sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O sol

Nos tempos da meninice, onde as meninas podiam andar de calcinha na rua e os meninos curavam suas feridas da bola jogando terra em cima das unhas esfoladas, alguém me perguntou algo que me ficou: se eu já tinha visto o nascer do sol. Eu tinha uns 8 anos e não, não me lembrava de, em qualquer tempo da minha vida, ter visto o nascer do sol. Como sempre vivi admirada pelo espetáculo que era o se-pôr dele, imaginei que o movimento contrário merecia a homenagem.

Nós morávamos numa casa de uma avenida movimentada em Bacabal. À noite, o ir e vir dos carros e motos nos deixavam entristecidos, já que não poderíamos brincar do que a gente queria na rua, que era o nosso lugar. Era pé-na-linha-guerriô, baleada, tacobol, esconde-esconde, pega-pega e mais outras brincadeiras que sequer existiam fora do nosso círculo de amizade. A gente conseguia brincar na larga calçada da dona Jandira, que tinha ódio daqueles gritos na porta de sua casa, mas dona Jandira era boazinha, até o dia que alguém jogou uma pedra sem querer que amassou o portão de alumínio recém adquirido. Havia outra velha que tinha olho de vidro e cara de má. Ela furava as nossas bolas quando íamos, naquela ruma de meninos brincar no enorme quintal da casa alugada que eu vivia. A gente colocou nela o carinhoso apelido de "mocoronga". E a gente era assim: depois que pegava no dente com uma coisa, era pra sempre. A maior confusão da rua, com direito a costas esquentadas por cipós, foi o dia que a gente respingou lama no olho de véia. Pobrezinha da bichinha. Pobrezinha nada!

Não me lembro como, nem quando, nem onde. Mas alguém chegou pra mim com essa conversa do nascer do sol. Eu era criança, mas sempre curti um papo com uma galera mais velha. Deve ter sido um deles que veio bagunçar minha cabecinha com aquela piração. Eu descobri que o sol nascia lá pras cinco e meia da manhã. Não tinha esse negócio de celular e o nosso despertador pra ir pra escola sempre foi nossa mãe. Então, não tinha jeito! Eu teria que fazer serão a noite toda pra poder ver o nascer do sol. Fiquei tão ansiosa que não conseguia nem cochilar. E se as pálpebras me traíam, acordava num espasmo, como quem cai em sonho.

Quatro e pouco da manhã, eu vi no relógio. Minha casa, como nas muitas seguintes que morei, era como são as casas no interior. A porta que se abre pra rua, já dá na sala. Sem área, sem garagem, sem portão com controle. Todo mundo sentava nas suas portas à noite pra ver a vida passar e as ruas eram lugares seguros pra nós, que éramos jovens. Com toda a inocência que só uma criança de 8 anos pode ter, abri a porta com a chave que estava naturalmente pendurada na fechadura, e fiquei sentada no batente. Era madrugada e fazia um pouco de frio, mas ok. Várias gentes passaram. Passou um bêbado do outro lado da rua e gritou alguma coisa pra mim. Eu não gritei de volta, já que minha operação era clandestina. Passaram muitas pessoas de carro, outras de moto, outras de bicicleta. Alguns buzinavam, espantados com a minha presença ali. Passou outro homem. Esse parou e ficou conversando comigo. Devia estar bêbado, mas não tanto. Falou: "Menina, o quê que tu tá fazendo aí sozinha uma hora dessa?". Eu respondi: "Eu tô esperando o sol". Ele disse que era perigoso pra mim, eu disse que não tava com medo. Eu não tava com um pingo de medo. Nunca que passou pela minha cabeça que eu poderia esperar o sol do mesmo jeito no quintal.

O mundo começou a clarear, por fim. E cada vez mais a luz se punha intensa, a ponto de me incomodar. Eu olhava pro céu e nada. Nada de sol. Nada de espetáculo. Já iam acordar, já iam me flagrar. Era quase hora de ir pra escola e a luz já era intensa, mas nada do raio que o parta desse sol. Não sabia de um pequeno detalhe: 

O sol só nascia do lado de lá da minha casa.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Hoje

Escuto uma playlist de músicas cubanas na casa do namorado. Estou vestindo uma camisa colorida que comprei de amigos, só de calcinha, só eu estou na casa. Todos os outros viajaram. Ele foi ao trabalho, que já está pra terminar. Vai voltar, vai me ver aqui nessa situação, vai me dar um cheiro no pescoço e vai falar alguma gracinha dessas nossas, eu sei. É bonita e boa esta paz que agora sinto.

Acordei hoje às 4 da manhã como nos sonhos intranquilos de Kafka. Mas não estava transformando em nenhum bicho. Novamente, sensações ruins se agarraram em mim e já não queriam desagarrar. A respiração se ofegava. O rapaz me abraçou, apertou e beijou, quando percebeu o meu desassossego. Eu me concentrei, mas o aperto no peito teimava em ir embora. Resolvi fazer como das primeiras vezes: desistir de dormir e ocupar minha cabeça com algo produtivo, pra que não se perdesse nas ondas ruins de seu próprio mar.

Levantei. Vesti esta mesma blusa colorida, que não quero mais sair de dentro, vesti a calcinha, e sentei no sofá da sala. Já estava amanhecendo. Peguei o celular, tuitei alguma coisa, li alguns textos, mas o que eu queria mesmo era escrever. Ainda tentei achar algum papel, alguma caneta, alguma coisa. Era de papel que eu precisava. Era rasgar meus pulsos que eu necessitava. Não achei, afinal. O meu bem sentiu minha falta e levantou pra saber o que estava acontecendo. Viu a mim deitada no sofá e foi lá me dar um abraço. Depois me deu a sugestão bem humorada: "Amor, aguar as plantinhas é bem terapêutico". Eu fui lá. Acho que molhei mais a mim mesma do que as plantas, coitadas.

Li um livrinho didático de espanhol da prateleira antiga e aprendi mais uns verbos irregulares. Voltei pra sala, deitei. Aí, meu coração já não pesava mais. Já consegui dormir o melhor sono do dia que amanhece. A empregada da casa chega e me vê nessa situação: dormindo de calcinha e blusa no sofá, junto com a cachorra que dormia no outro sofá, roncando que era uma beleza.

Voltei pra onde meu amor. Abracei, beijei e apertei. Aí, demos fim às urgências surgidas destes acarinhamentos. Ele saiu pra trabalhar e daqui a pouco volta com o meu cheiro do pescoço encomendado. Hoje eu escapei, no final das contas. Hoje deu certo. Hoje já é bom novamente. Hoje eu vou continuar em paz, pode ter certeza.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A fé


"Meu Deus,

(...) Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar."

Clarice Lispector, in 'Um sopro de Vida: Pulsações'.

Um dia, já há muito tempo, eu ainda era a outra Jamila. Naquela época, eu ainda passava por batalhas mais difíceis do que quaisquer que eu posso imaginar de passar por agora ou adiante, mesmo sabendo que o mundo não é fácil e que absolutamente tudo está no campo do realizável, mesmo o que não me pareça plausível.

Nesse dia, eu lembro bem de estar me sentindo melhor e já por um tempo. Eu já havia até dado testemunhos públicos da minha "cura", do meu bem-estar. Eu era uma bomba de esperança e de fé. Sentia-me eufórica. Afinal, havia passado, ao meu ver, pelos momentos mais terríveis da minha vida.

Foi quando tudo veio de novo, como viria de novo por muitas vezes mais, de uma vez, me deixando sem defesa.

Eu estava só em casa. Dada a minha melhora, meus pais e meu irmão já podiam me deixar só em casa mais tranquilamente. Eu estava só, assistindo televisão na sala, bem, muito bem. Quando veio de novo. Nesta época, ninguém tinha celular, sequer havia telefone fixo na minha casa. Perplexa e já em completo desespero, recorri à única coisa que eu poderia recorrer: a Deus, com o D ainda maiúsculo.

Praticamente me arrastando, fui ao quarto dos meus pais e me ajoelhei na beira da cama deles. Chorando como eu nunca me lembro de ter chorado na minha vida, eu pedi a Deus, com todas as minhas forças, com toda a minha fé, com todo o meu espírito, pra que aquela sensação ruim se demovesse, que eu nunca mais sentisse ela, que eu me curasse, porque, por tudo o que há no mundo, aquilo era demais pra eu carregar. Eu era só uma criança. Eu era só uma menina. Chorei minha alma pra fora naquele dia. Pedi, implorei, despedaçada, ferida, desesperada, pra que Deus me curasse. Crendo como nunca mais cri, lembrei que na Bíblia havia escrito que: "Tudo o que pedires em oração, crendo, recebereis". Eu cri. Como eu cri.

Chorei tanto e tão alto que a vizinha acudiu à porta. Perguntou se estava tudo bem, lá da janela. Eu gritei respondendo que sim. Aquele era o momento-chave. Era o meu momento com o Sagrado. Eu não poderia cortar aquela catarse, aquela expiação.

Após aquele tempo que durou um infinito, eu fiquei cansada. Botei tanta coisa pra fora, que realmente me senti mais calma. Não tinha sequer forças pra continuar a ter uma crise. Dormi por mais ou menos duas horas. Eram umas dez da noite e minha família já estava toda em casa. Ainda dormindo, senti os primeiros sintomas: o coração bateu novamente mais forte, os pensamentos desalinharam, a respiração era rápida e dura. Com um grito, meus pais correram em minha direção e o tormento durou novamente a noite inteira, enveredando pelo dia, transformando o meu sentir numa experiência excruciante de dores lancinantes na minha alma, que não me deixavam mais em paz.

