, Anthony Ray, Dennis Sallas
Sinopse:A vida de três irmãos na Nova Iorque dos anos 50 é explorada no primeiro filme realizado por John Cassavetes, ator e cineasta impulsionador do cinema independente. Neste objeto de puro improviso consegue capturar a essência da era beat e o início de uma grande mudança que se preparava para acontecer. O racismo deixava de ser tão evidente e tomava lentamente a forma de tabu, aqui evidente no confronto de um novo namorado da irmã mais nova com o resto da família, e o jazz a todos dominava. É também o retrato de uma geração perdida no desespero silencioso de não conseguir traçar um caminho para o seu futuro. Isso toma a forma nos dois irmãos mais novos: Ben, um trompetista que passa os seus dias com os amigos a deambular por Manhattan e Lelia, cujo espírito tempestuoso acaba por subjugar involuntariamente todos aqueles que dela se aproximam. Shadows é um pequeno filme que quase esteve perdido para sempre e que merece ser visto, especialmente como marco essencial de uma nova era do cinema norte-americano.
Fonte: MakingOff
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Minha opinião: Um dos filmes essenciais a qualquer cinéfilo, obra do maior ícone do cinema independente norte-americano. Exemplo vigoroso de como fazer filmes com uma câmera na mão e idéias em ponto de ebulição na cabeça.
Fala-se muito que esta é uma história sobre a questão racial, e blá blá blá, mas eu vi um filme diferente desse aí que comentam. Vi um filme sobre indivíduos isolados em contraponto à eterna necessidade de se sentirem parte de algo maior. Nossa insatisfação não-perecível em sermos isso... apenas nós. Não nos aceitamos como detentores de um mundo completo, definido, e abundantemente rico que existe em cada um de nós.
Fala-se muito que esta é uma história sobre a questão racial, e blá blá blá, mas eu vi um filme diferente desse aí que comentam. Vi um filme sobre indivíduos isolados em contraponto à eterna necessidade de se sentirem parte de algo maior. Nossa insatisfação não-perecível em sermos isso... apenas nós. Não nos aceitamos como detentores de um mundo completo, definido, e abundantemente rico que existe em cada um de nós.
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Decupando as cenas...
O início mostra cenas onde jovens se divertem ao som do que viria ser o rock (já era rock?). O filme, que supostamente trata sobre questões raciais, mostra que jovens (negros e brancos) se divertindo juntos. Ainda que a maioria deles fosse (na festa em questão), predominantemente, branca.
Os três amigos (que mais tarde descobriríamos ser Ben, Dennis e Tom) entram num clube que está tocando jazz (ou ainda era bebop? Eles diferenciavam muito melhor do que a gente diferencia hoje, o que mostra que nosso "ouvido" mudou - denotando a diferença das gerações)
Os rapazes abordam mulheres (provavelmente putas) e cada um começa a noite conversando, em particular, com uma delas. Eles tentam falar sobre banalidades da vida particular, mesmo estando ali para "fazer negócios". O que me faz pensar sobre a necessidade dessa abordagem inicial "vamos falar sobre nós dois enquanto a gente não trepa".
Enquanto isso, em outro lugar da cidade, o irmão de Ben, Hugh, se vê envolvido em um dilema... ele é um cantor de jazz e está desconfortável em ter que apresentar o show de umas meninas, que, segundo ele, não dizem nada. Apresentar a arte na qual realmente acreditam e vêem valor, ou ganhar dinheiro com o "comercial"? Ilustra a virada da noite nova yorquina... transição dos jazz clubs para as casas de espetáculo. Hugh fica incomodado com a ideia de ter que se "vender". Rupe diz: Cada um dá o seu jeito do jeito que pode. O cara infere que essa é a maneira que elas encontraram para sobreviver. Então... todo trabalho é digno? Enquanto umas prostituem o corpo, outras prostituem suas ideologias (isso quando têm alguma). Hugh questiona o fato de não ter o que falar quando for apresentar o bando de meninas burras... Rupe diz pra ele ser simpático. É o espetáculo surgindo... showtime! Sem qualidade intelectual ou arte contemplativa, mas com entretetimento garantido. Imagens que passam sem dar espaço pra gente pensar. É opressor, mas é uma droga que anestesia.
Quando ele começa a cantar e ninguém presta atenção... conversas paralelas. O dono do bar diz sobre a música de Hugh: Cara, isso é um sonífero. Então é isso o que queremos? Estamos ávidos pelo consumo de puro entretenimento. O conteúdo desse frasco é vazio, mas o frasco é bonito, vamos consumí-lo e colocá-lo na estante de casa.
