terça-feira, 6 de outubro de 2015
"...Mas eu sei que alguma coisa aconteceu"
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Os velhos da vida
E foi tranquilo e terrível por isso. Depois foi tranquilo de novo. Como sempre é.
sábado, 12 de setembro de 2015
Sobre o "vai passar"
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Os meninos
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
Pra não dizer que eu te abandonei, Liga.
domingo, 2 de agosto de 2015
A grosseria
Deixei teu nome na cabeceira, antes de dormir
Coloquei-o embaixo da pia, ao lavar a louça
Fechei a porta do banheiro pra ele, quando entrei
Escondi-o dentro da última gaveta do guarda-roupa
Abandonei entre uns papéis velhos do armário
Deixei na lavanderia de molho durante dias
Varri, passei o rodo nele, pano de chão com desinfetante
Joguei pela janela do apartamento
Ficou na gaveta vazia de legumes da geladeira
Não paguei a passagem pro teu nome no ônibus
Botei a vassoura detrás da porta
Teu nome ficou lá
Triste, jogado pras cobras, abandonado
Me olhando com cara de cachorro molhado.
E depois de tantos maus-tratos
Creio, teu nome uma hora sairá pela porta
Mas apesar de todos os esforços
De toda a má-educação
Toda a grosseria e impolidez
Ainda não quero que vá.
quarta-feira, 29 de julho de 2015
Antes de Morfeu chegar, o que chega
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"Minha querida, acorde que meu braço não tem mais uma gota de sangue!" |
Mais uma vez, dormi muito mal. Não que isso seja uma novidade. Já há muito tempo que eu não sei mais do que se trata esse fenômeno que acontece geralmente à noite com as pessoas, chamado pelos cientistas de "dormir". Ou demoro um tempo ridículo ou durmo e vou acordando sucessivas vezes durante a noite. Geralmente, quando a primeira coisa acontece, aí é tentar ficar de boa, já que já já que aparece uma lapada de pensamentos e eu faço a coisa que eu fui feita pra fazer: pensar até rachar meu cérebro. Eu dava certinho sendo aqueles gregos que não faziam porra nenhuma da vida, não davam um prego numa barra de sabão pra passar o dia todinho pensando nas grandes questões filosóficas. Porra, Platão, apaga esse sol que eu quero continuar dormindo na caverna, caralho!
PS: Senti incômodos depois que publiquei esse texto. Principalmente por ter rasgado no Facebook, coisa que não costumo fazer. Quem é leitor do blog (!) ou me conhece um pouco mais que superficialmente, pode entender melhor o que eu queria falar. A questão toda do texto era que, pelo menos na minha experiência, a felicidade é algo a ser trabalhado diariamente de maneira racional. Não é você simplesmente pesar os fatos que acontecem na vida e decidir que, por eles, você pode ser feliz. Se for por aí - se eu fosse por aí - teria muito mais motivos pra estar triste do que alegre, pra falar a verdade. Talvez seja preciso que você tenha que se enganar, rasgar a razão do desespero e ressignificar as coisas pra poder ter um pouco de paz.