A única coisa que eu escutei após esta oração foi o silêncio. E, então, algo se quebrou dentro de mim. Este algo foi a fé que eu nutri - ou melhor, fui levada a nutrir -, durante toda a minha vida, desde a minha mais tenra infância, até àquele momento. Foi neste dia que eu entendi que estava só. Que só havia eu pra sentir o que eu havia de sentir. Só eu poderia levar minha alma ferida no meu corpo fraco. Que ninguém mais, por mais que quisesse, poderia carregar meu fardo por mim.

Ciente de minha nova posição no mundo, comecei a trabalhar pra ter o controle dessa situação. E foi aí que a melhora veio e a vida foi se estabelecendo e voltando aos trilhos. Meus caminhos foram abertos, mas vi, dia após dia, minha fé se deteriorando. Eu, mesmo me sentindo culpada, vi que não havia nada que eu podia fazer. Deus só começou com maiúsculo nesta frase pra não contrariar a Língua Portuguesa, pois já não conseguia, como até hoje não consigo, ver mais sentido em sua existência, como também não na de qualquer outra força metafísica ou cosmológica.

Lutei contra isso. Afinal, o que está arraigado demora a se soltar, mas acho que soltou totalmente, de uns anos pra cá. Passei a enxergar a vida de outra maneira e já não me culpo mais por isso. Lembro de ter dito isto pela primeira vez, com o coração batendo loucamente, a um professor amigo dos tempos da Pedagogia, ainda lá na terrinha. Abri meu coração a ele, que demonstrou ser uma pessoa tolerante, que não iria me julgar, como eu sei que seria pelos outros, por mais meus amigos que fossem. Ele foi gentil e me escutou, mas também gentilmente me interpelou a voltar a ser quem eu era antes. Infelizmente, eu estava em um ponto sem retorno. Impossível ser quem eu era antes depois do que vivi.

Desde então, inúmeras interpelações, de inúmeras formas, me surgem, de tempos em tempos. Depois de uma fase onde eu era extrema crítica e intolerante, passei a respeitar as pessoas, as suas visões. Não importa muito no que eu acredito ou deixo de acreditar. Se alguém me diz que sente, vê, ouve, fala com coisas das quais eu não enxergo, eu não vou pô-la em dúvida. Pra mim, no entanto, nada acontece mais.

Chega a ser engraçado quando escuto de pessoas que, apesar de me conhecerem e saberem de todo o meu histórico, dizem: "Quando o bicho pegar pra ti, tu volta". Será se elas não sabem que o bicho já pegou? De qualquer forma, chega a ser violento o modo como alguns não me aceitam, apesar de eu oferecer nada mais do que meu apoio a quaisquer tipos de pensamentos ou condutas, desde que respeitem princípios éticos dos quais não posso transigir.

Mais uma vez, vivo estes momentos. Pessoas que eu sei que querem verdadeiramente o meu bem, chegam a mim com caminhos que eu, de todo coração, respeito e considero bons, mas que não são os meus. Talvez um dia sejam, quem há de saber? Apesar desta consciência, sei que a Vida é um moinho que roda em diferentes direções. Instável e complexa como a corrente de um rio, segue o seu curso, e eu, água que sou, flutuo por entre as pedras e por baixo das pontes, vou ao mar, viro chuva e volto a cair. Seguro, como sei que posso, nas coisas boas que o tempo me presenteia e significo minha existência de forma racional, mas válida, boa e significativa. Agarro nas mãos do tempo e rezo, pecando contra os novos princípios estabelecidos, para todas as forças presentes, mas bem visíveis. Dentre elas, a maior é o amor.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Desejo e medo

"E quantos segredos traz o coração de uma mulher?"

Minha alma é um rebuliço de sonhos e medos. E existem situações em que estes sonhos e e esses medos se tornam mais presentes no coração: quando eu começo a sonhar demais com eles. E quando um desejo é, ao mesmo tempo, um medo? Como é que faz? Quando nada na sua vida está arrumado o suficiente pra realização do sonho? Quando o tempo ainda não disse sim, apesar de sua alma estar pedindo por isso?

Ainda resta esperar, afinal. Ao mesmo tempo, me assusta e me faz vibrar. Mas dessa vez é um desejo diferente: não depende apenas de mim, e nem seria algo que ficaria por pouco tempo. Se for, quando for, não será de qualquer jeito, nem de surpresa, nem será pesado. Eu preciso que tudo seja leve. Eu preciso estar preparada pro futuro.

Que os sonhos me dêem trégua, pelo amor! Já não posso sair por aí carregando esse tanto de alma. Transborda. Nem pode ser revelado o desejo, já que é matéria complicada pra tratar 'publicamente' agora, mas está no espectro das coisas que acontecem na vida de alguém. Calma, que não é nada fora do comum.

Vamos vivendo. O Tempo sempre arruma suas respostas.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Medo também tem medo

Ontem foi mais um daqueles dias. Dia difícil, ruim, mau. Vim caminhando do trabalho pra casa com o coração muito, muito pesado.

Quando eu comecei meus diários, nos idos tempos de 2008, eu usava demais essa expressão. "Levo um coração pesado". O uso era frequente, já que o sentimento também. Eram tempos em que o sossego era só uma lembrança e qualquer manifestação do peso não era nenhum pouco "leve". Rs Contraditório, eu sei. Mas num dia de 2009, quando eu ainda mantinha os meus escritos religiosamente e a expressão continuava frequente, minha mãe me aparece com uma sacola onde eu via um pequeno tijolo. Quando eu vejo, é o livro da trilogia do Senhor dos Anéis em volume único. Com toda a disposição, li até que rapidamente. A saga do Frodo rumo à Mordor pra destruir algo que carregava consigo e que não poderia se livrar facilmente, era de identificação instantânea pra mim. Tolkien frequentemente dizia isso dos personagens: que estavam com o coração pesado.

Lembrei dessa identificação ao caminhar pra casa, coisa que sempre me traz paz. Ao mesmo tempo em que crescia uma frustração por não ter conseguido segurar antes que isto ganhasse força em mim, eu sentia raiva por ter me deixado abalar por motivos torpes. Coisas que não são problemas, muito menos meus, muito menos importantes. Mas veio. Talvez o que eu peguei foi uma carga de negatividade muito forte. Cora Ronai escreveu uma vez que Millôr, na época do Pasquim, recebia montes e montes de cartas, todas elas vivas, alegres, de agradecimento, de louvor. E as lia e agradecia, mesmo que internamente. Um dia, recebeu uma raivosa, com um ódio que não soube de onde vinha. Aquilo o abateu. E mesmo com as argumentações de que todo o resto das manifestações eram boas, Millôr não pôde evitar um dia de cabeça baixa, digerindo aquela carta. Procuro o texto original, que não acho. Mas, se não me falha a memória, disse que o ser humano é assim mesmo. Não é assim que a gente funciona.

É. O impacto negativo das coisas é maior que o positivo mesmo, infelizmente.

O 'estrago', que nunca foi culpa de alguém, ou que já não pertencia a um motivo específico, quase foi grande. Em épocas de suscetibilidades, o mal só quer uma desculpa. Convoco todas as minhas defesas, meus santos, meus patuás, meus budas, meus deuses e meus anjos da guarda pra estas horas, mesmo que não acredite em nenhum. Convoco até mesmo o deus que há em mim, num namastê individual, se é que isso é possível. O amor, claro, mais real do que nunca, vem em socorro, trazendo leveza e abrindo os meus caminhos para a paz. Momentos aliviados de respiros, conversas agradáveis de outros corações bons, os abraços, os risos e os beijos compartilhados e apaixonados. Tudo isso me trouxe 'de volta'. Se o impacto do que é negativo é grande, ele tampouco pode suportar a uma overdose de amor.

Lembrei da criança que disse que o Medo tem medo das coisas que você gosta. E com a lembrança, lembrei de novo do filme em que as crianças pequenas é que sabem os segredos do Universo.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A mão do Tempo

A vida é mesmo uma coisa estupenda. Nestes dias difíceis, de tanto trabalho, tanta pressão, tanta coisa por fazer, o amor significa não só a paixão que arde nos peitos. Significa o bálsamo pra dissipar e proteger a alma das coisas ruins que querem derrubar. Vem o amor, aquele amor bonito, leve, limpo, sendo só porque já era hora de ser. As mãos se seguram nos êxtases, naturalmente, mas a alma acalma só em saber que elas também estão ali para as horas das angústias.

As expectativas sobre os próximos dias me deixam sem saber que caminho trilhar. A vida têm sido difícil. São amigos que sucumbem ao que a gente acha que agora é normal. São pessoas próximas que não tiveram condições de continuarem esta caminhada inglória, que não paga ao espírito ou ao bolso, e que trazem louros que nem serão nossos, no final das contas.

Mas a vida é mesmo uma coisa estupenda, supracito.

Depois de uma noite sorrida, contemplada por bons ventos, com pessoas recém-conhecidas que te sorriem e se abrem, a notícia de que meu sobrinho colombiano nasceu me faz os olhos encherem d'água. Logo eu, que digo aos quatro cantos que sou pessoa dura de chorar, me vejo derramando lágrimas em pleno escritório gelado, entre os trabalhos que já têm a urgência de serem feitos.