Ben vive pegando dinheiro emprestado com todos... é um jovem irresponsável. Vai pedir grana ao Hugh (seu irmão), que está mais preocupado com sua situação do que resolver um contrato de trabalho. Ele é irmão mais velho de "brancos" e o mais responsável.
Lelia anda pela noite de NY e fica encantada com os letreiros... é confundida com uma puta por um cara, que a aborda... este arruma briga com um outro que chegou para defendê-la (o irmão havia previsto a cena).
David diz aos rapazes: Se vocês sempre fazem a mesma coisa, vocês nunca farão nada com suas vidas. Mas eles estão se divertindo. Por que vocês não fazem algo? Aprendem algo.. existem milhares de coisas para se fazer em Nova York. Fazer coisas diferentes, conhecer pessoas novas.
Diálogo:
Dennis diz: Você não tem respeito pela arte. (quando parece não saber sobre o que está falando)
Tom responde: Você não passa de um idiota, um pequeno burro arrogante. Eu fui à universidade, Dennis.
Dennis espantado: Você?
Enquanto os dois discutem, Ben contempla uma das obras expostas na parte externa do museu. Tom fala sobre o clima da faculdade, as pessoas arrogantes..
Em relação à obra de arte, Ben diz: a questão não é entender, mas sentir (oh, bom menino!).
Quando estão em frente à estátua da mulher nua, falam sobre ela de forma divertida. Depois que a conversa acaba, Dennis fica olhando pra ela, e pensando. Então qualquer obra de arte faz pensar? Seria esse o objetivo? Seria esse o termômetro que diferencia a arte da tentativa (frustrada) de arte?
Cena de uma festa (com os amigos de David). A câmera presencia uma conversa entre intelectuais que falam sobre o existencialismo em Sartre. Tony participa do papo como espectador atento, emitindo comentários superficiais.
Em outro momento da mesma festa, Tony dá em cima de uma moça, depois de uma abodagem inicial, ela diz que é casada, e percebe que o marido está ao lado acompanhando a conversa toda. Fica sem graça, desconversa, e finge que precisa sair para pegar uma bebida. Em alguma cenas posteriores, tem uma atitude semelhante ao perceber que o irmão de Lelia é negro.
Ainda na festa, David fala de um dos personagens criados pela Lili. Mais tarde podemos ver que este personagem trata-se dela mesma.
Diálogo:
David: Esta menina não tem nenhum controle sobre si mesma. Foi ferida profundamente, mas continua vivendo sua vida como se nada tivesse acontecido.Isto é incoerente. A vida é algo mais do que imaginação.
Lelia: O ponto é, se você é você mesmo,não irá machucar-se.
David cobra realismo nos textos de Lelia, mas ele não observa que os textos são tão impregnados de realismo, que este chega a brotar em sua frente (exemplo oferecido quando Lili beija o, então desconhecido, Tony para ilustrar seu texto.
David (apresentando a situação e o personagem de Lili): É o primeiro dia da personagem. Ela anda calmamente pela calçada da quinta avenida. vê um desconhecido logo abaixo em uma esquina da rua e lhe dá um beijo. Um estranho. É revoltante,para uma tarde de domingo.
Lelia: Não é nada! Se eu quisesse eu faria isso (e beija Tony)
Tony: Acho que estou do lado dela David.
Lelia: David, poderia me buscar mais champagne?
David: É ainda mais revoltante na vida real.
A certa altura, David diz à Lelia: "Às vezes uma pessoa é pode acabar com sua vida. E tudo o que irá te dizer vai ser "sinto muito".
Ao se relacionar com os dois, ela une o intelecto de David com o vigor juvenil de Tony. Um misto de Jules et Jim? Talvez Cassavetes tenha se inspirado no triângulo existente no romance de Henri-Pierre Roché, adaptado pelo Truffaut para o cinema.
Cena dos três no Central Park.. plano geral de David correndo atrás de Lelia e Tony, que fugiam dele (para, mais tarde, ela entregar sua virgindade ao Tony).
Lelia: Eu tenho a sensação que nunca serei inteligente e que nunca terei o que quero.
Tony: Se sente em uma caixa que não consegue sair.
Lelia fica surpresa e diz: Meninos nunca entendem coisas desse tipo. Viu, eu estou muito atrasada.
Tony: Atrás de quem?
Lelia: Agora você fala como o David.
Tony: Espero que não.
Lelia: Por quê? David é uma das pessoas mais inteligentes que já conheci.
Tony: Mas não é muito romântico. Quando conheço alguém que gosto, e ela gosta de mim, eu aceito minhas inclinações românticas.