Também me incomodei por não ter citado em momento algum que essa conquista de hoje não foi um esforço puramente pessoal. Depois que fui acometida pela síndrome do pânico, o processo de cura foi longo, custoso e principalmente doloroso. Mas eu não estava sozinha. Felizmente, a minha família, amigos e dois profissionais excelentes vieram em meu socorro. Aos trancos e barrancos, investimos dinheiro, tempo e paciência e pudemos ver os frutos da minha melhora. Obviamente que nem o melhor psiquiatra ou psicólogo do mundo poderia fazer um bom trabalho se, em primeiro lugar, eu não estivesse mais do que disposta a levar um tratamento à sério. Estava. E essa foi a minha parte da decisão de parar de sofrer daquela forma. Sei que falar disso é um assunto complicado. Tenho absoluta empatia por quem sofre de qualquer sofrimento psíquico e sei que a minha experiência não é universal. Muita gente sofre de mais de um transtorno e as dificuldades são enormes de acesso a um tratamento adequado. Dinheiro, apoio emocional, distâncias geográficas (eu, que morava no interior, tinha que me deslocar toda semana pra capital, longe, pra fazer as sessões) e profissionais verdadeiramente competentes (me meti em umas duas enrascadas antes de achar). Isso fora todo o estigma posto em cima de quem sofre, mesmo que esses tipos de doenças sejam cada vez mais comuns em pessoas cada vez mais jovens, como no meu caso. Aparecem pessoas muito bem intencionadas, mas elas estão submersas no senso comum. De repente, a tua doença é culpa tua. "Tenha força de vontade!", "Se você tivesse um pouco mais de fé...", dentre outras bobagens que nos dizem. Pra mim, a religião em que eu estava passou a me fazer mal. Meu transtorno foi atribuído a alguma espécie de possessão e eu fui submetida a coisas que é melhor pra minha sanidade nem lembrar, por pessoas - friso! - muito bem intencionadas (ou não, né? Quero crer que sim.)
Agora com algumas questões pontuadas, volto a repetir: minha felicidade foi conquista. Sentir-me bem com a minha existência hoje e já há algum tempo deu trabalho, mas valeu à pena. Não serei leviana com a minha história de não me sentir orgulhosa disso. Se pra outras pessoas, essa satisfação sempre foi uma coisa que rolou, ótimo. Ótimo mesmo. Tenho arrepios em pensar numa sociedade onde todos fôssemos doentes e incapazes de experienciar isso desde cedo.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
A procura
Teu nome é do tamanho de um suspiro. Tão delicado quanto uma flor. Teu nome é a luz que me clareia. Teus olhos, tão lindos, estão nos meus, me chamando de meu bem. Teus olhos chamam. Entro no teu coração, o culpado, pra ficar lá, quieta, esperando tu chegar. Os pensamentos de chamar te chamam, te gritam. Quantos pensamentos de chamar já não te lancei? Não há como escapar do teu encanto. E eu jamais quis fugir dele, meu amor.
Tu é a fogueira. Tu é o fogo. Tu é um estado. Tu é a tua mão. Uma grande metonímia humana. O todo pela parte, a parte pelo todo: tu era teu coração e teu coração era tu. Não se cala. Teimosa, não se cala. Nunca o fez. Jorrou em mim sua vida como quem esquece dos seus efeitos. Feiticeira nata, das que jogam feitiços sem saber. Meu nariz deteriora sem cheirar teu cheiro, por que foi feitiço forte, conjurado desde a pedra fundamental da Terra, de que teu olor me faria voltar pra ti, mesmo que eu andasse e percorresse todos os confins desse planeta. E eu feneço a cada dia que sei que tu, ingrata, foi embora de mim.
Há algo no firmamento estranho hoje. O céu esteve mais azul do que antes e ventou como não costuma. Sentindo tu, mulher, em meus sentidos, respirei daquele ar, te absorvendo, enchendo meus pulmões de ti, procurando desesperadamente o teu cheiro. Só enquanto eu respirar, vou procurar por ti. Eu sempre vou procurar por ti. E mesmo achando teu cheiro só nos ventos que não costumam, resisto ao teu conjuro e torno a viver.
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Pensamentos de fim
sexta-feira, 26 de junho de 2015
15 dias de palavras acumuladas
(Era uma quinta, ao meio dia, que ela me disse dela.)