A conexão com esta família sempre foi algo maravilhoso. Há um pouco mais de dois anos, chegava na Colômbia, depois de um frio intenso em Bogotá, na casa da família Rivaldo. Foi a Carmen que me recebeu. Uma moça negra, um pouco mais baixa que eu, e um pouco mais nova. Falamos em espanhol e eu ainda estava deslumbrada por conseguir me comunicar da maneira que eu queria, já que o meu nível nunca havia sido testado pra valer. Logo na primeira noite, saímos pra jantar um cachorro quente delicioso pertinho da casa. A cidade era bonita e eu pensei: "esse lugar é o Nordeste daqui. Tô em casa". Realmente estava.

A partir daí, a amizade só aumentou. Yesenia, a filha mais velha, era a que ia comigo pras festas dos intercambistas, quando dançávamos até o fechamento da casa. Rubys, uma mãe amorosa e calorosa. Mulher brava, que ainda chorava a morte do amado marido. Luis Manoel, o irmão mais velho que sabia que ser o homem da casa havia lhe trazido responsabilidades das quais não podia escapar, mas as desempenhava com amor. Manoel Rivaldo, o pai que já havia ido, mas que estava presente. Eu sentia, naquela casa, que a memória daquele homem era viva o tempo inteiro. Nas citações, nas canções, nos muitos retratos espalhados, no amor que não morreu com seu corpo. Saí de lá com a sensação de que eu havia sim conhecido o meu pai colombiano.

Yese me liga, há alguns meses, por um aplicativo do celular, pra me dizer que estava grávida. O namorado que havia conhecido justamente quando eu estava chegando lá, era o pai do bebê. A notícia não veio como um baque, como um peso ou qualquer outra coisa do tipo. Yesenia estava feliz por ser mãe. Todos estavam felizes pelo sobrinho que ia nascer. Eu estava exultante aqui no Brasil, sem acreditar que ia ser tia de um bebê, que se saísse à mãe, ia ser a coisa mais linda do mundo.

Ontem, a expectativa que eu nem falei pra ninguém. Há alguns dias, Yese me manda uma mensagem dizendo que Manoel Julian já estava pra vir ao mundo, em terceira pessoa, como se ele mesmo estivesse escrevendo. Ela, que não mostrava barriga até os três meses, ostentava um barrigão enorme, desses bem feitinhos, com toda a beleza e iluminação que aquela grávida poderia mostrar. Estava linda, minha irmã.

Hoje, recebo a foto do pequenino. É lindo, como eu já sabia que seria, apesar de ainda ser um bebêzinho recém-saído do quentinho que estava o ventre de sua mãe. E aí, não pude evitar as tais das lágrimas difíceis, nem o quente em meu próprio coração. Por fim, não pude evitar que uma vibração atingisse meu corpo, numa onda de arrepios, me fazendo perceber que aquilo era, nada mais, nada menos, que uma overdose de amor.

Que seja muito, muito, muito feliz, Manoel, que também carrega o nome dos meus dois avôs. Que traga ainda mais felicidade àquela família que se fez minha e que ainda hoje me trata com um dos seus, mesmo com o passado do tempo. Que o amor sempre venha em doses cavalares pra todos nós, pra que nos lembremos que a vida é, como não canso de dizer, mesmo algo estupendo.

Que a mão do Tempo nos abençoe.


terça-feira, 19 de julho de 2016

A dança da solidão

Esse negócio de amar e ser amada... Senhor! Que coisa!

Um belo dia, um grande amigo sentenciou: - Jamila, tu tem espírito de solteira! - Aí, claro, me encabulei. Como assim eu tenho um espírito de solteira? Nem cabe mais alma aqui, ora. Num já tem demais não? Será que ele achou esse absurdo porque eu estava absolutamente habituada a morar só, mesmo que a alimentação fosse frugal? Ou será se era por não esperar que meus amigos dissessem sim pro convite ao cinema? Ou será se era porque eu poderia muito bem ir a um bar e beber sozinha, sem me sentir desconfortável? Aliás, o desconforto era mais por não poder ficar sem ser incomodada por algum otário que achava que eu jamais poderia estar ali pra curtir minha própria companhia.

Pensando bem... É, de fato, eu tenho o espírito de solteira mesmo. E agora que estou numa relação, me pergunto se eu sei estar numa relação. Eu quero dar as mãos, mas caminho à frente do cidadão, com passo apressado. Eu me esqueço de convidar pra coisas. Tem horas que é como se eu ainda estivesse 'sozinha'. Um sozinha que, na verdade, nunca fui. A família que fiz aqui é grande, e tem muitos braços de amor. Mas é diferente... Por uma só ocasião tive alguém inserido na minha rotina e o hiato foi de longos quatro anos, que eu esqueci como era ter aquilo, mesmo que aquilo nunca tenha sido mesmo. Quando o moço chegou, eu apenas me deixei levar por uma onda boa, leve, bonita, como são as coisas naturais. Era e é incrível. Eu estava bem relaxada em relação à Vida. Não queria me meter em "confusões". Não achei que o coração estivesse pronto pra qualquer envolvimento. Fechei por um momento os olhos pra flutuar, estava na beira da praia. Poderia ficar de pé e voltar à superfície a qualquer momento. Relaxei e descuidei um pouquinho... Quando abri os olhos e dei por mim, já estava em alto mar, de mão dada com o moço que também se descuidou logo no mar.

Sempre soube dizer não graciosamente. Eu sou tão profissional em dizer não, que eu dava uma negativa e o sujeito me agradecia pela honestidade, por não ficar enrolando, por saber o que eu quero. De fato, eu sei o que eu quero e o que eu não quero. Até mais do que não quero do que quero. Quando o rapaz apareceu, eu só embarquei porque era bom, e a verdade era que não era nada mais que isso. Meus instintos protetivos ficaram em riste, buscando evitar algo que, a bem da verdade, estava se vendo que era inevitável. Os santos bateram, como diz o cabôco. Aí não se teve muito o que fazer, a não ser aceitar a sorte - depois de tantos azares - que a vida deu.

Eu fiquei muito tempo só. Eu me acostumei a isso. E é verdade: minha felicidade já era completa naquela solidão. E eu agradeço à solidão, à habilidade primeira de estar só e de me amar, pelo que está acontecendo agora. Por saber que me basto. Então só fica se soma, nunca se diminui. Eu sei dizer não. Se eu digo sim, é porque pode, é porque eu quero, é porque eu amo.

Vou aprendendo como é, vivendo. A dormir de conchinha, quando só dormia de bruços. A ter um cheiro impregnado no nariz o tempo todo e a não resistir em ficar cheirando o seu rosto quando, na verdade, eu já teria que ter me levantado pra me arrumar pro trabalho. Como é demorar uns cinco segundos pra cair a ficha que é a mim a quem está se referindo quando fala da namorada, um nome que eu nunca fui. Como é poder contar com alguém, dizer das feridas, dizer dos sonhos e medos, antes ou depois do amor. Vou sabendo o que é uma relação bonita, intensa mas leve, como eu sempre soube que seria, ao amor que tivesse coragem de me abraçar, mesmo com o enorme peso da alma que carrego, inclusive do tal 'espírito de solteira', que já se prova em cheque.

Bom mesmo é ser liberdade acompanhada.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

O amor, a vida e a morte

A morte.

A única certeza da humanidade. A pedra no meio de todos os caminhos. O que põe fim ao tempo. A hora da certeza mais que certa. "O único mal irremediável".

A vida.

O choro descrente de quem sentiu o ar pela primeira vez, incomodado pelo frio que faz aqui fora. O intervalo, ora doloroso, ora triunfante. A sede. A fome. O sono. As necessidades. Os sentidos. A razão.

O amor.

A pura e simples grandeza, que não se acaba com a morte e dá sentido à Vida.


Em tempos de morte, a vida persevera e o amor sobressai. Em todas santa vez que alguém se vai, me lembro de "La despedida", da Shakira. A dor do luto, seja lá de que ele for, é tamanha, que não deixou que nada restasse. Pede, com uma réstia de esperança, que quem partiu leve quem ficou até onde esteja, pois precisa do alento da presença. E diz bem alto que "quando alguém se vai, aquele que fica sofre mais". Verdade inconteste. Axioma dos aflitos.

Quando o moço dos turbantes se foi, vários derramamentos jorraram nas vestes do tempo e do espaço. De lágrimas, de tristeza, mas o mais abundante foi o de amor. Tão grande, tão intenso, tão bonito, tão sobressalente, que inundou uma cidade inteira. Balões azuis foram ao seu encontro, aos céus, repetindo o pedido da canção, mesmo que sem pedir. Nos levamos a quem se foi, agarrados pelas mãos do vento.

Ao contrário de todas as vezes, não lembrei da despedida dolorosa. Lembrei de "La vida", de Calle 13. Uma canção forte, que vai narrando do nascer ao morrer. Mesmo por certeza de que o único destino certo é a morte, a vida vibra e continua vibrando, a cada passo que damos e a cada suspiro forte.

A partida do moço também me fez tomar algumas decisões na minha vida. Em todo o tempo, nunca disse cara a cara pra alguém, que o amava. E não foi por falta de amar. Resolvi dizer a quem tem alegrado a minha vida e estado perto de mim, trazendo mais paz pra minha própria paz, que já o era antes dele. Resolvi que isso de segurar os nomes dos sentimentos, pode converter-se numa bolha monumental, onde o silêncio fala alto demais. Os pactos iniciais subentendidos, como cunhou Milan Kundera, estão sendo feitos a cada momento. E é preciso, por amor a mim mesma, que o amor seja mesmo transparente. Que nossos silêncios sejam respeitados, mas não mais amargarei a dor de calar os que não têm razão de ficarem silentes. A decisão não foi por dizer. A decisão foi por sentir.

