O declínio do amor romântico
Uma história popular relata o caso de uma jovem que desejava muito viver uma relação de amor e então deixou um bilhete num local onde seria fácil de ser encontrado. A mensagem era a seguinte: “A quem encontrar este bilhete: eu te amo.” Parece improvável? Mas é isso mesmo o que acontece por aí, só que de forma mais sutil.
Na verdade, não faz muita diferença quem encontre o bilhete. Quantas vezes ouvimos a descrição do parceiro amoroso de alguém como sendo uma pessoa maravilhosa, bonita, inteligente e quando somos apresentados a ela levamos um choque?
O amor romântico não é construído na relação com a pessoa real, mas sobre a imagem que se faz dela, trazendo a ilusão de amor verdadeiro. Deseja-se tanto vivê-lo que, quando alguém o critica, provoca grande desapontamento. Não é para menos. Nada pode unir tanto duas pessoas como a fusão romântica.
A questão é que, por mais encantamento e exaltação que cause num primeiro momento, ela se torna opressiva por se opor à nossa individualidade.
Vivemos um período de grandes transformações no mundo, e, no que diz respeito ao amor, o dilema atual se situa entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade. É inegável que a fusão proposta pelo amor romântico é extremamente sedutora. Que remédio melhor para o nosso desamparo do que a sensação de nos completarmos na relação com outra pessoa?
No entanto, quando alguém alcança um estágio de desenvolvimento pessoal em que descobre o prazer de estar sozinho, se dá conta de uma profunda mudança interna. Preservar a própria individualidade passa a ser fundamental, e a idéia básica de fusão do amor romântico, em que os dois se tornam um só, deixa de ser atraente. Quanto à possibilidade de as pessoas alcançarem essa independência, existe certo pessimismo, alimentado pela crença de que o desejo de fusão com o outro está arraigado aos nossos ideais. Não participo muito dessa convicção.
O terapeuta e escritor Roberto Freire afirma em um dos seus livros que lhe custou muita dor, solidão e desespero aprender que sentir amor era uma potencialidade vital sua, produção criativa própria, e que para amar dependia apenas dele mesmo. A expressão e comunicação do seu amor eram produtos da liberdade pessoal e social conquistada. “Em minha inocência e ignorância, eu atribuía a algumas pessoas o poder de liberar, produzir, fazer exercer-se e se comunicar o amor em mim e de mim. Esse amor pertencia, pois, exclusivamente a essas pessoas, ficando eu delas dependente para sempre. Se, por alguma razão, me deixassem ou não quisessem produzi-lo em mim, eu secava de amor e — o que é pior — ficava em seu lugar, na pessoa e no corpo, uma sangrenta ferida, como a de uma amputação, que não cicatrizaria jamais.”
Por enquanto, não há dúvida de que desejar viver relações de amor fora do modelo romântico pode ser frustrante. As pessoas são viciadas nesse tipo de amor e fica difícil encontrar parceiros que já tenham se libertado dele. Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. As mudanças são lentas e graduais, mas definitivas, nesse caso.
Para quem imagina que vai perder alguma coisa ao desistir do amor romântico, Bonnie Kreps, cineasta canadense que escreveu um livro sobre o assunto, é animadora.
Ela diz que deixar o hábito de “apaixonar-se loucamente” para a novidade de entrar num tipo de amor sem projeções e idealizações também tem sua própria excitação. É a mesma sensação de utilizar novos músculos, que sempre tivemos, mas nunca usamos por causa de nosso modo de vida. Entretanto, ao começar a utilizá-los podemos fazer com nosso corpo coisas que antes nunca conseguimos.
Para ela, os músculos psicológicos também existem e devemos olhar através da camuflagem do mito do amor romântico a fim de encontrá-los — e, então, ver com o que se parecerá o amor quando mais pessoas começarem a flexioná-los.
Quem sabe não teremos grandes surpresas?