Tony Convida Lalia pra subir.. ela fica meio receosa mas sobe. Diferente dos outros meninos (Ben, Tom, Dennis), ele consegue sexo sem pagar. Ele oferece bebida a ela, mas ela não quer nada pra beber, vai fazer sexo sem dinheiro e sem álcool. Não dá dinheiro mas oferece promessas de amor eterno. Sempre há algo em troca.
Lelia (após a tentativa de sexo com Tony): Eu não sabia que poderia ser tão horrível.
Tony: Não fique tão triste querida, vai ser melhor da próxima vez.
Lelia: Não vai ter próxima vez.
Lelia parece ter ficado traumatizada com o sexo e com toda a situação posterior. Ela diz: Eu achava que estar com você seria tão importante, tão significativo. Que depois duas pessoas estariam tão próximas como é possível ficar. Mas ao invés disso somos só dois estranhos. Acabou. Pelo menos isso eu entendo sobre a vida (a cena em que ela fala isso está coberta de sombras).
Associei esta cena à cena final, quando Ben se despede dos amigos e passa a andar sozinho pelas ruas (cheias de sombra) de NY Tony se mostra desconfortável quando ela apresenta seu irmão. O clima fica tenso e Hugh o expulsa da casa deles. O relacionamento entre Lelia e Tony termina ali.
Em determinado momento, na festa que Hugh oferece em casa, uma mulher diz à Lelia: Sabe do que você precisa? De um cara que se preocupe com você e proteja seus valores. Precisa de um lar, seguro, e com crianças querida. É disso que precisa.
Mostra claramente a antítese entre a visão (e comportamento) das mulheres anteriores à década de 60, e a nova geração, que estava despertando para a vida no início dos anos 60. (O filme foi filmado em 1957-58 mas só foi lançado em 59, por falta de grana).
Nesta mesma festa, após a briga com Ben, Hugh conversa com uma mulher, e fala sobre seus problemas. Ruppert intervem no assunto, e diz para Hugh conversar sobre coisas mais interessantes. Hugh reclama sobre os improvisos que Rupe faz no palco... seria uma metáfora para os improvisos tão fundamentais nas nossas vidas?
O seguinte diálogo antecede a briga entre Ben e a mulher que o aborda na festa:
Mulher: Vem tomar uma cerveja com a gente. Entra na festa, e esquece seu mau humor por um tempo. Não te entendo. tenho a impressão que você quer entrar na festa Mas não sabe como... você quer parecer distante, ou algo assim.
Ben: Você realmente acha isso? Eu prefiro ser distante, distante de você, ok?
Mulher: Tem outras formas... quer uma cerveja? Posso te trazer uma?
Ben: Não quero.
Mulher: Você vai ver, é bom para o que você tem. Anime-se. Só engana a você mesmo. Sua escala de valores está muito confusa, precisa de ajuda.
Ben: Não me toque.
Ela tenta invadir a individualidade de Ben, que se mostra agressivo ao tentarem interpretar sua suposta solidão, e sua vontade de permanecer sozinho. Interagindo da maneira dele. Hugh briga com Ben por causa do comportamento do irmão, mas não consegue se comunicar com ele. Acaba perdoando sem entender porque ele agrediu aquela mulher. Passa a mão na cabeça. Tolera. Talvez com a consciência de que cada pessoa tem seu tempo para amadurecer. (e foi o que aconteceu com Ben ao final do filme. Ele amadureceu. Algo mudou dentro dele)
Davy esqueceu de levar a flor pra Lelia, que cobrou e disse: não me parece bonito fazer isso. Lelia se mostra muito fria com os rapazes (principalmente depois do que aconteceu entre ela e Tony). Informalidade na casa de Lelia... David, o convidado teve que se servir. Rolou um certo clima de animosidade... todos são bem sinceros e diretos (e, por isso, talvez pareçam mal educados).
Timecode 1:05:00
Davy: Será que dá pra andar mais rápido, pelo amor de deus? Tem duas horas e meia que estou esperando.
Lelia: Quer sair com um espantalho ou com uma moça bonita?
Davy: Quero uma moça bonita que fique pronta rápido.
Lelia: Quer ir dançar comigo? Então espere, ainda não estou pronta.
O irmão se intromete na conversa, chama a atenção para a rispidez de Lelia, mas David permanece esperando mesmo com tanta frieza por parte dela. Sabe que pode mostrar a ela que ela pode ser mulherzinha. Tanto que, um pouco adiante, ele diz que ela poderia ser tão bonita e agradável o quanto parece. Ele vê que ela se esconde atrás de uma máscara de rispidez, que impõe distanciamento. Ele mostra que ela não precisa ser "masculina" para se relacionar com os homens. Talvez ela seja assim porque cresceu ao lado de dois irmãos, presenciando comportamentos masculinos o tempo todo.