Vivo, até que a morte colha o meu caminho. E tenho certeza, não terá sido pouco amor a alcançar-me o caminho.

Que haja mais amor. Em toda a sua extensão. Em toda a sua glória. Em todo o seu calor, para que a morte não finde a vida, que se perpetua na grandiosidade da existência.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Salve!

Dia difícil.

Há alguns dias, assim, como quem não quer nada, a vida me atropela. Um carro enorme que bateu na lateral do meu corpo, enquanto eu caminhava pra encontrar um amigo. Tínhamos feito um teatro doido pra que fôssemos comprar presentes pra quem a gente gosta. Era perto de uma data especial. O carro não pegou em cheio, não estava rápido demais. Eu lembro de, no caminho pra colisão, eu ter parado pra qualquer trivialidade, como guardar o óculos escuro na mochila ou arrancar algum chiclete que grudou na sola do sapato. Não foi tempo suficiente pra me livrar da batida, mas foi o tempo o suficiente pra eu não estar tão à frente do carro. Tive azar e tive sorte. Mãos queridas vieram em meu socorro. Lembro da hora da colisão. Do susto de perceber um carro enorme, já em cima de mim. Da queda. De estar no chão depois do baque e o primeiro pensamento ser: "Será que deu merda?" Não deu. Livrei-me por mais um dia.

Há muito tempo, depois que a fé se converteu em pragmatismo, tenho desenvolvido a tal da estranha consciência. É tempo de saber que tudo é plausível. Nada, absolutamente nada - nem o que há de ruim, nem o que há de bom - está fora do universo das coisas que te podem acontecer. Claro, nossas vida nos levam a caminhos diferentes. Estamos mais ou menos suscetíveis às coisas, que vão além do simples acaso. Mas o caso é que, enquanto seres humanos, estamos sujeitos ao mundo de coisas que, a um ser humano, é passível de acontecer. Esquecemos disso tantas vezes. Não sei nem o quanto é saudável lembrar.

Ontem, 15 dias depois que eu passei por esse susto, dois amigos meus se envolvem num acidente grave. Um pária bebeu, foi dirigir e bateu em cheio no carro em que eles estavam, ao ultrapassar o sinal vermelho no cruzamento de uma avenida movimentada. O irmão de um deles, um rapaz que eu lembro de servir drinks no Salve Rainha, morreu imediatamente. Dois sobreviveram, mas estão em estado grave na UTI. Há e não há muito o que se dizer. É óbvio que não foi uma simples fatalidade, um ato falho, um erro de cálculo. Foi fruto da irresponsabilidade total de alguém que não dá a mínima pro bem-estar de quem quer que seja, e nem pro seu próprio, já que também se pôs em risco. Foi fruto também de sucessivas falhas de um sistema que não nos comporta. Alguém que já deu perda total em três carros, não poderia estar habilitado pra estar nas ruas.

Ao mesmo em que a hipocrisia, inclusive a própria, segue estampada. Quem bebe, se droga. Isso é um fato, independente de qual seja o nosso posicionamento em relação a elas. Mesmo que seja pouco, altera a sua percepção e diminui o tempo de resposta pra qualquer imprevisto. Isso quer dizer que, mesmo que você vá mais devagar pra que não haja nenhuma complicação, se um pedestre (como eu sou), atravessar a rua, talvez você não tenha o reflexo de frear o carro quando vê-lo, como fez a motorista que me atropelou. Mas falar isso é papo furado. Você e eu sabemos disso. Você sabe disso até mais do que eu. Eu nem motorista sou.

Falando mais, há a cultura do super consumo do álcool, atravessada de machismo, principalmente. Há uma necessidade tão grande de provar-se, principalmente entre os mais jovens, que beber até cair é coisa bonita. De novo, sem hipocrisia: eu também já bebi pra ficar louca e, desconfio, se não fosse a certeza de uma ressaca homérica no outro dia, talvez isso tivesse se tornado algo frequente na minha vida. A diferença é que agora, caso eu tome a decisão de beber pra pirar de verdade, eu vou esquematizar tudo pra que a minha integridade física esteja à salvo. E, mesmo assim, ainda não será garantia de que nada irá acontecer.

A tudo isso, junta-se a extrema arrogância de quem se considera acima da Lei. Duvido que houve qualquer mínimo de escrúpulos desse canalha ao considerar que poderia se meter em alguma confusão. Pra esse rapaz, que tinha o carro do ano, importado e com airbag, uma colisão frontal nem foi muita coisa. Saiu sem um arranhão. Uma prisão também não. Fiança é apenas um prejuízo passageiro e a dor de cabeça de uma ressaca é, por sua vez, só um costume.

A questão também é: não dá pra fingir que não fazemos parte disso. Mesmo eu, que não dirijo, me coloco em risco quando entro no carro de alguém que eu sei que bebeu. A situação exige? Eu não tenho como sair de casa? Pegar táxi sozinha dá medo? E agora? Que fazer?

Em meu caso específico, é aprender a dirigir o mais rápido o possível, pra poder substituir quando o motorista do carro beber. Abster-me de álcool, quando necessário. Buscar alternativas pra locomoção, também quando necessário. Não me furtar mais. Não eu, que já perdi uma prima. Que já vi um amigo ter a vida completamente virada de cabeça pra baixo, depois de um acidente de trânsito. Não nós, que estamos aflitos, vendo os amigos queridos tentando segurar o fio da vida por entre os dedos.

De toda a forma, segue a torcida para o melhor. Se já me falta a fé, sobra a esperança. Sobra o amor, que é a força mais que perfeita em tempos tão violentos. Sobra a certeza de que a vida sempre poderá mais. E que a morte nunca será páreo pra grandeza dela, presente nos grandes corações que habitam a Terra.

Salve!

quarta-feira, 8 de junho de 2016

O conselho torto

"Vai fundo."
"Pondera."
"Respira um pouquinho."
"É, até que tu tem razão."
"Não, mana, nadavê. Se joga."

A vida, naturalmente, é contada aos amigos. Aos que também me mostram a alma. Os conselhos mais lindos, também naturalmente seguidos, ainda conservo na mente. Isso pra qualquer coisa decisiva da vida. Uma vez, um querido me disse: "Vai, amiga. Todo mundo vai tá aqui pra segurar tua mão". Mas o que mais me espantou nos últimos dias foi de outro amigo que nem mora nessas paragens quentes do meu Nordeste. Ele me disse: "Conserve seu medo".

Logo pra mim. Logo pra mim, que escrevi no último texto que tinha a pretensa habilidade de dizer não a eles. Logo pra mim, que queria que me dissesse a mesma coisa linda que o outro amigo disse. Logo pra mim, que sei que ele está certo, mesmo que eu não queira.

Complementou, com toda a sua alma de velho: "Só não deixa ele te dominar". Um conselho torto tão certo como qualquer dos demais.

Conservarei, amigo. E não se preocupe. Você me conhece, você sabe que eu não deixarei.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

As pendências

Eu acho que já tentei parar e escrever sobre isso. Não lembro. Estou há um tempinho sem computador e os dias são tão lotados no trabalho, que é raro parar e fazer o que eu estou fazendo agora, escrevendo estas urgências que me sobem no peito de vez em quando.

Dorme no meu peito, o moço. Sente meu coração bater acelerado. Eu digo que não o sinto rápido, e é verdade. Como alguém pode estar em paz e com o coração batendo freneticamente ao mesmo tempo? Aqueles dias sem o remédio devem ter mexido em alguma coisa.

Incrível que, por mais intenso que tudo tenha sido e esteja sendo, de todos os ~sustos iniciais~, eu não me senti aflita ou ansiosa. Por mais que as energias se atraíssem, ter entrado na frequência das vibrações foi uma decisão consciente. Talvez, por isso mesmo, eu sinta a tranquilidade que agora sinto. E digo: gostando demais assim. Sinto toda a embriaguez, o ardor, mas nada disso me é pesado. Óbvio, sopesam inseguranças de vez em quando. Ainda sou quem sou. Lembro das minhas histórias, do que se repetiu, dos meus medos. Lembro do que me disseram, do que ouvi falar, já que tenho também consciência de que o rapaz já era alguém bem antes de mim. Mas vivo. Uso aquela especialidade adquirida depois de tanta coisa: dizer não aos medos.

Ele me disse e é mesmo: parece que já nos conhecíamos há eras e estamos matando as saudades agora, depois de um longo tempo que não nos víamos. Um tempo que durou todo o nosso tempo aqui. Andávamos nos mesmos lugares, compartilhamos vários amigos queridos, temos ideias bem parecidas, circulávamos por aí, impunes. Mas nada... Era como se houvesse uma venda em nossos olhos. Foi deus ou foi o diabo que nos cegaram. Acho que foi deus mesmo. Achei até uma foto em que estávamos lado a lado, há uns quatro anos, olhando fixamente pra um amigo que participava de uma folia.

Éramos outros quando não nos sabíamos. Vivíamos outras histórias. Usando a mesma frase que disse a um amigo assim que cheguei em Teresina: "O meu coração é guardado". E ficou guardado durante intermitentes tempos. Pela sorte que eu teimo em ter, o moço apareceu, lá daquele nada onde moram as surpresas, quando meu coração se resolver se revelar ao sol novamente, depois de outro longo desses períodos em que se enclausurou sem lastro. Como eu disse ao moço, a Vida poderia ter nos deixado passar batido pra sempre.

"Onde se escondia?"