Regina Navarro
Uma história popular relata o caso de uma jovem que desejava muito viver uma relação de amor e então deixou um bilhete num local onde seria fácil de ser encontrado. A mensagem era a seguinte: “A quem encontrar este bilhete: eu te amo.” Parece improvável? Mas é isso mesmo o que acontece por aí, só que de forma mais sutil.
Na verdade, não faz muita diferença quem encontre o bilhete. Quantas vezes ouvimos a descrição do parceiro amoroso de alguém como sendo uma pessoa maravilhosa, bonita, inteligente e quando somos apresentados a ela levamos um choque?
O amor romântico não é construído na relação com a pessoa real, mas sobre a imagem que se faz dela, trazendo a ilusão de amor verdadeiro. Deseja-se tanto vivê-lo que, quando alguém o critica, provoca grande desapontamento. Não é para menos. Nada pode unir tanto duas pessoas como a fusão romântica.
A questão é que, por mais encantamento e exaltação que cause num primeiro momento, ela se torna opressiva por se opor à nossa individualidade.
Vivemos um período de grandes transformações no mundo, e, no que diz respeito ao amor, o dilema atual se situa entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade. É inegável que a fusão proposta pelo amor romântico é extremamente sedutora. Que remédio melhor para o nosso desamparo do que a sensação de nos completarmos na relação com outra pessoa?
No entanto, quando alguém alcança um estágio de desenvolvimento pessoal em que descobre o prazer de estar sozinho, se dá conta de uma profunda mudança interna. Preservar a própria individualidade passa a ser fundamental, e a idéia básica de fusão do amor romântico, em que os dois se tornam um só, deixa de ser atraente. Quanto à possibilidade de as pessoas alcançarem essa independência, existe certo pessimismo, alimentado pela crença de que o desejo de fusão com o outro está arraigado aos nossos ideais. Não participo muito dessa convicção.
O terapeuta e escritor Roberto Freire afirma em um dos seus livros que lhe custou muita dor, solidão e desespero aprender que sentir amor era uma potencialidade vital sua, produção criativa própria, e que para amar dependia apenas dele mesmo. A expressão e comunicação do seu amor eram produtos da liberdade pessoal e social conquistada. “Em minha inocência e ignorância, eu atribuía a algumas pessoas o poder de liberar, produzir, fazer exercer-se e se comunicar o amor em mim e de mim. Esse amor pertencia, pois, exclusivamente a essas pessoas, ficando eu delas dependente para sempre. Se, por alguma razão, me deixassem ou não quisessem produzi-lo em mim, eu secava de amor e — o que é pior — ficava em seu lugar, na pessoa e no corpo, uma sangrenta ferida, como a de uma amputação, que não cicatrizaria jamais.”
Por enquanto, não há dúvida de que desejar viver relações de amor fora do modelo romântico pode ser frustrante. As pessoas são viciadas nesse tipo de amor e fica difícil encontrar parceiros que já tenham se libertado dele. Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. As mudanças são lentas e graduais, mas definitivas, nesse caso.
Para quem imagina que vai perder alguma coisa ao desistir do amor romântico, Bonnie Kreps, cineasta canadense que escreveu um livro sobre o assunto, é animadora.
Ela diz que deixar o hábito de “apaixonar-se loucamente” para a novidade de entrar num tipo de amor sem projeções e idealizações também tem sua própria excitação. É a mesma sensação de utilizar novos músculos, que sempre tivemos, mas nunca usamos por causa de nosso modo de vida. Entretanto, ao começar a utilizá-los podemos fazer com nosso corpo coisas que antes nunca conseguimos.
Para ela, os músculos psicológicos também existem e devemos olhar através da camuflagem do mito do amor romântico a fim de encontrá-los — e, então, ver com o que se parecerá o amor quando mais pessoas começarem a flexioná-los.
Quem sabe não teremos grandes surpresas?
Regina Navarro
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