Cena em que Tony chega e vê Lelia saindo com o (negro) Davy. Mostra que o relacionamento dos dois realmente acabou, já que, após a conversa entre Tony (se mostrando arrependido pelas atitudes anteriores) e Ben, este último deixa claro que não dará recado algum à Lelia.
Hugh vive viajando com sua banda para se apresentar em outras cidades. É assim que ele ganha dinheiro para sustentar seus irmãos. Ruppert reclama com o Hugh porque ele é um cantor de temperamento difícil, o que está dificultando sua contratação pelos clubes das cidades próximas. Sonha em ir para Paris, seguindo o rumo de muitos outros músicos de jazz da época (Round Midnight teria se inspirado nisso?)
Hugh, com excesso de realismo, diz: será igual aonde quer que a gente vá. Ele sabe que a vida que a gente leva depende do que existe dentro de nós, e não do que existe fora. O que está fora é apenas um cenário para que os dramas internos se realizem. "Mesmo quando você chega na hora, você não está na hora" (comentário do Rupe sobre Hugh). Ruppert está prestes a romper com o Hugh, devido ao comportamento pouco profissional de seu cliente, mas o convence a permanecerem juntos dizendo Rupe é o melhor representante do mundo... eles se divertem trabalhando juntos, confiam um no outro, têm cumplicidade. Ruppert entende isso e decide seguir viagem com o amigo/cliente.
Hugh, com excesso de realismo, diz: será igual aonde quer que a gente vá. Ele sabe que a vida que a gente leva depende do que existe dentro de nós, e não do que existe fora. O que está fora é apenas um cenário para que os dramas internos se realizem. "Mesmo quando você chega na hora, você não está na hora" (comentário do Rupe sobre Hugh). Ruppert está prestes a romper com o Hugh, devido ao comportamento pouco profissional de seu cliente, mas o convence a permanecerem juntos dizendo Rupe é o melhor representante do mundo... eles se divertem trabalhando juntos, confiam um no outro, têm cumplicidade. Ruppert entende isso e decide seguir viagem com o amigo/cliente.
Corta para a cena dos amigos do Ben, Tom e Dennis, que também se divertem juntos, ainda que seja não fazendo nada (bebendo cerveja). O interesse deles se resume a conhecer mulheres.
Arrumam briga quando dão em cima das mulheres que estavam acompanhadas por outros caras. Apanham. Filme começa com festa e termina com pancadaria, mas os amigos se ajudando.
Tom diz: E o que vamos fazer? Saímos pra nos divertir, certo? Tem que pagar o preço, se te pega, te pega.
Ben: Não sei porque sempre fazemos isso. Ir por aí, tentando pegar garotas. Podiamos ter as nossas, sabe. As normais. Então não vou fazer mais isso. Se quer que eu fale como um velho, e diga que aprendi a lição, eu digo, aprendi.
Quando visitaram o museu, Tom disse que na universidade conheceu professores que queriam ensinar qualquer coisa que eles já tivessem fracassado antes. O diálogo anterior, mostra o Ben "ensinando" o que acabou de aprender.
Os amigos se afastam, e cada um segue o seu caminho. Indivíduo se dispersando no coletivo, e voltando a ser indivíduo. Somos todos sozinhos. Seres (de)limitados buscando a continuidade no outro."
A cena final, do Ben andando pelas ruas de NY ao som de jazz, me remeteu à cena da Jeanne Moreau andando pelas ruas de uma Paris meio acesa, meio nas sombras, em Ascensor para o Cadafalso, ao som do trumpete do Louis Malle.
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Curiosidades cinematográficas:
- Não há muitos close ups nos filmes do Cassavetes.. os planos eram mais gerais, e os cortes mais espaçados. No entanto, sem os tempos mortos que estavam muito em voga na Nouvelle Vague francesa.
- Não há muitos close ups nos filmes do Cassavetes.. os planos eram mais gerais, e os cortes mais espaçados. No entanto, sem os tempos mortos que estavam muito em voga na Nouvelle Vague francesa.
- A câmera não participa da cena, ela se torna mero observador da cena... subjetiva, e não impositiva.
- O dedo (de Davy) que toca a campainha é o mesmo que aparece quando Hugh tocou quando chegou em casa. (coincidência?)
(Eu queria saber se só eu tive a impressão de que o Ben era muito louco...)
Enfim... filmaço.
(e foi todo fruto do improviso)
** Peço desculpas por minha forma não-linear de escrever, mas eu não sou a mais linear das pessoas.