Há muito, muito tempo, eu não paro pra escrever algo que a alma chama. A dor que avança sobre o mundo parece ser infinita... Parece mostrar o avanço de nossa irresponsabilidade coletiva, dentro de uma escolha que fizemos lá atrás. A peste avança e o pior e o melhor das pessoas vêm à tona, absorvendo as nossas energias e nos mostrando que, tal qual a peste, também não há limite para o mau.
Tampouco há para o bem. Enquanto escrevo essas linhas chorosas, o homem que eu mais amei e amarei nesse mundo, trabalha num hospital que ainda não sente as dores. É como uma mulher que dá a luz: todos estão se preparando para o momento da dor e tentando fazer com que ela seja menor.
Vem o homem mau e pisa em cima da barriga da mulher prestes a dar a luz. Quer torturá-la, quer que sangre, quer que sucumba. Mas a mulher é forte e resiste, como sempre foi ensinada a fazer, como sempre precisou fazer pra manter-se viva.
Eu tenho dado minhas voltas com a fé. Aqui, sozinha neste lugar que se faz meu aos poucos, em uma intimidade forçada com o lar. Já conheço cada fresta, já conto cada tijolo das minhas paredes nuas. A fé vem, tentando minhas certezas, como se pudesse ainda mostrar outra parte de si que ainda não havia mostrado antes. Tentando fazer com que eu acredite, nesta situação-limite, sem a companhia da racionalidade que eu fiz minha há muitos anos atrás, quando o mundo também me maltratou.
Olho pra ela e, sem rumo, sigo. Sem dar o salto que ela exige, mas já caminhando para o ponto em que o pulo é exigido pra chegar até ela. Medito, canto mantras, vejo cartas de tarô, escuto a triste e esperançosa mensagem do Papa, escuto o que os espíritos têm a dizer. Falta, de fato, orar, hábito deixado de lado, por lembrar demais outros tempos doloridos.
Eu já não acredito que este momento veio para servir a qualquer propósito antes sabido. Mas que irá, irá. E espero que após este momento de desolação coletiva da qual a humanidade já conheceu mais e piores vezes, estejamos prontos para um amor fraternal tão transcendente, só visto pelas palavras de Jesus - a quem, dentro deste coração tolo, nunca questionei a existência, curiosamente.
Eu nunca mais vou desconhecer estes dias cheios de amor e ódio, vindos desse mesmo corpo, mente e coração. Eu nunca mais vou desconhecer estes dias cheios de rancor, ao mesmo tempo que de perdão. Eu nunca mais vou desconhecer esta sensação de desamparo coletiva, como fosse algo inédito da nossa raça.
Que encontremos o equilíbrio dentro deste caos. Que olhemos para o outro e nos poupemos da fome, do desespero, do desemparo. Que sejamos abrigo, mesmo que de longe. Que a fé, até mesmo a fé, nos acompanhe de modo que estejamos todos de olhos bem abertos. Mas antes da fé, o amor, que é a força mais poderosa que existe no mundo.
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