Puta que pariu. Era show do Buena Vista Social Club. O único e o último que eu teria oportunidade de ver na vida, já que era a Adiós Tour, passando por algumas capitais brasileiras. Lembro de ter visto no feed de notícias, o moço confirmando a presença no evento e de ter planejado a viagem justamente pra coincidir com a data. Sem grana, deixei pra lá a oportunidade de comprar o ingresso pela internet e, quando eu fui atrás no sério, já tinham esgotado todos. Fiquei triste. Mas, por uma sorte sem fim, consegui comprar um dos últimos ingressos. Chorei, dancei, gritei, me acabei. Enchem os olhos só de lembrar. Tinha hora que eu ficava só lá, parada, embasbacada, contemplando. Absolutamente sem acreditar. Que noite linda. Que noite linda.
(Era uma quarta à noite.)
***
Carinhos, mãos, línguas e dedos. A própria pele. Mamilos, cabelos, saliva e até suor, mesmo no frio. Fluídos. Era inacreditável. Eu disse. Era nervosismo, ansiedade, era o novo, tão esperado. Foi descanso, foi carinho, foi orelha que não se aguentava, foi abraço, foi conversa. Foi tudo. Foi um. Foi pouco.
Foi muito.
(Era quinta, numa manhã de manifestos.)
***
Danei a falar. Mas é que passava tanto tempo calada ou conversando só comigo mesma, nas andanças intermináveis ao centro, que parecia que nunca mais eu iria ter esse poder de novo e tinha que aproveitar os últimos momentos. A estrada era tão linda. Vieram histórias, avós (a minha e a alheia, que eu aproveitei por uns dias), avôs e outras amenidades. Veio tanta coisa a ser lembrada. Não sei. Era como se não fosse dar tempo pra contar tudo o que eu tenho pra contar. É, eu estava certa. Não deu. Mas eu sei que nem se fosse um mês de contatos ininterruptos, também não daria. Devo ter enchido o saco de tanto falar, mas não conseguia me segurar. Talvez fosse de novo o nervosismo ou talvez me achasse muito à vontade ao seu lado. Uma mistura dos dois.
Pegamos a estrada pra uma viagem curta, bonita. No começo dela, as urgências, as provocações. Também não deu pra segurar. Não con-se-gui. Não estava em nenhuma prova de resistência... rs
Não fazia tanto frio como eu imaginei. Nenhum dos dois casacos pros diferentes frios foi necessário. Ficamos vendo as cidades que dava pra ver da Serra, depois de um almoço faraônico, onde eu pouco comi, com esse meu estômago de passarinho. O moço sentia dores físicas. Eu pouco podia ajudar.
Voltamos. Passamos pela cidade onde morou maior parte da vida. Pegamos a estrada de volta e só o que eu sabia era falar. Meu deus... Que perversidade. Que bom que, pelo menos, o moço disfarçou a encheção de saco que aquela falação toda se tornou. :D
Chegamos. Estava mal. Conversamos. Ia ficar tudo bem. Não precisa nem pedir pra compreender. Já estava compreendido há muito tempo, desde que eu soube.
(Sábado à noite. Fazia frio, mas o coração batia quente.)
***
Meu aniversário. Saí de casa com uma coisa tão boa nos sentidos. A cidade foi tão boa comigo esse dia, que eu mal acreditava na impossibilidade de estar ali, justo nessa data que eu gosto tanto. Fui, mais uma vez, direto ao centro. Mesmo num curto período de tempo, já sabia onde eram meus refúgios: o Mercado Público, a Casa de Cultura, o banco da praça e o próprio caminhar. Depois de umas confusões, peguei um barco pra cidadezinha do lado. Coisa mais fofa, aquela orla. O vento era frio, mas fazia sol e eu tinha a agradável sensação de estar sendo presenteada pelo tempo. Não foram poucos os pensamentos olhando praquele rio, nem poucos os sorrisos que meus amigos e familiares próximos, mesmo de longe, me provocaram. Estava tão sozinha, mas ao mesmo tempo, tão completa... Naquele momento, eu me bastei. Sentei num dos bancos de uma estrutura que havia e passei um tempo imprudente com aquela sensação, entregue a mim mesma, me sentindo feliz. Esqueci de tudo por não só um instante. Fechei os olhos e senti a leveza de estar, ser e continuar sozinha o resto da minha vida, no sentido mais primeiro da solidão, mas ser o suficiente.