Vai passando o tempo. Vai ficando a vontade de dizer pra ficar mais um pouquinho. Vamos dando as mãos nas lágrimas recíprocas de dores que ainda doem, mesmo depois de tanto tempo. Vamos beijando nossas fogueiras mútuas. Vamos experimentando risadas abertas das besteiras que batem à porta. Vamos fazendo bonitas trocas disso que a gente sente e sabe, de vez em quando, o quanto é grande: de Vida.

"Vem." Ele veio.

Descontamos da conta do destino, os amanheceres que tínhamos pendentes. 


terça-feira, 24 de maio de 2016

A luz

"Tengo mucho que escribir, y poco papel
Mi honestidad es color transparente
Me puedes ver por dentro con solo mirarme de frente"

(Adentro. Calle 13)

Eu quis não me manifestar tanto sobre o dia. Eu quis deixar o meu coração guardado, mas não deu. Sem que ninguém pudesse ver, eu chorei na frente do computador desta redação, que não está vazia. Todos estão sempre tão concentrados, que nada notaram. Melhor assim. Hoje era um dia que eu disse pra mim mesma que iria convocar meu Buda e ficar bem. Buscar minha paz. Vestir a Vida e viver mais um dia, como se ele não fosse tão marcante quanto o é, de fato. Um ano, gente. Um ano. Uma volta inteira que o planeta deu ao redor do sol.

Eu não sei... É meio impossível não se deixar carregar por um sentimento não deliberável, que foi a tristeza que bateu. Sabe, eu estou bem. Acordei com "Por una cabeza" na cabeça (rs), sem qualquer explicação razoável. Nem lembro qual a última vez que eu escutei essa. Estava sendo mais um começo, de mais um dia. Aí, por um sussurro desses no ouvido da alma, lembrei. Não sou de chorar, mas chorei que me acabei antes de me arrumar.

Aí veio "Oração ao tempo", do Caetano. Veio o pensamento da inexorabilidade dele, que eu acabei compartilhando. Por mais que eu saiba que não será "possível reunirmo-nos num outro nível de vínculo", eu estou em paz. E não teria mesmo como evitar qualquer reavivamento de emoções adormecidas, se vivo num mundo hiperconectado. Como vou segurar choros e risos, se estão postando fotos dela desde o começo do dia?

E ela é linda... Meu Deus, como essa mulher era linda. Às vezes eu ficava muito besta de olhar pra Lulu e pensar: "Caralho, como assim? Essa gata é mesmo a gata mais gata circulando no mêi das gata das gata de Bacabal". E dizia isso pra velha, que se acabava de rir. Aliás, qual era a conversa nossa em que a gente NÃO se acabava de rir, né? Todos sabiam que era a prioridade absoluta pra mim, em Bacabal.

Lááá pra outra era de 2008, era uma época em que eu ainda não tinha ainda passado no vestibular. Estava melhorando de todo o turbilhão. Já mantendo-me estável por períodos longos. As crises tavam lá, mas eu já tinha internalizado o mantra do "vai passar". Eu já dormia com Lulu desde que uma de minhas primas se casou, desde os 14 anos, com poucos hiatos de intervalo. No supracitado 2008, eu lembro bem de ter começado meu diário e acordar todos os dias às 5 da manhã pra desligar o ar-condicionado no palitinho, com o olho fechado mesmo, e voltar a dormir até 11 horas. Tinha dia que aquela égua me acordava esfregando um PAU, isso mesmo: um P - A - U nas minhas ------> nádegas. Pra ver como o gene da fulerage é algo herdado mesmo. Era um pedaço de pau que ela usava pra segurar um pano que cobria a janela no lugar, naquela época.

A véia já tinha operado do coração. Tinha que fazer exercícios. Foi quando achamos que era melhor caminhar na Praça do Bom Pastor todas as manhãs. Juro, a mulher pendia tanto que parecia um pinguim ao caminhar. Nessa época, alguns bebês da família nasceram. Toda rolinha que ela via sentada na rua, dizia: "Ó o Tamuel! Ô neném bêta!". Aí ficavam as duas rindo dessas besteiras. Todo santo dia, era pra ela que eu contava os meus sonhos ainda fresquinhos. "Menina, tu ao meno ora antes de dormir? É por isso que tu fica sonhando besteira!". Nem lembro, Lulu... Eu acho que eu ainda tinha minhas conversinhas com deus. De todos os segredos, esse seria o mais bem guardado: eu não te contaria que não estamos mais, eu e ele. 

Um dia, um homem, o mais aleatório possível, passou pela gente na nossa caminhada. Ele virou pra mim e soltou: "Você vai viver muito por causa disso". Só falou isso e foi-se embora. Tomara, cara. Lulu passou o dia inteiro bestinha por causa disso. Ela sabia que era porque o cara tava me vendo ali, com ela, cuidando, sendo a bengala daquele pinguinzinho bonito.

A luz. 

Era um ser forrado de luz. Lucila. Do latim, podre de chique. Luminosa. Esse nome que tá aqui tatuado no pulso direito. A mais-que-perfeita escolha pra conjugar o verbo amar, substantivado num nome.

Muito bonito o meu amor. Muito linda. Muito perfeita. Muitas saudades. A tristeza é pela falta, mas meu coração está descansado. Eu sei que ela tinha mesmo que ir e que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Você foi, Lulu, mas você não vai nunca. Minha descendência saberá de ti. A descendência da minha descendência saberá de ti. Quem se aproximar de mim, saberá de ti.

"Saberás que não te amo e que te amo
Posto que de dois modos é a vida
A palavra é uma asa do silêncio
O fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para começar a amar-te
Para recomeçar o infinito
E para não deixar de amar-te nunca:
Por isso não te amo, todavia.

Te amo e não te amo como se tivesse
Em minhas mãos, a chave da fortuna
E um incerto destino desditoso.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
E por isso te amo quando te amo"

(Neruda, Pablo. Poema XLIV. In: Cem Sonetos de Amor)

sábado, 23 de abril de 2016

Adventure Time

Se existe uma coisa da qual eu não posso reclamar, é de que a minha vida é sem aventuras.

Lógico, não chega a ser assim um ano de política brasileira, mas é um lance assustador a quantidade de aleatoriedades que me surgem, senão o tempo todo, mas de tempos em tempos.

Saca aquele filme que mostra o efeito borboleta? Parece que é isso que está acontecendo comigo. São várias coisas ao mesmo tempo, várias decisões que eu tenho que tomar, e que podem afetar fortemente como será a minha vida. E não falo de um futuro distante. Falo de um futuro muito próximo. É como se cada pequena decisão que eu tomasse agora, tivesse o poder de me catapultar pra destinos completamente diferentes. Isso já acontece com todo mundo, evidentemente. A diferença, desta vez, é que eu estou enxergando as possibilidades da minha tomada de decisões. Eu posso tanto estragar tudo, quanto posso ser presenteada pelo acaso. Eu posso tanto esperar pra ver no quê que dá, quanto perder oportunidades que, talvez, não apareçam mais, pra coisas que eu quero e espero há muito tempo, já.

Sei lá, cara. Cansei de esperar. Cansei de coisas irrealizáveis. Sabe aquela sensação que tem um mundo lá fora e você se enclausurou por conta das impossibilidades, que você já até sabia que eram impossíveis?

Eu tô confusa. Eu queria ser mais desapegada com as coisas, com as pessoas, sei lá. Mas é foda.

Vai dar certo. Sempre dá.

quarta-feira, 30 de março de 2016

O luto

Está chegando abril. Em maio, fará um ano sem meu amor.

Nesse ano vivido sem a pessoa que foi o meu maior refúgio no mundo, eu teimo em ser feliz, sabe? E olha que não foi pouca água derramada, nem foi pouca a tristeza das circunstâncias, da falta, da não-despedida. Eu senti muito um impacto de não estar lá. Isso doeu bastante, mas não mais que a própria perda, que seria inevitável mesmo se tudo tivesse acontecido como eu imaginei, como já vinha prevendo desde que passamos aquela noite de mãos dadas. Era notório que o crepúsculo se aproximava.

Talvez por já não ter a presença dela diariamente há muito tempo, eu me mergulhei por um tempo na boa e velha negação. Fiz o mesmo com outros lutos. Vestia a vida e ia, não como se não tivesse acontecido, mas como se não tivesse acontecido tanto. Encontrei a medida pra tentar continuar minha e vida e aguentar o peso de estar mais só, mas qual não foi essa solidão, hein?

Nos sonhos, ela sempre vinha. Ela ainda continua vindo, na verdade. O último que eu tive com ela, eu tinha a louquíssima missão de ajudar, nada mais, nada menos, um Faraó ressuscitado a encarar os dias de hoje. Aí, por ter ajudado o cabra, ele me "presenteou" com uns minutinhos com ela. Louco. Em uma das tantas casas alugadas que eu morei em Bacabal, traziam-na do corredor. Ela vinha caminhando, ladeada por duas pessoas que a seguravam até a cadeira que a esperava na pequena sala. O lugar se enchia de gente e eu arrastava uma cadeira e ficava sentada frente a frente com ela, que estava muito, muito velhinha como nem o era, com os cabelos todos branquinhos que só se vendo.

Ela olhava pra mim... Era bastante óbvio o quanto ela estava feliz por me ver. Era um sorriso tão bonito, tão faceiro, tão dela. Ela não dizia nada. Eu entendia que ela não podia. Mas eu podia.

