quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A tela branca

A tela branca. Estive escrevendo textos na minha cabeça desde a hora que acordei, às 6:30 da manhã, com mais zuadas insuportáveis me incomodando o juízo – dessa vez, a obra que o condômino inventou justo uma semana depois de eu ter renovado o contrato de aluguel – e não parei até esse momento em que, finalmente, deixo isso acontecer. A tela branca. A tela branca não é a ideal pra mim. Apesar de eu, modéstia completamente à parte, ser uma ótima prestidigitadora e meus dedos conseguirem compilar os meus pensamentos mais rapidamente, isso nunca superará a folha branca, o movimento de só uma das mãos, o deslizar para a seguinte página com um senso de dever cumprido, de um derramar que não se acaba. Não deixa de me dar prazer o ato de registrar, seja como seja, os pensamentos confusos em uma folha branca. Ou amarela, ou preta, ou de qualquer cor.

E não lembro bem sobre o que escrevi na cabeça esse tempo todo. Alguns assuntos recorrentes, só. Apareceu a solidão, o amor, a espera, a saudade, o reencontro. Lembranças dos dois frenéticos dias que passei em Bacabal e encontrei a minha avó lá, sentada, morta de chique no melhor restaurante da cidade, linda, reluzente, feliz e cercada de gente que é tão louca por ela quanto eu. Foi uma viagem de doido, essa. Eu queria ir pro aniversário dela, que seria no domingo, mas soube que trabalharia no sábado pela manhã. Por uma série de coincidências terríveis, acabei chegando em casa muito mais tarde do que gostaria e deitei morta de cansada na minha cama. Liguei pra casa e soube que o aniversário, mesmo sendo no domingo, iria ser comemorado ainda no sábado. Foi aquela hora que eu me lembrei a idade que ela estava fazendo. Lembrei dos meus planos pro futuro. Lembrei que ela é preciosa demais pra que a minha preguiça me vença. Lembrei, já com lágrimas nos olhos, de que a mulher que eu amo raiando a idealização, não é eterna.

Tomei um banho rápido, botei o indispensável numa bolsa de plástico dessas de evento, encarei a longa viagem de ônibus de casa pra rodoviária e comprei a última passagem do último ônibus com horário viável pra que eu chegasse lá. Comprei e saí desabalada pra plataforma onde o carro já estava só embarcando os últimos passageiros. Fiquei com sede até chegarmos à próxima cidade. O estranho é que, durante a viagem, um rapaz que estava sentado algumas poltronas atrás da minha, não parava de me olhar. E toda vez que descíamos, ele me olhava. A única coisa que me chamou atenção nesse rapaz era que ele era a cópia quase perfeita de alguém que eu já amei muito, durante muitos anos, num amor contundente e firme, mesmo quando os laços já tinham sido desfeitos havia muito. Era como se fosse uma versão bem mais jovem de quando eu o conheci. Incrível como antes isso teria me latanhado o coração, mas os instintos me vieram apenas dessa forma: surpresa pelo parecimento. Graças à Vida, já ocupa outro espaço no coração.

Cheguei lá. A ponta da igreja, a ponte, o rio. Mas também os buracos, a lama, a pobreza. É sempre um misto enorme de coisas que me vêm quando vou pra lá. Sou saudades e revolta, ambas em grande quantidade. Mas, pulando essa parte, fui pra casa, mas não daria tempo pra me arrumar pra chegar ao restaurante. Resolvi ir como estava, de havaianas, cabelos desgrenhados, blusa regata. Mesmo assim, a velha me viu e deu um grito, causando ciúmes nas outras primas. Mas elas não sabem que eu sou parida por esta velha e ela é parida por mim? ¯\_()_/¯ E a ingrata ainda viajou no outro dia, me deixando de coração partido.

Passei só dois dias com ela e nem sei quando nos veremos de novo. Nem o calendário me pertence mais nessa indefinição permanente dos dias. Mas deixe estar... Vou acumulando aqui os cheiros e aprendendo mais músicas em espanhol pra performar pra ela e só pra ela, com toda a sanha de atriz mexicana que eu carrego, que trago de algum lugar inexplicável. Talvez seja dela.

*Escrito há alguns dias atrás, lá pelo dia 5 ou 6 de Fevereiro. Ia postar, cabou a internet. Tá aí. Melhor que nunca. rs

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