Hoje, numa conversa com amigos muito queridos, acabei me lembrando da história dos meus pais.
Eles eram daqueles apaixonados inveterados. Era só olhar pra eles e ver o quanto que a paixão que sentiam era furiosa. Esta é a impressão que eu tenho, pelo menos, quando o passado resolve abrir suas portas nas histórias contadas por quem testemunhou a vida. Papai era aquele homem que ficava doente quando uma peleja se metia no meio da sua relação com a amada. Não tenho muitas informações de como mamãe era quando eles namoravam, mas eu sei que ela era uma mulher bem mais leve do que por um tempo foi. E que bom que ela recupera essa leveza progressivamente.
Mas o amor não foi o suficiente pras intempéries da vida. Logo, ficou claro que aqueles gênios fortes não sabiam conviver. Os rumos que as coisas foram tomando e a maneira como eles lidaram com elas foi moldando essa união gradativamente. E é com tristeza que eu rememoro de que em nenhum dos meus 27 anos de vida, eu vi meus pais felizes enquanto casal. Os momentos de troca de carinhos eram tão raros e o espanto que eles nos causavam era tão grande, que se cristalizaram na memória como a curva de uma estrada há muito retilínea. Ter visto tanto tempo o casamento de meus pais me ensinou algo: fosse como fosse, eu jamais me permitiria repetir algo assim.
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Hoje, nesta cama em que escrevo, meu amor me beijou como meu corpo gosta de ser beijado. Como ele sabia, desde o começo, e como as descobertas novas, a cada encontro, a cada acerto, a cada gemido, ensinaram, nas inumeráveis e sucessivas vezes que fizemos amor. Só podia ser já o amor que fazíamos desde aqueles primeiros tempos, em que fingíamos que o que a vida nos mostrava não era nada demais. Medo de novas feridas próprias, medo de ser o motivo da ferida. Mas, muito mais do que um encontro perfeito de corpos, a minha alma foi quem achou um lugar de sossego. Um peito pra se acolher. Um oásis no meio de todas as confusões. Eu só posso pensar, cética que sou, que ele era o carma que ainda me era devido. Que eu caminhei pra encontrá-lo, mesmo sem saber, e que só o pude ver quando nós estávamos prontos.
Mais uma vez ele volta pra tão longe, deixando uma saudade tão bruta, tão apertada, tão dolorida, que eu só posso chorar mais uma vez a dor pra fora e lembrar que sairemos mais fortes disso tudo.
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Meus pais, eu já sei, me fizeram herdar muito de si, muito mais do que eu imagino. Como eles, eu sei que eu não vim ao mundo pra sentir de pouco. Só serve se for de muito, derramando dos depósitos, inundando uma casa, fazendo chover chuva substancial, brotar nascentes e nascer árvores. Forte, intermitente e infindável. Meu amor faz nascer até um oceano, evoluindo a vida pra fora d'água. É enorme, e só pode ser enorme o que a gente ousa chamar de amor.
Que a vida, com todo o seu maravilhoso senso de oportunidade, continue nos dando passagem. Essa é a minha oração.
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