Eu afastava meu corpo mais pra frente e dava aquele abraço profundo. Passava a mão nos cabelos dela e dizia: "Lulu, eu te amo muito. Muito!". E era só isso que eu conseguia dizer. E olhava pro rosto dela, afagava e só sabia repetir isso. Aquele abraço que ela me deu foi a única forma dela me dizer o mesmo. Que bom que os meus sonhos com ela são assim. Meu cérebro tem horas que me ajuda, compensando o que não pôde se resolver na realidade.

Quando eu paro pra pensar na Lulu, eu sinto tristeza, ainda. Eu não nego a vontade de chorar, nem as lágrimas que ainda descem. Mas eu muito mais rio do que choro. A tristeza vem mais quando eu lembro do que aconteceu, do baque, do susto, de pensar que tudo estava bem, mas na hora não estava, e que o que tinha acontecido, dessa vez, era incorrigível. Ai, um absurdo. Eu passei dias com um grito seco na garganta, que não saía de jeito nenhum. Uma pressão no peito que não achava jeito. Até que fui caminhar e numa área bastante deserta perto da minha casa e gritei. Gritei mesmo, pra caralho, deixei sair. Ajoelhei no chão e chorei até a última gota de lágrima que ainda tinha restado. Acho que o meu coração suspirou um pouco.

Nas caminhadas de hoje, de vez em quando eu lembro dela. Falo dela, como sempre falei, pros colegas de trabalho, nas redes sociais, nos escritos, e são sempre coisas boas que vêm à boca. E eu entendi que a memória dela é cada vez mais viva, mais buscada, mais feliz. Que, mesmo que ainda lacrimeje, eu sorrirei muito mais. Que o amor que a gente sentia, essa conexão inexplicável das nossas almas, não morreu. Tudinho tá bem dentro aqui. Meu amor, meu tanto amor, é minha raiz e eu vou carregar essa mulher, essa tão amada mulher, como um privilégio, até o dia da minha própria morte.

Tudo bem que você foi, sabe, Lulu? Você tinha que ir mesmo, eu sei. Eu tô aqui pra lembrar de você.

domingo, 27 de março de 2016

O tempo certo

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

(Carlos Drummond de Andrade. Trecho da poesia "Ao amor antigo")


Uma vez, uma prima minha me contou uma história, que eu já sabia, mas não sabia tanto. A adolescência dela foi pelos anos 90, enquanto eu ainda andava nos cueiros pra lá e pra cá, lá na terrinha. A época era toda diferente. A vida, na verdade, era bem diferente do que costuma ser hoje. Dos rapazes da rua, um era bastante interessado nela desde sempre, desde que todos nós podemos nos lembrar. Ela seguia numa resistência que só uma moça criada no interior sabe engendrar. O rapaz avançava, ela retrocedia, o rapaz dava em cima, ela cortava, o rapaz queria, acabou que no final, ela ficou querendo também. Eles deveriam ter, sei lá, uns 15 ou 16 anos na época. Começaram a namorar daqueles namoros bonitinhos de adolescentes. Nada do que não fosse solenemente permitido, é claro.

Numa viagem de moças da capital pra terrinha, eis que o rapaz cresceu o olho pra uma. Era bonita, charmosa, tinha aquele ar metropolitano, aquela coisa diferente. Ele não resistiu e, se o espírito não me engana, deram lá seus beijinhos. Minha prima soube. Com o orgulho próprio que corre o sangue de todos da minha família, soçobrou a fúria daquela paixão adolescente e disse adeus pra nunca mais ao rapaz genuinamente arrependido. Não houve protesto, panelaço, apitaço, greve de fome, cartazes levantados, não houve Deus e não houve diabo que a fizesse perdoar.

Os ânimos se acalmaram. Ainda eram vizinhos, afinal. Ainda tinham muitas coisas em comum. Ainda havia amor, no final das contas. Mas aquela chama, aquela coisinha que ela carregava, foi apagada com terra. Não era por falta de tentativa. Era por falta. E por mais que ela procurasse dentro de si, esquadrinhasse cada um dos muitos compartimentos do seu coração, ainda assim, não achava o que pudesse reacender o que quer que fosse. E assim tudo continuou, pro desespero do rapaz.

Anos e anos e mais anos depois, ela me conta a história. Entre risos, verdadeiramente sem rancores ou nostalgias. E me disse, quando eu ainda morava na terrinha, que mesmo com tantos anos e com tantas voltas do mundo, o rapaz ainda carregava uma esperança, mesmo que muda. E eu senti uma tristeza muito profunda por ele, porque vi que era além de orgulho o que havia ali. Era o tempo que tinha passado. Era ela que havia curado.

Desde então, eu estou convencida de que as coisas têm um tempo. Não falo de nada metafísico, cósmico, essas coisas. Não acredito que haja alguma interferência. Mas acredito piamente que coisas que deixam de acontecer no tempo que elas têm pra acontecerem, se perdem. Quando falo nisso, claro, não me baseio nessa única história. Eu me baseio em todas as minhas experiências. Vi fogueiras recíprocas serem apagadas gradualmente pelos impedimentos. Vi conexões que se perderam porque não houve coragem pra se enfrentar o medo. Vi que coisas muito lindas não aconteceram porque os indivíduos nela deixaram o tempo passar, para além da salvação.

Sou nova ainda. Apesar de já ter visto e vivido muitas coisas, tenho a plena consciência de que não vi tudo. Tenho raiva das histórias em que eu me meto, das semelhanças, das confusões. Desta vez, sinto que é pra mim que o tempo está prestes a passar. Posso visualizar, mesmo que ao horizonte e um pouco distante, isto passando. Indo embora. Saindo pela janela, como eu implorei para todos os deuses que eu conheço e nem acredito, para que assim o fizessem. Eu trabalhei pra isso. Eu sabia que era necessário, desde quando soube, desde quando as palavras foram registradas naquela telinha, comigo naquele bar, há quase um ano. Quantas vezes eu não peguei o celular pra as ler novamente? Pra me convencer, por a+b, que se pode fazer tudo o que há no mundo, menos deliberar sobre os sentimentos. Se nem os próprios, imagine os alheios.

E que estranho ver o tal do tempo passar. Que estranho saber que, daqui a pouco, a não ser que ocorra um cataclisma, eu também vou procurar aqui, esquadrinhar os meus quartos, e não vou achar. No momento, é uma mistura muito forte de melancolia e sensação de dever cumprido. Como se eu pudesse me orgulhar por ter feito o que eu pude, que eu trilhei o meu caminho, que eu sabia que seria possível me despedir sem rancores, nem mágoas, nem arrependimentos, de um sentimento meu que já não me servia mais. Que estranho saber que, mesmo assim, o amor permanecerá. Que tampouco ele será o mesmo. Não vai carregar mais aquele fado da urgência, não terá mais oportunidades de doer. E será tão, mas tão leve...

Tenho a certeza de que, em algum momento, algo vai acontecer, sabe? O inesperado é meu amigo e a minha vida é uma coletânea de eventos improváveis. E sei, do fundo do meu coração, que quem tiver a coragem de se deixar ser amado por mim.... Ah... Esse vai conhecer a felicidade.

Estou certa em minhas previsões?

Que o clichê dos clichês responda essa por mim: só o tempo, aquele tempo, dirá.


segunda-feira, 21 de março de 2016

A estranha consciência

Há algum tempo, entendi que praticamente tudo pode me acontecer. Quando eu falo tudo, é tudo mesmo. Vinha caminhando do trabalho pensando nisso. Todos dizem que é super arriscado, que eu não deveria fazer isso, que eu deveria juntar grana pra comprar um carro. Não importa muito se nem passa pelo hall das minhas prioridades. Mas, pelo caminho, e pelos acontecimentos desses últimos dias, eu fico realmente achando que estou completamente só. Exposta a qualquer tipo de coisa, desde as piores desgraças às maiores bênçãos. Que eu posso tanto ganhar na loteria, quanto ser atropelada por um carro e morrer na hora. A minha vida pode simplesmente se esvair, a qualquer tempo, sem explicação. Que eu estou sujeita ao que todos estão. Às doenças incuráveis, a que um raio me parta o corpo, a que um assalto me custe a vida. Não há nada de inaceitável ou mirabolante nisso.

Mas, incrivelmente (ou não), essa consciência não me amedronta a ponto de me fazer deixar de viver. Aliás, não me amedronta em quase nada, eu acho. Carrego, claro, os meus temores, mas todos eles são normais. Já não me levam a lugares ruins. Só me fazem estar completamente ciente de que eu sou alguém e que o acaso pode simplesmente se descuidar de mim. Posso muito bem levar uma topada e arrancar a unha do dedão, como posso cair de mau jeito e quebrar o pescoço. É, caras. Acontece. Não tem gente que morre porque entalou dum caroço de ervilha? Então! Mesmo sabendo que tudo isso pode me acontecer, eu continuo caminhando pra voltar do trabalho. Se as coisas acontecem, a minha liberdade não “aconteceu”. Tive que lutar por ela em várias frentes e ainda continuo. O medo existe, mas a necessidade de promover paz pra minha cachola ainda é maior que ele.

Porém, se há essa parte pessimista deste tipo de pensamento - mórbido, até! -, há também a parte positiva disso tudo, que cada vez me acompanha mais. É de que, na mesma medida que me podem acontecer coisas ruins, podem também me acontecer coisas boas, muito boas. Assim, inesperadas. E se as coisas podem simplesmente acontecer, não faz muito sentido eu não tentar que elas aconteçam, certo? Por que ter medo de concorrer a uma bolsa, por exemplo, se aquilo precisa ser de alguém? Otimismo seria conferir os números da mega-sena sem nem ter jogado. E, pra falar a verdade, todos os sonhos sonhados até aqui, os maiores, os mais difíceis, os mais inconcretizáveis, foram realizados. E eu me sinto muito orgulhosa da existência, ainda que ela não contemple todas as expectativas que eu fiz quando eu tinha meus 15 anos. Se a vida é moinho, eu já fui moída várias vezes por ela. É preciso respeitar a minha história e ser orgulhosa dela.