Havia um restaurante pequeno, mas muito acolhedor na orla do rio. Entrei, me sentindo confiante. Era relativamente chique pros meus padrões, que não costumo frequentar esses lugares assim, pela simples ordem da vontade. Era meu dia, eu podia tudo! Alguém que parecia ser o dono ou o gerente do lugar me atendeu e anotou meu pedido. Eu expliquei como queria o ponto da carne e acho que devo ter falado demais, já que ele falou, já meio irritado: "Entendi, entendi!"
Logo após, um garçom muito amável me atendeu. Ria pra mim com um sorriso bonito, sincero. Fez-me sentir como alguém que era querida ali. E não, ele não estava dando em cima de mim. Estava tão somente me tratando bem, com amabilidade. Deve ser um bom anfitrião, esse senhor.
Voltei à cidade, no mesmo barquinho. Olhando para o rio (era rio mesmo?) e percebendo que eu tinha uma sorte danada de estar ali, onde eu queria estar, fazendo o que eu queria fazer.
Mas ainda não era o suficiente. Eu ainda o queria. Três encontros esparsos, poucos, que não me mataram uma vontade desgraçada que eu carregava pra onde eu ia. Tinha se tornado inerente, a vontade. Esperei, esperei, esperei... Nada. Queria o abraço esmagador que tinha me prometido, mas não só ele. Quis muito, acabei ficando sem nada. E o mais louco é que eu fui explorar a cidade à noite, mesmo com o meu medo provinciano. Vesti um vestido lindo, me pintei, botei o salto e saí no meio do mundo, atrás de alguma diversão no trecho boêmio da capital. Olhei praquele lugar, a única parte que me pareceu agradável foi uma livraria, onde me comprei um livro do Galeano. A atendente me indicou um barzinho legal, mas tava fechado... Acabei entrando num que, aparentemente, estava vazio. Não estava. Assim que sentei, o garçom veio me dizer que, nos fundos, estava tendo um grupo de samba sem couvert (sei lá como se escreve). Mais gente, mais animado. Já que tá no inferno, dá logo um abraço no capeta. Fui lá. Chamei a atenção. Talvez muito mais por ser uma mulher sozinha do que por quaisquer de meus atributos. Claro, tinha o fato de eu ser diferente de todas as mulheres que estavam por lá. Todas as poucas seguiam o padrão da mulher branca, loira e de olhos claros. À parte do resto, havia um grupo de umas dez pessoas que comemorava o aniversário de um deles, também. Inclusive, cantaram parabéns pra ele e eu lá, fazendo de conta que era pra mim, também. Sambava lá, só. Não me lembro de já ter feito isso. Estava estranhamente feliz. Era como se eu tivesse um segredo muito legal. Não estava bêbada, tampouco estava sóbria. Alguns chopps e eu, sabendo da minha pouca resistência, resolvi parar. Afinal, ainda era cidade desconhecida, eu ainda estava sozinha, ainda teria que voltar pra casa em um estado apresentável.
Até que se manifestou e eu, depois da raiva inicial, entendi. Falei isso: entendia. Entendia. Puta que pariu, como que eu poderia não entender? Queria ter lhe dado um abraço naquela hora. Não o mesmo, das outras vontades.
Foi quando eu joguei logo a farofa no ventilador, disse que amava mesmo, tava nem aí. Mas que também sabia o que era aquilo. E eu tinha plena consciência, mesmo ébria, que tudo o que foi possível viver ali, teria sido impossível se dependesse de mim, se estivesse ainda acometida. Por isso sabia que ele era corajoso. Por isso disse que tudo estava bem, porque realmente estava. Por isso que sabia que precisava dar um freio à paixão, mas não ao amor.
