quarta-feira, 7 de junho de 2017

A extraordinariedade

Não sei por quais razões, eu sempre achei que a minha vida não seria ordinária. Por um tempo, essa impressão se concretizou na crença de que eu faria alguma coisa muito grande na minha vida e que as pessoas me conheceriam por isso. Eu já pensei em ser missionária, cantora, missionária-cantora, escritora, pilota da esquadrilha da fumaça (juro!), atriz e uma série de outras coisas megalomaníacas que o bom senso me diz pra não relatar publicamente. Vai ver é aquele lance da geração Y que foi criada pra se achar mais especial que os outros. Vai saber...

Acabou que eu tô aqui jornalista, desempregada, faturando com uns frilas. Nada de tão grandioso assim que merecesse uma citação como o meu "legado". No entanto, não é pela falta de grandes feitos públicos que eu considero que falhou a falta de ordinariedade na minha vida. Ela toda é uma série de eventos extraordinários. Ruins, bons, péssimos, maravilhosos. Como alguém, estou sujeita à tudo, mas me parece que os eventos simplesmente não conseguem me dar um pouco de paz.

Um dia após meu aniversário deste ano, eu me "casei". Vai com aspas porque ninguém assinou nada. Foi quando a gente finalizou a minha mudança pra casa nova e dormimos pela primeira vez na nossa cama, dentro do nosso quarto, debaixo de um teto compartilhado. Pra mim, foi um processo difícil, ainda que bastante desejado. Eu já estava há quatro anos vivendo absolutamente só. E mesmo com a chegada do meu amor na minha vida, havia o senso de que o antigo local era apenas meu, que eu era responsável por absolutamente tudo dentro dele. Também de repente, foi preciso lidar com coisas das quais eu nunca na vida precisei nessa área, como atender às expectativas de quem o ama demais faz.

Nessas primeiras semanas, eu senti o peso de ser a esposa. A que precisa "dar conta" dos afazeres domésticos, da preocupação com o almoço, da arrumação da casa. Eu e meu companheiro dividimos tudo isso - não em horário comercial, já que ele não está em casa -, já que temos a consciência de que não existe responsável único por nada. Mas não é assim que o mundo pensa. E acaba que, quer queira quer não, é de mim que se cobra que tudo esteja nos conformes. O mundo não é justo com quem cometeu o pecado de nascer mulher. E conversando com amigas que estão na mesma faixa etária que eu e também já estão num relacionamento assim, é comum e assustador o quanto as histórias se repetem. O quanto ainda é preciso de muita conversa interna, muita conversa a dois, muito diálogo com o resto do mundo, pra que se entenda que nós não somos responsáveis por nada sozinhas. Que escolhemos fazer parte de uma relação consensual, onde as regras, quem define são as pessoas que estão nelas. Precisamos avançar muito ainda pra que tenhamos relações verdadeiramente horizontais. Isso perpassa por todas as discussões de gênero - e seus papéis - que estamos cansadas de debater. Isso precisa virar prática.

Mas vamos voltar ao tema principal:

Ainda não fez um mês que eu e meu amor estamos juntos nesta nova vida. Apesar de ter sido difícil pra gente, também vivemos momentos que só a intimidade e o amor são capazes de performar. Nesse tempo em que namoramos, observei cada coisinha que ele foi pra mim. E, se concordei que o melhor pra nós dois seria a vida em comum que até já tínhamos em certo grau, foi porque vi nele um coração enorme, um caráter firme e alguém em quem eu poderia confiar meus sentimentos, que são as coisas que eu tenho de mais precioso a confiar a alguém. E não me arrependi, mesmo com todas as intempéries, um segundo de ter tomado essa decisão, no banco do carona do carro batido, há uns dois meses.

A vida mudou. O lance é que ela ainda vai mudar bem mais.

E é agora que entra a história da Máquina dos Acontecimentos Espetaculares™ que gira a todo vapor na minha vida. Com apenas três semanas de vida nova, o moço recebe uma ligação que mudou todo o panorama das coisas. Foi chamado pra um concurso que fez em 2014, no meio do sertão cearense. E as coincidências que a vida traz é a de que ele começa nesse novo emprego no dia exato que fazemos um mês de casados. Tá. A gente já sabia que mudanças rápidas poderiam acontecer. Ninguém fez foi imaginar que seria essa mudança. E não é nem preciso imaginar o impacto que isso trouxe pra nós, pra família dele, pra minha.

Ele vai. Eu vou ficar. Por enquanto. Vamos ver como vai ser. Não sei.

Nunca passamos tanto tempo afastados desde que nos encontramos na vida. Desde que nos demos as mãos. Vai ser difícil pra ele, pra mim, até pro cachorrinho que a gente chama de filho, mas a gente sabe e sente que é necessário. Ele vai viver uma experiência profissional nova, com um desafio bastante maior dos que já tinha sido submetido. Claro, o lado financeiro pesa bastante. Poderemos estruturar mais a nossa vida e o que ainda vem por aí. Eu ainda tenho meus desafios pra concluir em Teresina e receio que outra mudança, muito mais radical e em tão pouco tempo, poderia afetar muito minha saúde mental. Ainda preciso finalizar uns trabalhos, utilizar meu tempo com o que ainda está de pendente a aprender... E aferrar-me à tarefa de reaprender a viver só, após o exato mês, só que com a saudade entranhando tudo.

Que a gente possa sempre contar com a tremenda sorte que nos deixou cegos um pro outro durante tanto tempo e nos fez abrir os olhos pra que pudéssemos dar as mãos no momento certo. Que a gente possa descarregar todo esse amor que a gente se sente nos momentos que tivermos, do jeito que for possível, com todo aparato que houver. Que a gente consiga suportar a saudade que vai doer nas noites solitárias e transbordar ainda mais de amor, se é que isso é possível.


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