O que eu quero dizer (eu acho), é que a vida é sujeita. Sei que coisas ruins podem me acontecer, porque isso também fez parte da minha experiência. Então não é plausível que eu, deliberadamente, ignore estas opções. Mas não pense o leitor que é do meu feitio me fiar nelas. Não. Se o acaso me levar, levou. Se as merdas acontecerem, eu vou lidar com elas. Não vai ser tão de boa quanto soa este pretensioso texto, mas é só nisso que posso pensar. Funcionou, até agora, repetir e internalizar o lance do “vai passar”. Saber que te podem acontecer merdas e coisas muito massas, te deixa até mais preparado pra tudo. Nada é absurdo. Alguém aí entende o que eu quero dizer?

Sabia que apenas uma parte ínfima do espaço ao redor do nosso planeta é vigiado? Isso quer dizer que, literalmente, a qualquer momento, pode aparecer um meteoro tão gigante quanto o que dizimou os dinos e mandar todo mundo pras cucuias. Isso aí mesmo. Mas, por alguma razão, eles vêm pequenos demais e caem nos oceanos, assustando alguns peixes, ou dão aquela desviada da rota de colisão. Não vai rolar o Independence Day tão cedo, galera. Dá pra sossegar quanto a isso.

Talvez eu só tenha encontrado alguma medida pros meus medos e frustrações e colocado eles na condicional. Talvez tudo isso seja um escapismo louco. Talvez eu tenha achado alguma resiliência depois das porradas da vida. Vai ver ter lido Pollyanna quando eu era criança tenha dado birolha no meu cérebro. Um monte de talvezes aí que eu, juro, não sei responder. Mas o que eu acho é que essa porra dessa vida, mesmo tendo experimentado o que ela tinha de pior pra oferecer, ainda vale à pena. O que eu tenho certeza é que eu estou mais tranquila. Ainda se escutam músicas, ainda se bebe, ainda as crianças riem, ainda os casais fazem amor.

Tudo tende ao caos. Tudo tende ao equilíbrio.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Cólera

De repente, me deu uma vontade danada de escrever até as mãos rasgarem. Até meus pulsos deslocarem. Até dar LER na porra toda. Até os dedos racharem. Até que eu saiba que tudo, tudo isto é um grande desvario de gente louca. Que os céus se varram em tempestades e sequem as águas do mar e tudo o que nelas há. Escrever até um furacão me levar daqui e me deixar bem longe, onde nada disso importa, e tudo será um passado que eu não lembrarei mais.

Quero escrever até sair a minha alma do meu corpo. Quero me ver sentada, furiosa, séria, ignorante, BRUTA, no meio de todos os destroços que virará este lugar, ofendendo a quem se aproximar de mim, xingando até que todos despertem na madrugada e gritando, berrando, obliterando todo o ódio que carreguei no meu ser até hoje, desde e sempre e para sempre.

E que se dissolva corpo ser alma flor o de bom e o de ruim em palavras, porra! E que eu mande este medo, este anseio, este ardor para o quinto dos infernos, para o raio que o parta, para o diabo que te carregue, para a mais longíqua puta que nos pariu a nós todos.

Não quero. Não sei se quero escrever. O que eu quero é gritar as palavras infames que guardo nas caminhadas, que não saem, que me revoltam. Gritar pros infelizes dos carros pra tirarem aquelas merdas da calçada, que eu existo, caralho! Eu quero voltar na porra do tempo e entregar a merda dos cinquenta reais que tinham na minha bolsa pro cara que tava revirando o lixo logo na porra da porta do meu condomínio. 

Quero que se foda a quem quero que me foda com fúria e desejo, na minha cama, todos os dias, todos os respiros, todos os ais, em todos os toques que me dou, como se fosse matar esta tara permanente e ácida que já me enerva os sentidos, e que eu sei que não vai. Quero dizer que já não aguento mais, por favor, dê logo um jeito nisso. Cure isso. Enfia. Eu estou quase implorando, molhada, apertando as pernas por baixo da mesa.

Eu quero escrever até que não sobrem mais restos do que escrever. Até que o mundo se desintegre, que nossas partículas nos consumam e que nem vidas futuras, nem as passadas, existam. Que toda a História humana, do mundo, do tempo, não passe de uma partícula tão minúscula, mas tão minúscula, que seja chamada novamente de Universo.

Eu quero escrever até descer o sangue.



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

"Caindo a noite, me lanço no mundo..."

Momentos únicos de liberdade. Ah, eu nunca mais tinha tido.

A última vez que consegui sentir absolutamente livre de tudo e de todos, eu estava fazendo 25 anos. Era um dia que aqui na terrinha, a gente acha frio. Mas pra lá, pros cantos do Sul, era quente. Não faz tanto tempo assim, mas o muito de coisas que sobreveio depois disso, me fez sentir uma sincera falta dessa sensação.

Lá vou eu pro carnaval de Recife e Olinda. A primeira vez que eu pisei nesse carnaval, em 2014, "meu coração chega bateu", como diz a criança assustada. Foi amor à primeira vista. Todo o desgaste físico de se estar pulando freneticamente, subindo ladeiras e andando, durante o dia, e de se caminhar horrores, pular durante horas (parada), vendo show dos maiores nomes da música nordestina e brasileira... Ah. Foi demais pra mim. Eu pedia pra voltar. Minha alma pedia pra voltar.

Com todas as dificuldades próprias de minhas viagens, não foi fácil. E se eu não conseguisse a folga na quarta-feira de cinzas à tarde? E se não tivesse ônibus com horários viáveis? E se a grana tivesse pouca pra alugar uma casa? E se... E se... E tanta coisa, minha gente.

Apareceu jeito. Ônibus pra depois do trabalho. Chefe que liberou. Casa pra ficar. Pessoas pra estarem comigo nas 18 longas horas de viagem. O cansaço, ao final, era tanto, que eu me perguntei mesmo o quê que eu tava fazendo. Moça, o estilo de vida não tá te dando mais aquela vitalidade toda não, tá sabendo, né?

Passando por cima de tudo isso, fomos. Eu mais quatro amigos, todos queridos, todos amados, todos bons. Depois do banho e da viagem de uma hora de Jaboatão dos Guararapes pra Recife, pisei no Recife antigo, caminhei pro Marco Zero e senti de novo a vibração. Mas ainda não tinha sentido toda.

Antes de ir, levei as três mangueiras compradas pela monstruosa quantia de 12 reais, pra vender nas ladeiras, como da vez passada, uma por dia que eu ficaria por lá. Vendi tudo, mas meus amigos estavam cansados e, de verdade, eu sabia que a vibe deles não era a mesma de quem gosta mais de Olinda. Aquilo acabou me afetando. Ainda não tinha sentido tudo.

No outro dia, foram ao mar, sem mim. Eu tinha que encontrar os amigos que se hospedaram em Olinda. Armada com as armaduras de São Jorge, fui. Sabia que a multidão estaria ensandecida, que seria perigoso, que se não desse certo de nos encontrarmos no ponto marcado, eu estaria completamente entregue à minha própria sorte. Como sempre.

Tentei, com toda a minha força, tentei. Mas fui parar em um lugar muito longe do meu ponto de referência e a quem eu perguntava, a informação era diferente. Ia e voltava que nem uma barata tonta e a multidão não dava trégua. Até que depois de perguntar ao último vendedor de cerveja, e de ele muito me explicar, e eu de pouco entender, pensei: "É, cara. Não vai rolar. Vou curtir mesmo meu carnaval só". O vendedor me deu uma cerveja de graça, mesmo eu insistindo em pagar, só pra que a decisão começasse bem. Agradeci com um sorriso e com uma dose gratuita de mangueira. Eu senti minha sorte mudar. 

O bloco passou e eu fui junto. Já escurecia na bela Olinda e já não havia medo em mim. Nada, nenhuma réstia. Como carregava uma plaquinha que dizia: "Venha provar o sabor do Piauí / Dose: 2,00 R$", as pessoas me paravam o tempo todo. Queriam ler o que dizia a diaba. Uns achavam que o que custava dois reais era eu, o meu beijo. haha Não. Não me ofendia com a confusão. Tudo era propositalmente metafórico mesmo. As pessoas ficavam impressionadas. Elas queriam a cachaça. Elas queriam saber. Elas pediam pra tirar foto. Elas pediam pra que eu provasse antes. Elas faziam careta e diziam que era horrível, que descia rasgando. Elas diziam que era fraca, mas de primeira. Elas diziam: "bota logo duas, já tô fudido mesmo".

Subi o Alto da Igreja da Sé, pra ver o pôr-do-sol mais lindo. Já estava meio bêbada, de tanto provar as mini doses pedidas pelos "clientes". A sensação daquilo não foi normal. Avistei o único espaço vazio que havia na muretinha e caminhei até lá. Senti o vento no rosto. Um homem que estava do meu lado,  mas ainda um pouco distante, falou: "Lindo, né?". Eu disse que sim. Ele me instigou a sentar à beira daquele precipício de uns 3 a 4 metros e eu, morta de medo da altura, disse que não conseguiria. Coloquei uma perna. Ele disse que me ajudaria. Mas sozinha mesmo, sentei com as duas pernas pra fora. Ele começou a dizer que ele morria de medo do filme do Edward mãos de tesoura, mas que quando tinha dez anos, decidiu que ia ver repetidamente, até perder o medo. Hoje, é o seu filme favorito. E eu disse que também tinha estado com medo de estar ali "só", mas que estava sendo o meu dia favorito.