Quem tem pressa é a paixão.
(Era segunda, foi dia e noite. Completava meu primeiro quarto de século.)
***
Pela manhã, depois da noite parcialmente dormida, decidi não sair de casa. Tinha a mala pra organizar e não lembrava de ter algo que eu realmente gostaria de fazer, que ainda não tinha feito, na cidade. Se sobrou, fica pra próxima. O voo seria à tardezinha, no crepúsculo. Lembrei que ele nem sabia e me despedi, sem pensar que ainda haveria qualquer possibilidade de encontro naquele dia. Saio hora tal, chego hora tal. Beijo. A gente ainda vai se ver... Etc. O susto quando disse que daria tempo. Eu não criaria expectativa, já que dependia de outros fatores, como o transporte intermunicipal. Se desse, seria ótimo. Se não desse, tudo bem.
Deu. Ainda bem que deu. Eu já tinha estourado o horário do embarque. Já tinha despachado mala, feito check-in, tudo no mundo. Mas aquela viagem ainda me devia um beijo de despedida. Meu coração batia descompassado. Ao mesmo tempo que queria demais vê-lo, se eu perdesse o voo, eu estaria só com as roupas do corpo numa cidade de frio insalubre pra mim. Chegou e eu tive que segurar minha onda. Beijei, mesmo com todo aquele papo de deixar paixão pra lá. Eu sou uma sem palavra mesmo! E não foi só um, foram vários! Hahahaha
Subi no avião da volta com uma sensação que poderia ser considerada oposta completa da da ida. Se o coração estava pesado, voltou leve. Voltou feliz. Voltou sabendo que fez o que tinha que fazer.
(Terça, dia do pôr-do-sol mais lindo da vida.)
***
Esse escrito já é de muito tempo, dado a tudo o que já aconteceu depois. A mulher dos primeiros parágrafos, se foi. Esperou que eu chegasse, pra não atrapalhar essa viagem, eu acho. Olho todos os dias pra ela, em uma fotinha mental e me declaro como sempre, como sei. Quanto ao moço, sua mão estava longe quando tudo isso aconteceu, mas senti ela segurando a minha, como várias outras que seguraram também de longe.
Não tinha intenção de publicar esse escrito. Tem demais. Poderia deixá-lo guardado, pra mim, em algum lugar secreto. Mas esse lugar é um dos meus lugares-abrigos. Sempre me senti livre aqui, neste blog. Não queria fugir à regra logo agora, depois que coisas importantes me foram negadas, como a presença. rs Acabaram entrando muito mais do que 15 dias de palavras acumuladas, eu sei. Mas mantenho o título original, escrito ainda no frio, quando tentava colocar pra fora toda a minha perplexidade diante de tudo. E não é que tudo terminou bem?
Sou eu aqui, mas não definitiva. E que venha o melhor!
(Quinta. Sentindo o calor que eu não costumo sentir, na minha terra, no meu aconchego.)
quinta-feira, 25 de junho de 2015
A repetição
Interessante. Eu estou pra morrer de palavras há mais de mês. Por um infortúnio dos diabos, acabei ficando sem um dos meus únicos derrames sérios: este blog, por conta de uma queda que eu dei no meu notebook, há um tempinho, já. Sem perceber, fui escrevendo muito na cabeça. Fazia, todas as noites, como que para copiar aquela época sabida, um ritual de sentar numa cadeira de plástico (que eu não tenho), em frente a uma penteadeira que servisse de escrivaninha (que também não possuo) e despejar letras e letras no caderno de número 6, que foi onde interrompeu-se a narrativa bruscamente.
Quando eu escrevo sobre ela, parece que eu estou me repetindo. Parece que eu estou gritando aos quatro cantos o quanto eu a amo, sendo que isso é sabido e notório até por quem me conhece superficialmente. E não só para quem porventura me lê. Por estar escrevendo na cabeça freneticamente, quase sem me dar descanso, tenho a impressão de estar me repetindo nas linhas, nas ideias, nas comparações. Parece que eu já sonhei chorando e, se eu chorar na realidade, não seria o choro original.
