A tela branca. Estive escrevendo
textos na minha cabeça desde a hora que acordei, às 6:30 da manhã, com mais
zuadas insuportáveis me incomodando o juízo – dessa vez, a obra que o condômino
inventou justo uma semana depois de eu ter renovado o contrato de aluguel – e
não parei até esse momento em que, finalmente, deixo isso acontecer. A tela
branca. A tela branca não é a ideal pra mim. Apesar de eu, modéstia
completamente à parte, ser uma ótima prestidigitadora e meus dedos conseguirem
compilar os meus pensamentos mais rapidamente, isso nunca superará a folha
branca, o movimento de só uma das mãos, o deslizar para a seguinte página com
um senso de dever cumprido, de um derramar que não se acaba. Não deixa de me
dar prazer o ato de registrar, seja como seja, os pensamentos confusos em uma
folha branca. Ou amarela, ou preta, ou de qualquer cor.
E não lembro bem sobre o que
escrevi na cabeça esse tempo todo. Alguns assuntos recorrentes, só. Apareceu a
solidão, o amor, a espera, a saudade, o reencontro. Lembranças dos dois
frenéticos dias que passei em Bacabal e encontrei a minha avó lá, sentada,
morta de chique no melhor restaurante da cidade, linda, reluzente, feliz e
cercada de gente que é tão louca por ela quanto eu. Foi uma viagem de doido,
essa. Eu queria ir pro aniversário dela, que seria no domingo, mas soube que
trabalharia no sábado pela manhã. Por uma série de coincidências terríveis,
acabei chegando em casa muito mais tarde do que gostaria e deitei morta de
cansada na minha cama. Liguei pra casa e soube que o aniversário, mesmo sendo
no domingo, iria ser comemorado ainda no sábado. Foi aquela hora que eu me
lembrei a idade que ela estava fazendo. Lembrei dos meus planos pro futuro.
Lembrei que ela é preciosa demais pra que a minha preguiça me vença. Lembrei,
já com lágrimas nos olhos, de que a mulher que eu amo raiando a idealização,
não é eterna.
Tomei um banho rápido, botei o
indispensável numa bolsa de plástico dessas de evento, encarei a longa viagem
de ônibus de casa pra rodoviária e comprei a última passagem do último ônibus
com horário viável pra que eu chegasse lá. Comprei e saí desabalada pra plataforma
onde o carro já estava só embarcando os últimos passageiros. Fiquei com sede
até chegarmos à próxima cidade. O estranho é que, durante a viagem, um rapaz
que estava sentado algumas poltronas atrás da minha, não parava de me olhar. E
toda vez que descíamos, ele me olhava. A única coisa que me chamou atenção
nesse rapaz era que ele era a cópia quase perfeita de alguém que eu já amei
muito, durante muitos anos, num amor contundente e firme, mesmo quando os laços
já tinham sido desfeitos havia muito. Era como se fosse uma versão bem mais
jovem de quando eu o conheci. Incrível como antes isso teria me latanhado o
coração, mas os instintos me vieram apenas dessa forma: surpresa pelo
parecimento. Graças à Vida, já ocupa outro espaço no coração.
Cheguei lá. A ponta da igreja, a
ponte, o rio. Mas também os buracos, a lama, a pobreza. É sempre um misto
enorme de coisas que me vêm quando vou pra lá. Sou saudades e revolta, ambas em
grande quantidade. Mas, pulando essa parte, fui pra casa, mas não daria tempo
pra me arrumar pra chegar ao restaurante. Resolvi ir como estava, de havaianas,
cabelos desgrenhados, blusa regata. Mesmo assim, a velha me viu e deu um grito,
causando ciúmes nas outras primas. Mas elas não sabem que eu sou parida por
esta velha e ela é parida por mim? ¯\_(ツ)_/¯ E a ingrata ainda
viajou no outro dia, me deixando de coração partido.
Passei só dois dias com ela e nem sei quando nos veremos de novo. Nem o
calendário me pertence mais nessa indefinição permanente dos dias. Mas deixe
estar... Vou acumulando aqui os cheiros e aprendendo mais músicas em espanhol
pra performar pra ela e só pra ela, com toda a sanha de atriz mexicana que eu
carrego, que trago de algum lugar inexplicável. Talvez seja dela.
*Escrito há alguns dias atrás, lá pelo dia 5 ou 6 de Fevereiro. Ia postar, cabou a internet. Tá aí. Melhor que nunca. rs
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