De repente, me vi. Eu estava só com a parte de cima do biquíni, com uma placa sugestiva, com uma garrafa de mangueira numa mão, um copo de dose em outra, a blusa amarrada no short, com várias cédulas de dois reais no bolso, levemente bêbada, acompanhada temporariamente de um desconhecido, vendo um pôr-do-sol mágico, sentada com os pés pra fora de um precipício. Gostei do que eu vi. O quadro ficou bonito, como é bonito um beijo coroado.

Passaram mais blocos. Passaram mais gentes. Gentes que me viam e riam e pulavam comigo. Gente do Piauí que começava a gritar. Gente de outras terras que dizia "mas era melhor cajuína, moça". Senti. Acompanhando o último ou penúltimo bloco, ao ouvir aquelas marchinhas de carnaval das antigas, eu senti. Estava maravilhosamente abençoada pelo frevo, pelo vento, pelo tempo. Os olhos enchiam constantemente de água e todo o cansaço ia embora quando as mãos se levantavam pra acompanhar o passo do tocador.

Senti-me cuidada pelos meus amigos. Senti-me cuidada até pelos estranhos, como na hora que eu dizia que estava perdida, e eles diziam, muito de boa, que eu poderia me juntar a eles. Senti que eu posso esperar ainda as muitas surpresas da Vida. Não preciso me preocupar, Ela se encarrega de mim. Mais uma vez, com todos os aperreios próprios a que se emblematiza a minha existência nesta Terra, eu posso confiar de que eu ficarei bem.

O muito de vida que me correu não sairão em todas as palavras que poderiam. Não. Deixa elas aqui. Eu cuidarei bem de todas elas.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O tal do diálogo

Uma das proposições do âmbito pessoal mais firmes que eu tomei para este ano, era de que eu me predisporia mais ao diálogo. Tanto nas minhas questões próprias, como nas minhas relações com os amigos, quanto nas diversas profissionais que adquiri na segunda metade do ano passado pra cá, o desafio diário é me manter serena, mas firme, quando algo conflitante vir à tona.

Meu temperamento é conciliatório. Mesmo. Não sei creditar se isso é algo da minha natureza, ou se é resultado de uma carga idiota de ansiedade que me vem quando estou em uma situação conflitante. Não só o conflito em si, mas quando eu sinto o cheiro da injustiça, seja em mim, seja nos outros. O desafio, quando sou forçada a enfrentar essas situações - e cada vez me surgem mais! - é me manter no eixo. Em um estado equilibrado em que eu posso ouvir e falar, escutar acusações e me defender, ou mesmo acusar e ouvir as defesas. A questão também vai além da minha individualidade. É cada vez mais difícil ouvir palavras alarmantes de gente que você ama e quer bem. Até porque levei bem à sério de que tudo o que me era tóxico deveria ser eliminado sumariamente da minha vida. Por um tempo, isso foi verdade. Mas o negócio é que o buraco é bem mais embaixo quando se é adulto e se tem novas responsabilidades, das quais você não pode esquivar.

De verdade, não tenho mais paciência pra gente babaca. Mas a outra verdade é que gente babaca está aí no mundo, pensando e produzindo babaquices à torto e à direita. Aos desonestos intelectuais, fascistas e idiotas pedantes que se acham a própria piroca do Kid Bengala: meu nojo, mas não a indiferença. Eu sei o quão é devastador o efeito que ocorre quando as excrescências abrem a boca. Essa merda é antiga e, por isso mesmo, muito mais fétida. Pra mim, essa galera que usa a mídia pra pregar o mal precisa é ser combatida. É você pegar um Bolsonaro desses de calças curtas, provando ponto por ponto, como o seu discurso é ignorante, como naquele vídeo que a Revista Nova Escola fez pra provar que ele mentia, nas redes sociais.

Talvez, por isso mesmo, resolvi me abrir verdadeiramente ao diálogo. Que seria tentar entender que as pessoas estão em processo de crescimento (todos nós!), e que muita gente nunca foi e dificilmente será apresentada a contrapontos de conceitos que já estão solidificados há trocentos zilhões de anos em suas cabeças. O diálogo não é calar diante das coisas. Claro, em alguma medida, precisa haver o silêncio para que se possa ouvir o que o outro tem a dizer e, principalmente, o que o leva a dizer aquilo.

Pra sair da divagação, um exemplo prático:

Estava no trabalho, na escala do plantão. Um rapaz que começou na empresa há pouco tempo falou daquelas coisas que vai no meio do juízo de qualquer feminista. Não lembro bem o porquê, mas toquei no assunto da violência doméstica. Ele disse, com a sua voz baixa, que "parece que tem mulher que faz é gostar de apanhar!".

Oxalá já seja ao leitor (?) bem clara, a obviedade do erro na frase. Mas entendi que, praquele rapaz, era muito lógico afirmar isso, já que, ora, como pode uma mesma mulher apanhar por anos a fio e "aceitar" calada àquela situação? Só pode é não achar tão ruim assim, não é mesmo?

Se fosse há um ano atrás, esse rapaz teria se arrependido da graça. A voadora ia ser bem no mêi dos peito, pra ele aprender. Não foi assim, no entanto. Fui explicar que não existe isso de mulher que gosta de sofrer violência doméstica. O que existem são mulheres que são pobres demais pra prescindir do sustento financeiro do companheiro, ou que são ameaçadas constantemente de coisas piores, ou mulheres que já estão tão arrasadas psicologicamente, que acham que realmente fizeram por merecer o castigo físico e psicológico que recebem. Ele disse, meio envergonhado: "É mesmo, né?". 

O caso é que ele iria aprender mesmo, se eu tivesse dado a voadora: a não expôr mais, talvez só na minha frente, o seu machismo, o seu senso comum. Identificar uma situação que pode ser didática sempre será melhor, pois pode refletir em um aprendizado real. E não, não estou cobrando paciência de ninguém. Cada um sabe de si e eu compreendo que existem situações muito mais difíceis e traumatizantes pras pessoas que passaram. Se eu já tivesse sofrido violência doméstica, não iria garantir tanta paciência assim, por exemplo. Mas sim, me sinto à vontade pra apontar que certas coisas não são estratégicas e que podem gerar muito mais atrito e separação do que o crescimento das pessoas envolvidas na situação. O caso do rapaz da empresa é bem diferente do taxista que falou as coisas mais horríveis sobre mulheres que têm vida sexual ativa, pra mim e pra duas colegas. Ali, realmente, foram necessárias respostas fortes, até pra ele pensar duas vezes em dizer de novo aquelas merdas por aí.

Repare bem: não estou dizendo aqui que discursos de ódio devem ser tolerados, nem tô passando paninho pros "frutos da sociedade" degenerados por aí. Isso daí, inclusive, tem que fazer é barulho mesmo, juntar forças, buscar reparação judicial, etc. O que eu digo é que é preciso saber diferenciar o joio do trigo. Eu estou realmente de muito saco cheio do binarismo, da briga esquerda x direita, dessa mania chata de se achar superior e achar que o outro é um completo babaca, se não pensa i-gual-zi-nho à você.

Sacar que o lugar de fala é importante não te faz complacente com nada, só te faz mais útil à qualquer causa que você apoie e também protege a sua sanidade mental. Se você tem argumentos, não precisa temer o diálogo com quem também se mostrou aberto a ele. Claro que outras questões também estão imersas. Por mais argumentos que eu tenha, talvez eu seja silenciada quando falar com alguém que tenha uma autoridade institucional maior que a minha. A vida é bem mais escrota mundo afora. Por isso mesmo, identificar o lugar de fala é imprescindível. Conhecer o lugar em que você está na ciranda, te faz enxergar tanto as suas suscetibilidades quanto os seus privilégios e te faz identificar onde você precisa se fortalecer.

Voltando ao começo do texto: tenho várias destas suscetibilidades. Já sofri por não poder me defender e vou ao último dos infernos todas as vezes que percebo que estou sendo feita de otária. Estou me fortalecendo para o diálogo mesmo, no sentido de também conseguir falar e expôr as minhas opiniões de maneira concatenada, como sei que consigo.

No mais, fica a dica™ de que o mundo não está tão dividido quanto a gente imagina. O cara que passou na televisão porque salvou o bebêzinho de morrer afogado é o mesmo que colocou veneno na carne e deu pro cachorro do vizinho, que latia demais. O cara conservador que disse, na sala de aula, que cotas pra negros é racismo reverso, foi o mesmo cara que decidiu sair do armário e assumir o namorado em uma família três vezes mais conservadora que ele. O mundo não é binário. Não somos duas massas amorfas guiadas por um pacote ideológico fechado, uma lutando contra a outra. As coisas e pessoas estão bem mais imbricadas do que é útil a quem não interessa o diálogo.

Como disse, esse é um propósito. Algo que estou trabalhando, aprendendo, mudando. Vejo os frutos graduais, como a melhora das relações com meus pais, só pra citar um dos exemplos. Olhar pra quem eu era há seis anos também me faz querer conversar mais. Quando eu puder, é claro. :)


Update: A ironia deste texto é que, no último, mandei até o povo tomar no cu. hahaha Mas tô chamando pro diálogo, não pra ser o Dalai Lama.