Além de tudo, estou temerosa pelos meus planos. Confusa, na verdade. E sei que já está mais do que na hora de trabalhar pra alcançá-los verdadeiramente e não ficar apenas na divagação que, segundo um amigo, é coisa que eu faço demais. Uma coisa inesperada nesse âmbito já me aconteceu que me fez acreditar um pouco mais. Apesar do meu temperamento, muito mais resiliente do que nunca antes, estou evitando algumas coisas. Pode ser que seja só o luto. Pode ser que eu tenha envelhecido um pouquinho mais, sem que tenha sido só pelo meu aniversário. Sofrimento verga a gente mesmo, né?
Dentro em pouco, talvez eu tenha que passar por mais uma coisa que eu juro: não queria. Ter conviver com alguém que eu amo demais, mas que é uma fonte de estresse e de descompasso pro equilíbrio que eu alcancei na minha vida fora de casa, em cidade estranha. É mexer numa logística já muito bem acertada e, pelas condições ainda adversas pra mim, me privar de algo que prezo como quase inegociável: minha liberdade.
Sei que ainda a tenho e que o meu poder de decisões ainda está aqui. Não foi e nunca será tirado de mim. Minha felicidade, certamente, não vai ser menor por isso, porque eu não vou deixar. Vamos atrás das respostas pras novas perguntas. Vamos sonhar mais e ir atrás. Vamos arrancar toda a medida que ainda me paira.
sábado, 30 de maio de 2015
O amor
sexta-feira, 22 de maio de 2015
Identidade
Sou espessa, sou nascer
Sou ideia
Sou abrigo
Contigo. Florescer.
Sou bandeira
Sou amado
Sou culpado
Desmorrer.
Sou a peça
Sou o nado
Sou calhado
Sou querer.
(18/05/15)
quarta-feira, 6 de maio de 2015
Pollyanna adulta
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Elenice
Um dia, decidiu que aquela virgindade já tinha passado do tempo. Tinha 18 anos recém-completados e tinha ouvido falar duma senhora idosa que vivia só no final da rua e que se espalhou a conversa que tinha morrido virgem. Achou aquela coisa toda tão triste que, quando na sentinela da velha, olhou pro cadáver inviolado e jurou pra si mesma: "Mas antes morrer puta velha do que moça velha".
Parece que o diabo sempre fica atento a essas determinações ditas em voz alta (ou mesmo em voz baixas, em enterros de senhoras virgens). Duas semanas depois, se mudou pra rua paralela um rapaz cabeludo, cheio de brinco. Ele não era mais legal por ser assim. Os outros achavam que aquilo era coisa de viado e ele teve que demonstrar mais de uma vez que o lance dele não era aquele. Elenice andava com a ideia fixa na cabeça, quando viu o rapaz. Ela soube que seria ele, pelo raio que sentiu nas carnes quando o viu, diferente de tudo o que já tinha sentido até então. E, como nem pra nascer esperou sua mãe fazer força, foi ao ataque, disposta a entregar a um desconhecido o fardo que para si se tornou a sua virgindade. Não foi difícil, como se pode imaginar de um rapaz que está tentando provar sua masculinidade entre o bando.
Ninguém sabe como aconteceu. Ele colocou a camisinha direito, já tinha usado uma antes, sabia como é que era. Não sabiam se tinha rasgado, se tinha saído, se alguma mão com algum fluído tinha ido onde não era pra ir, mas não tinha mais pra onde correr. Elenice estava definitivamente grávida e desconsolada, mas ainda mantendo a pose de forte sob a qual viveu a vida toda. O rapaz correu e ela desejou do fundo do coração que o raio que a atingiu quando o viu tivesse lhe feito o favor de a ter matado de uma vez.
***
Era tarde da noite no quarto quente. Elenice vivia agora sob o mutismo da família e a inexistência social. Todo mundo sabia que estava grávida. As amigas tinham pena, os pais das amigas tinham raiva e medo. Os próprios pais mal lhe dirigiam a palavra. O irmão que ainda tentava falar algumas coisas pra animar. Tudo isso veio na cabeça de Elenice de uma vez, vergando o pescoço da moça pra frente. Nua, grávida, vulnerável, triste, raivosa e trancada. Ninguém teria pena de Elenice. Ninguém mostraria compaixão com a moça da boca suja. Um grito terrível se formou e no meio de lágrimas e cabelos na cara, se libertou, acordando a casa toda. Correram pra acudir. Elenice sentia dores. Levaram pro hospital. Elenice chorava, segurando a barriga. Perdia muito sangue. Elenice lembrou do raio. Lembrou do velório. Lembrou da senhora velha. Lembrou da promessa daquele dia. Elenice tinha tomado remédio pra abortar. Elenice tinha tudo pra conseguir, mas não deu, pessoal. Elenice soltou as mãos do mundo pelo seu sangue, que corria como rio de dentro de suas pernas.
sábado, 11 de abril de 2015
Ela
Carregou tanta coisa na cabeça, que eu realmente não sei como ela conseguiu manter-se de pé a vida toda. Hoje, é muito o que ela carrega. A vida foi-se entrando e permaneceu tanto que agora, há muito pra sustentar. Ela sustenta. Há tanta graça nela. Tanta flor, tanto amor, tanto amor, meu deus. E eu, abestalhada, olho pra ela como se ela fosse de outro mundo. Mas não como se fosse algo desconhecido ou estranho. Mas como ela é: é outro mundo feito de abraços.
Ela passou por tantas dores nessa vida. Eu, daqui, nem posso me lembrar de todas. Perdeu os pais logo cedo, foi humilhada por tanta gente, casou com um homem que muito a fez sofrer, assistiu alguns de seus filhos serem levados pela morte. Depois que o Tempo, esse senhor implacável, veio, não sei se houve algum alívio. Sempre era alguma coisa a ocupar esse coração generoso. E eu sei que eu já fui e talvez ainda seja, um dos pesos. O que mais me surpreende é que ela é feliz. Sua capacidade de sorrir se manteve e eu gosto de pensar que eu herdei isso.
A memória já lhe falha. O ficar "em pé" já não é mais uma afirmação literal na vida dela. Ela tosse. Ela sente dores. Ela espera.
Estar longe dela é uma dor. A última noite, passamos nós duas de mãos dadas. Ela, na sua rede. Eu, na cama. Ela não conseguia dormir. Eu não podia. Deitei de maneira que pudesse vigiá-la, velar seu sono, segurar sua mão, ficar alerta a qualquer coisa. Lágrimas desceram quando vi aqueles dois olhinhos se fechando lentamente, pra pegar no sono, enquanto eu prendia até a respiração, morta de medo que qualquer de meus movimentos pudesse impedir de isso acontecer.
É difícil testemunhar o crepúsculo de uma vida tão amada. Vê-la perder-se em confusões tão simplórias. Mas não há o que se fazer. A cada engano, o riso natural. O abraço sempre dirá: "Não interessa o que aconteça, meu amor, encoste aqui o seu coração no meu, que tudo vai ficar bem".
"Não sofra antecipadamente", me disseram. Não. Não mais. Eu imagino, é claro. Ela mesma fala disso. Ela sabe. Nós sabemos. Mas meu coração está sereno, apesar de tudo. Eu só quero cantar pra ela o máximo que eu puder, dar todos os beijos e abraços que eu puder e dizer pra ela o quanto eu puder, que eu a amo. Segurar na mão do refúgio e dizer que ele sempre o será. :)